O crepúsculo do Western no centenário de um dos seus criadores

Possivelmente uma das mais famosas imagens dos westerns aos quadradinhos, é a vinheta final dos álbuns de Lucky Luke, na qual canta “Sou um pobre cowboy solitário, muito longe de casa”, cavalgando rumo ao pôr-do-sol. Imagem que, de alguma forma, pode ilustrar o crepúsculo que vive o género na banda desenhada – e também nas outras artes…
A perda do fascínio e do mistério que o Oeste selvagem em tempos exerceu e que desapareceu neste tempo globalizado em que toda a informação está ao nosso alcance; a transferência daquele fascínio para mundos siderais, onde as aventuras narradas, em muitos casos são puros westerns… espaciais; a substituição do ser humano – protagonista por excelência dos westerns, enquanto narrativa de superação – pela máquina, em tantas situações; o aparecimento de outras fontes de entretenimento, são algumas das justificações para esse estado. Às quais Gianfranco Manfredi, em entrevista recente ao site Universo HQ, acrescentou o facto de “os novos desenhadores terem dificuldades em desenhar cavalos e o oeste em geral”, ao anunciar para 2010 o fim de Mágico Vento (um aclamado misto de western e terror, bem condimentado com a exploração dos costumes índios e o paralelismo ficcional à realidade histórica, distribuído mensalmente entre nós em edição brasileira da Mythos).
Por isso, é cada vez mais difícil substituir as imagens que estão na memória de todos aqueles que algum dia cavalgaram juntamente com o insubordinado Blueberry, foram companheiros de Jerry Spring, vibraram com o duelo de Red Dust e Kentucky ou viveram as preocupações humanistas de Buddy Longway ou Ken Parker. Isso, porque são poucos os que vêm renovar o género – Gus, Bouncer ou Preacher, são parcos exemplos – juntando-se aos resistentes: Blueberry, Lucky Luke, Túnicas Azuis, Jonah Hex, Zagor ou Tex.
Tex que é o mais duradouro western da BD, algo que Giovanni Luigi Bonelli, nascido a 22 de Dezembro de 1908, em Milão, estaria longe de imaginar quando o concebeu, em 1948, como um herói duro e determinado, capaz de usar a força das balas para obter justiça. Antes dessa estreia, com o desenhador Aurelio Galleppini, G. Bonelli, consumidor voraz de romances e filmes de aventura, cujo centenário do nascimento, se cumpriu no passado dia 22, tinha já uma assinalável carreira na BD, na literatura para a juventude e como editor. Tex, inspirado nos grandes êxitos cinematográficos do género, seria a sua grande criação e, depois da chegada do seu filho Sergio à direcção da editora, tornou-se um imenso sucesso e a face mais visível dos fumetti (a BD italiana). Forçado a abandoná-lo, devido à idade e à doença, em 1991, Gian Luigi Bonelli deixou muitas outras criações (e westerns) populares, nas quais sempre exaltou a amizade, o companheirismo, a lealdade e o espírito de aventura.
Os 100 anos do seu nascimento ficam marcados pela atribuição do seu nome a uma rua de Agropoli, pela primeira reedição do único romance de Tex que escreveu – “Il massacro di Goldena” (1951) – e indissociavelmente ligados às comemorações do centenário do nascimento dos fumetti, com a revista “Il Corriere dei Piccoli”, cumprido exactamente hoje.
Quanto a Tex, mantém vendas mensais de cerca de um milhão de exemplares, no conjunto das suas várias colecções, pelo que custa a acreditar nas pessimistas previsões de Sergio Bonelli aqui ao lado, quase apetecendo dizer que, se Tex reflecte o crepúsculo da BD nos quadradinhos, muitos bandidos tombarão ainda perante as suas balas certeiras antes de chegar a noite escura e triste.

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Entrevista com Sergio Bonelli, editor de Tex e argumentista sob o pseudónimo de Guido Nolita

“Tex pode acabar daqui a 5 anos”

JN – Como era Gian Luigi Bonelli?
Sérgio Bonelli – Fisicamente era fascinante, muito musculoso e atlético para a estatura. Era alegre, muito extrovertido e adorava entreter os amigos com assuntos que surpreendiam pela originalidade e pelo seu anticonformismo.
JN – E o escritor?
SB – Gostava de improvisar página após página. Ele tinha orgulho no seu ofício de argumentista e dava-se completamente a Tex e aos protagonistas das suas histórias.
JN – Ele expressou alguma vontade em relação a Tex depois do seu desaparecimento?
SB – Nos últimos anos apercebeu-se que Tex se tinha tornado importante no mundo da BD e aceitou que outros continuassem a sua obra. Depois da decisão de o abandonar, desistiu de corrigir os textos dos outros; por simpatia e amor paterno, intervinha, com alguns conselhos, nas histórias escritas por mim.
JN – Tex está praticamente inalterado desde a sua criação. Por razões comerciais, artísticas ou sentimentais?
SB – Infelizmente não é verdade. Apesar do esforço de imitar o seu criador, todos os novos argumentistas introduzem diferenças que os leitores mais atentos não deixam de apontar.
JN – Os tempos actuais não pedem um Tex mais “politicamente correcto”?
SB – Pelo contrário, o rigoroso “politicamente correcto” exigido por alguns incomodaria outros. É difícil contentar todos. O mundo dos quadradinhos pode abrigar personagens de todo o tipo: o leitor facilmente encontra heróis “modernos” sem se desnaturar um “herói” tradicional.
JN – Tex continua a conquistar leitores?
SB – As novas gerações não gostam de western. Tex continua a ser a BD mais vendida em Itália, mas todos os meses perde leitores; pode ser que daqui a 5 ou 6 anos já não haja suficientes para o manter. Infelizmente, a BD está destinada a dar rapidamente lugar a outros divertimentos mais fáceis e cativantes.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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