“Renovação permanente é a palavra-chave de Eternus 9”

“É necessário ousar, renovar, saltar no escuro sem garantias de qualquer espécie”

Chama-se Victor Mesquita, tem 69 anos e esteve na origem da revista Visão, onde ficou incompleto “Eternus 9 – Um filho do Cosmos”, editado em álbum – há muito esgotado – em 1979.
Agora, uma nova edição, com alguns extras, está nas livrarias “na sequência de um excelente encontro com o Dr. Guilherme Valente, da Gradiva, em que o entusiasmo circulou como fogo-de-santelmo. Antes de assinar o contrato, avancei com o trabalho parado 15 anos atrás, do qual saiu a nova capa”.
Nos anos 70, conta o desenhador, “viajei um ano ao lado de Eternus, ouvindo o silêncio que ele fazia, sondando o ser estranho e familiar que crescia a meu lado, que me ajudaria a crescer”. E guarda como “recordação dominante desse meu período existencial, a mão a dar uma volta à chave, fechando-me no estúdio, as pranchas surgindo semana a semana, suspensas por molas como um estendal de roupa”.
Da génese de Eternus 9, revela que “foi prefigurado na minha cabeça mais do que no papel”, num processo contínuo, em que “estabeleci os pontos-chave que seriam preenchidos ao sabor do risco de cada instante da criação, de modo a que me sentisse sempre a viver uma aventura na qual as coisas corriam à medida que eu avançava, sujeito a cair a cada passo, firmando-me e descobrindo um novo chão a cada passada”.
Relato em estilo barroco, visualmente impactante, de teor humanista, filosófico e de “antecipação científica”, explora conceitos então ainda quase ignorados, como a ecologia, pois “sempre me preocupou a ideia do planeta e da sociedade caminharem por onde não deveriam, para a extinção das reservas de energia natural. Estou apaixonado pela Terra, pela transcendência que rodeia o nosso planeta, algo que se move e nos move sem nos apercebermos”. O que contribui decisivamente para que este não seja um álbum datado, a par de “no fundo, não passar de uma criação seminal, logo incompleta, em que tudo se encontra em aberto. E que no segundo álbum – A Cidade dos Espelhos, a lançar no final de 2009 – “se renova muito para além do que já foi dito, porque Re9vação permanente é a sua palavra-chave”.
“Esta reedição”, afirma o autor, “marca o regresso de Eternus 9 e de alguém que no segundo álbum afirma não ter nada a ver com Victor Mesquita”! Sem se abrir, afirma que “a resposta cabal será dada em A Cidade dos Espelhos, algo completamente novo, em que exploro de que matéria são feitos os sonhos”. E prossegue: “é preciso abrir portais mágicos no real; as crises são óptimas: é preciso é sair delas com sugestões novas, evitando cair no fosso das anteriores. É necessário ousar, renovar, saltar no escuro sem garantias de qualquer espécie; em suma: acreditar”.
A sequela, de que já concluiu “o primeiro de seis capítulos” existe desde o início, pois “sempre vi o primeiro álbum como o ovo a partir do qual nasceriam mais nove, já traçados em termos de título e contexto”. Mesmo assim, “não previa que o segundo evoluísse como evoluiu, com a história a surpreender-me a cada passo, transformada num organismo com vida própria”. E levantando um pouco a ponta do véu, conta que nele, “um portal caleidoscópico atravessará um mundo cujo coração será Lisboa, depois da Guerra Nuclear que transfigurou a face do planeta. A placa tectónica deslocada por efeito de subducção ao longo do rio Tejo, fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem, o espírito de lugar que a possui”. E a par do qual desenvolve “um Diário de Trabalho e Apontamentos, integrado na própria ficção que diz o que no álbum não é dito”, que é, afinal, “a história do dia a dia do autor vista do lado de fora da novela gráfica”.

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“Gostava de repetir a experiência da Visão!”

Em 1975, surgiu nas bancas uma luxuosa revista intitulada Visão, um projecto de autores “para uma nova BD portuguesa”, que, devido a conflitos internos duraria apenas 12 números. Victor Mesquita, saído a meio, foi um dos seus fundadores e confessa que “gostaria de repetir a experiência, com outra gente, claro, outro tipo de relacionamento e colaboração”.
Respeitando “as diferenças inerentes à época actual”, acredita que seria possível retomá-la “com o mesmo estatuto de criação inovadora, criando dinâmicas paralelas”. E revela: “tenho o título, o estatuto e a forma que ela teria se surgisse financiamento; simples e rápida de executar, a sair, como O Mosquito, duas vezes por semana, 16 páginas, a cor e a preto e branco”. E remata: “a BD é uma fonte de riqueza inesgotável, só tem de ter qualidade e uma nova filosofia de comunicação”.

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Projectos

Entre muitos projectos à espera de “um editor verdadeiramente empenhado”, conta “um manga de samurais”, de que já elaborou “a história, a sinopse e uma introdução de impacto”, protagonizado por alguém que “existe em carne e osso, uma velha samurai que descende em linha directa de um dos mais famosos shoguns do século XVII e que matou o marido num combate singular”.
E fala, com entusiasmo, como sempre que a BD é o tema, da “história de Ernesto Santelmo, um engenheiro genético neto de um pescador de Tavira e de mãe americana que descobre a cura para uma das piores pandemias que assolam o planeta e se vê envolvido numa espiral de intrigas científicas”. E que foi atropelado pela realidade, porque “o envio das primeiras pranchas para os EUA estava previsto para a semana a seguir ao 11 de Setembro, e elas abriam com um atentado, um arranha-céu em chamas, ao fundo as Torres Gémeas ainda de pé… Uma das muitas coincidências de que a minha vida está recheada”.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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