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A Banda de Cá

Um panorama alargado da banda desenhada portuguesa: revelação e balanço

Se a encararmos como um campo alargado, que inclua a caricatura e a ilustração, a banda desenhada é, sem dúvida, e ao lado do cinema, um dos produtos culturais mais paradigmáticos da modernidade. Filho da vida urbana, do divertimento, mas também das sociedades abertas com suas liberdades públicas, o mundo dos ‘quadrinhos’ passaria dos jornais para os livros, gerando ao longo do século XX um novo género de narrativa gráfico-literária que se exprime quase sempre numa linguagem popular mas capaz de abrir todo um novo território de experimentações visuais.

Como todas as existências icónicas da sociedade de massas, a BD disseminou-se por todo o Ocidente, ganhando fortíssimas e singulares tradições na Bélgica, na França, ou nos EUA, criando mercados alargados em países como a Itália e a Espanha e gerando especificidades importantes no Leste da Europa.

Portugal não foi exceção a esta contaminação, ainda que, como noutros domínios artísticos, a produção portuguesa conheça as dificuldades inerentes a um mercado estreito e demasiado condicionado pela visão ‘infanto-juvenil’ da BD e pela supremacia franco-belga na oferta e na procura.

Estas condições não impediram, porém, o florescimento nas últimas décadas de uma banda desenhada de autor, exigente do ponto de vista gráfico e, em alguns casos, com um arrojo experimental.

“Tinta nos Nervos”, uma exposição comissariada por Pedro Vieira de Moura, que revisita a produção lusa recente nesta área, mostra precisamente este panorama, construindo uma visão de conjunto largamente satisfatória.

Seja pela diversidade de abordagem e sensibilidades estéticas, seja pela real valia de alguns dos participantes, a BD portuguesa aproxima-se nesse particular das restantes artes visuais locais: na ausência de escolas dominantes, ela vive sobretudo da dissonância estética entre as suas personalidades mais vivas.

Mostrando pranchas e sequências que salvaguardam as condições narrativas da BD, mas também livros seminais, revistas e fanzines historicamente marcantes e objetos que se aproximam da linguagem gráfica, a exposição tem a enorme vantagem de mostrar esta diversidade através do trabalho de 40 autores.

Lado a lado, coexistem trabalhos que valorizam a dimensão social e política (Teresa Câmara Pestana, Miguel Rocha), ou vincam visões da cidade (António Jorge Gonçalves, José Carlos Fernandes), caracterizam os costumes (Pepedelrey) ou comentam a cultura local (Janus, Nuno Sousa, Miguel Carneiro), exibem estilos mais realistas (Marco Mendes), aproximam-se do fantástico (Victor Mesquita, João Maio Pinto), do onírico (Luís Henriques), da abstração (Cátia Serrão) ou especulam sobre as próprias condições gráficas (Jucifer), adotam visões mais literárias (Diniz Conefrey), tiram partido da cor em visões pop (Nuno Saraiva) ou da tonalidade expressionista (Ana Cortesão, André Lemos, Pedro Zamith), com humor (Alice Geirinhas, Carlos Zíngaro) ou pela exploração de subgéneros como a autobiografia (Marcos Farrajota, Paulo Monteiro). Entretanto, há ainda espaço para sinalizar algumas zonas de fronteira com a pintura, pelo campo comum do desenho (Isabel Baraona, Mauro Cerqueira), pela partilha de uma mesma cultura pop e vocação satírica (Eduardo Batarda), ao mesmo tempo que se incluem dois antecedentes (Rafael Bordalo Pinheiro e Carlos Botelho) que ajudam a dar profundidade histórica ao campo.

Como imagem de fundo de uma nebulosa tão heteróclita fica uma genérica capacidade de infiltração temática nos mais diversos assuntos e contextos sociais, com uma variedade de abordagens que pode oscilar entre o humor e a metafísica.

O Regresso de Eternus 9

Mais de 30 anos depois da publicação de “Um Filho do Cosmos”, Eternus 9, a mítica criação de Victor Mesquita, regressa com “A Cidade dos Espelhos”, segundo volume de uma anunciada trilogia de ficção científica, género de que Mesquita é um dos raros cultores em Portugal.

Definido pelo próprio Mesquita, como “um portal caleidoscópico para um mundo cujo coração é Lisboa, após a guerra nuclear que transfigurou a face do Planeta e fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem”, a “Cidade dos Espelhos”, mais do que o regresso de Eternus 9, é o regresso de Victor Mesquita, aqui na dupla função de autor e personagem da sua própria história.

O primeiro álbum, cuja publicação se iniciou em 1975 na revista “Visão” (a de BD, não a de informação que ainda hoje se publica) de que Mesquita foi fundador e director, tendo sido publicado em álbum em 1979, com direito a edição em França pela Lombard, no ano seguinte, é filho do seu tempo, estando na linha do que melhor se fazia em revistas como a Pilote e Métal Hurlant, com Victor Mesquita a emprestar um fôlego épico ao seu traço, só com paralelo nos delírios cósmicos e arquitecturais de Philippe Druillet, autor com quem a crítica francesa (e não só…) não deixou de o comparar. Mas além do desenho espectacular e da arrojada planificação, sem equivalente em termos da BD nacional, “Eternus 9” era uma história plena de simbolismo e perfeitamente circular, e que, por isso mesmo, não precisava de continuação.

Essa continuação, tantas vezes anunciada pelo próprio, mas que já poucos esperavam, surgiu finalmente em finais de 2010, lançada de forma (demasiado) discreta, no último Festival da Amadora. E se a sombra de Eternus 9 se mantém imutável, apesar da sua presença ser bastante mais simbólica do que efectiva, a verdade é que a meio da história o leitor é levado para o outro lado do espelho, em que Eternus 9 dá lugar a Victor Mesquita, numa narrativa com claros contornos autobiográficos sobre o processo de criação do livro que estamos a ler. E nesta segunda parte, que é mais uma continuação de “O Sindroma de Babel” (veja-se a cidade de Olissipólis, ou os cães bicéfalos), uma história curta publicada em álbum em 1996, pelo Festival da Amadora, a presença de Eternus 9 está quase reduzida às maquetes que enchem o estirador de Vick Meskal/Victor Mesquita, cedendo lugar ao autor cheio de dúvidas e inquietações, em luta com uma história que ganhou vida própria que, como bem lembrou João Ramalho Santos, remete para o filme “8 ½” de Federico Fellini, paradigma máximo do filme sobre o autor em crise de inspiração.

Embora respeitando vagamente os cânones da ficção científica, sobretudo em termos estéticos, “A Cidade dos espelhos” é uma obra inclassificável, cujo principal fascínio vem precisamente da forma como o autor explora criativamente as suas dúvidas e complexidades, num complexo jogo de espelhos, mais próximo da Banda Desenhada autobiográfica.

Quanto à excelente edição da Gradiva, padece do mesmo problema da reedição de “Um Filho do Cosmos”, o preço demasiado elevado para a bolsa dos portugueses que, aliado à escassa divulgação, impedirá mais leitores de descobrirem este (tão feliz quanto inesperado) regresso de Victor Mesquita.

(“Eternus 9: A Cidade dos Espelhos”, de Victor Mesquita, Gradiva, 98 páginas, 25 euros)

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“Tinta nos Nervos” — A BD Levada a Sério…

Foi inaugurada, no passado dia 10 de Janeiro, a exposição “Tinta nos Nervos – Banda Desenhada Portuguesa”, no Museu Colecção Berardo do Centro Cultural de Belém.
Estendida por diversas salas do Museu, e comissariada por Pedro Moura, a mostra irá estar patente até ao dia 27 de Março.
Uma das mais importantes montra de que há memória na Banda Desenhada portuguesa, a exposição comissariada por Pedro Moura apresenta obras de Alice Geirinhas, Ana Cortesão, André Lemos, António Jorge Gonçalves, Bruno Borges, Carlos Botelho, Carlos Pinheiro, Carlos Zíngaro, Cátia Serrão, Daniel Lima, Diniz Conefrey, Eduarda Batarda, Filipe Abranches, Isabel Baraona, Isabel Carvalho, Isabel Lobinho, Janus, João Fazenda, João Maia Pinto, José Carlos Fernandes, Jucifer (Joana Figueiredo), Luís Henriques, Marco Mendes, Marcos Farrajota, Maria João Worm, Mauro Cerqueira, Miguel Carneiro, Miguel Rocha, Nuno Saraiva, Nuno Sousa, Paulo Monteiro, Pedro Burgos, Pedro Nora, Pedro Zamith, Pepedelrey, Rafael Bordalo Pinheiro, Richard Câmara, Teresa Câmara Pestana, Tiago Manuel e Victor Mesquita.
Como bem refere Jorge Machado-Dias no seu blog Kuentro, «(…) é uma oportunidade única para aceder a tão vasta (embora não auto-conclusiva) informação sobre a actual BD portuguesa (…)».
E este crítico, editor e divulgador, diz ainda: «(…) À partida, a filosofia de que partiu esta abordagem à Banda Desenhada – tratando-se especialmente da portuguesa –, é algo com que estamos plenamente de acordo e cuja visita deveria ser obrigatória para os directores dos Festivais de banda desenhada em Portugal, para perceberem como fazer um festival de BD de larga abrangência e potencialmente cativador de maiores e mais variados públicos. Isto apesar de, diga-se de passagem, Paulo Monteiro, o director do Festival de Beja, ter vindo propositadamente de Beja para esta inauguração, sendo que é também, um dos autores expostos…
Para já, deixo ficar apenas uma nota sobre a feliz escolha por Pedro Vieira Moura, da expressão que melhor define a BD portuguesa actual: banda desenhada de autor! Nada mais apropriado, uma vez que os portugueses são especializados em algumas áreas “de autor”, sendo o cinema a mais conhecida. E tal como o cinema português é parcamente visto pelos portugueses, também a BD portuguesa sofre do mesmo mal: vende-se pouco! E isto não é uma crítica, é uma constatação. Aliás a Sara Figueiredo Costa aborda alguns pontos desta questão no texto que produziu para o Catálogo desta exposição – o porquê das fracas vendas da BD portuguesa (…).
O catálogo da exposição, com textos de Pedro Moura, Sara Figueiredo e Domingos Isabelinho contém 138 ilustrações e a biografia de todos os autores expostos, sendo distribuído pela Chili Com Carne.
A exposição tem entrada gratuita e pode ser visitada no Museu Colecção Berardo, Praça do Império, Lisboa, até 27 de Março, de domingo a sexta, das 10h00 às 19h00 e sábado das 10h às 22h.

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Tinta nos Nervos. Desenho nas veias e a BD à flor da pele

Trabalhos de 41 autores nacionais de banda desenhada enchem as paredes do Museu Colecção Berardo a partir de segunda-feira.

Não espere encontrar Tios Patinhas, nem Tintins ou heróis de banda desenhada convencionais na nova exposição do Museu Colecção Berardo, em Lisboa. Não é sítio para deixar os miúdos entretidos com bonecos durante uns minutos, mas sim para conhecer (melhor) o que têm feito os autores de banda desenhada nacionais. Quarenta e um artistas portugueses têm “Tinta nos Nervos” – expressão do escritor Raul Brandão (1876-1939) que dá nome à exposição – e o resultado desse nervosismo pode ser visto a partir de segunda-feira, às 19h30, nas paredes do Museu Colecção Berardo. “Não gosto de chamar-lhe antologia, até porque faltam aqui alguns autores, mas mostra um panorama alargado da BD portuguesa fora da literatura de massas que afecta o público infantil e juvenil”, diz ao i Pedro Vieira de Moura, comissário da exposição, professor e crítico de banda-desenhada.

No chão do Museu Berardo algumas ilustrações ainda estão por pendurar e há livros espalhados pelas várias salas à espera de serem postos num mostruário. Os trabalhos estão identificados com o nome do autor, mas as salas não têm tema, até porque, como explica Pedro Vieira Moura, “poucos têm características em comum”. “Ao contrário do que se passa em Espanha e nos Estados Unidos, a BD em Portugal não é popular, e por isso não se pode dizer que haja uma escola e temas, mas sim diversos autores.”

A maior parte dos 600 trabalhos que até 27 de Março vão estar no museu em Belém são contemporâneos, salvo duas excepções: as caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro, “pai da banda desenhada portuguesa”, e os desenhos de Carlos Botelho, publicados no jornal humorístico “Sempre Fixe”, entre 1928 e 1950.

Pedro Vieira Moura, que sugeriu a exposição ao museu no início de 2010, acha que este tipo de iniciativas é fundamental porque “a memória em relação à BD é muito curta”. “Se não fossem os festivais, como o da Amadora e o de Beja, não havia interesse em juntá-la e recuperá-la.”

A escolha dos autores – “Nenhum deles vive da banda desenhada e a maior parte faz ilustrações” – começou em Setembro, depois da luz verde dada pelo museu. “Já estava tudo encaminhado, conheço-os bem, mas a escolha foi tão simples como complexa, até porque não cabiam todos aqui”, afirma Pedro. Houve uma preocupação em trazer artistas de várias idades, desde o veterano Victor Mesquita, de 71 anos, criador da história de culto de ficção científica “Eternus 9”, de 1975, à ilustradora Susa Monteiro, a mais nova, de 31 anos.

A exposição é um verdadeiro curso da história da BD portuguesa, “com autores de maior visibilidade e algum sucesso comercial” (José Carlos Fernandes e Pedro Zamith) e outros mais underground (Marco Mendes, Janus e Teresa Câmara Pestana).

Além dos desenhos, também vão ser exibidos quatro filmes de animação e estarão expostos objectos invulgares como livros de artistas (um inédito de Eduardo Batarda) e fanzines (a abreviatura para fanatic magazines, revistas sofisticadas publicadas por fãs) de João Bragança. A colecção de fanzines “Succedâneo”, com mais de 30 números, inclui capas em forma de carteira, de luva e até de hóstia. “O objectivo é apresentar objectos que não lembram a BD clássica e conservadora”, diz o comissário.

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Turma da Mónica Jovem chega a Portugal

A Turma da Mónica Jovem, a versão adolescente em estilo manga de Mônica, Cebolinha e Cascão, o mais recente sucesso de Maurício de Sousa, chega aos quiosques portugueses hoje, dia 29.

Na origem do projecto, desenvolvido ao longo de mais de um ano, esteve a vontade do autor de chegar também ao público adolescente. Daí o facto de os heróis da Turma que todos conhecemos como crianças, rondarem agora os 15, 16 anos, com as diferenças óbvias, reveladas desde logo nas poses sensuais de Mônica e Magali (que continua a comer muito, mas de forma equilibrada), no facto do Cebolinha – agora Cebola – só trocar os “rr” pelos “ll” quando está nervoso ou de o Cascão já tomar banho.
O facto de a colecção ser especialmente vocacionada para os adolescentes foi decisivo na escolha do estilo manga, aquele que eles mais lêem, e na adequação da temática aos seus interesses, dando-lhe mesmo um tom de aventura fantástica nos primeiros quatro tomos. A partir do quinto, o quotidiano e as suas preocupações serão a temática dominante pois, como referiu Maurício de Sousa ao JN durante a sua passagem pelo Festival de BD da Amadora, em Novembro último, a Turma da Mônica Jovem (nome escolhido por votação dos fãs pela Internet) “vai permitir-nos abordar temas importantes para os jovens como acne, namoro, sexo seguro, gravidez indesejada ou incorporação no exército, numa perspectiva educativa e didáctica”.
A Turma da Mônica Jovem (publicada em volumes mensais de 130 páginas a preto e branco, que custarão 2,10 € no nosso país), começou com tiragens de 50 mil exemplares que esgotaram rapidamente o que obrigou a várias reimpressões, tendo no quinto volume atingido os 400 mil exemplares, distribuídos em quiosques e livrarias (onde têm estado recorrentemente no top dos mais vendidos) o que faz dela a revista mais vendida no Brasil nos últimos 30 anos.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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“Renovação permanente é a palavra-chave de Eternus 9”

“É necessário ousar, renovar, saltar no escuro sem garantias de qualquer espécie”

Chama-se Victor Mesquita, tem 69 anos e esteve na origem da revista Visão, onde ficou incompleto “Eternus 9 – Um filho do Cosmos”, editado em álbum – há muito esgotado – em 1979.
Agora, uma nova edição, com alguns extras, está nas livrarias “na sequência de um excelente encontro com o Dr. Guilherme Valente, da Gradiva, em que o entusiasmo circulou como fogo-de-santelmo. Antes de assinar o contrato, avancei com o trabalho parado 15 anos atrás, do qual saiu a nova capa”.
Nos anos 70, conta o desenhador, “viajei um ano ao lado de Eternus, ouvindo o silêncio que ele fazia, sondando o ser estranho e familiar que crescia a meu lado, que me ajudaria a crescer”. E guarda como “recordação dominante desse meu período existencial, a mão a dar uma volta à chave, fechando-me no estúdio, as pranchas surgindo semana a semana, suspensas por molas como um estendal de roupa”.
Da génese de Eternus 9, revela que “foi prefigurado na minha cabeça mais do que no papel”, num processo contínuo, em que “estabeleci os pontos-chave que seriam preenchidos ao sabor do risco de cada instante da criação, de modo a que me sentisse sempre a viver uma aventura na qual as coisas corriam à medida que eu avançava, sujeito a cair a cada passo, firmando-me e descobrindo um novo chão a cada passada”.
Relato em estilo barroco, visualmente impactante, de teor humanista, filosófico e de “antecipação científica”, explora conceitos então ainda quase ignorados, como a ecologia, pois “sempre me preocupou a ideia do planeta e da sociedade caminharem por onde não deveriam, para a extinção das reservas de energia natural. Estou apaixonado pela Terra, pela transcendência que rodeia o nosso planeta, algo que se move e nos move sem nos apercebermos”. O que contribui decisivamente para que este não seja um álbum datado, a par de “no fundo, não passar de uma criação seminal, logo incompleta, em que tudo se encontra em aberto. E que no segundo álbum – A Cidade dos Espelhos, a lançar no final de 2009 – “se renova muito para além do que já foi dito, porque Re9vação permanente é a sua palavra-chave”.
“Esta reedição”, afirma o autor, “marca o regresso de Eternus 9 e de alguém que no segundo álbum afirma não ter nada a ver com Victor Mesquita”! Sem se abrir, afirma que “a resposta cabal será dada em A Cidade dos Espelhos, algo completamente novo, em que exploro de que matéria são feitos os sonhos”. E prossegue: “é preciso abrir portais mágicos no real; as crises são óptimas: é preciso é sair delas com sugestões novas, evitando cair no fosso das anteriores. É necessário ousar, renovar, saltar no escuro sem garantias de qualquer espécie; em suma: acreditar”.
A sequela, de que já concluiu “o primeiro de seis capítulos” existe desde o início, pois “sempre vi o primeiro álbum como o ovo a partir do qual nasceriam mais nove, já traçados em termos de título e contexto”. Mesmo assim, “não previa que o segundo evoluísse como evoluiu, com a história a surpreender-me a cada passo, transformada num organismo com vida própria”. E levantando um pouco a ponta do véu, conta que nele, “um portal caleidoscópico atravessará um mundo cujo coração será Lisboa, depois da Guerra Nuclear que transfigurou a face do planeta. A placa tectónica deslocada por efeito de subducção ao longo do rio Tejo, fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem, o espírito de lugar que a possui”. E a par do qual desenvolve “um Diário de Trabalho e Apontamentos, integrado na própria ficção que diz o que no álbum não é dito”, que é, afinal, “a história do dia a dia do autor vista do lado de fora da novela gráfica”.

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“Gostava de repetir a experiência da Visão!”

Em 1975, surgiu nas bancas uma luxuosa revista intitulada Visão, um projecto de autores “para uma nova BD portuguesa”, que, devido a conflitos internos duraria apenas 12 números. Victor Mesquita, saído a meio, foi um dos seus fundadores e confessa que “gostaria de repetir a experiência, com outra gente, claro, outro tipo de relacionamento e colaboração”.
Respeitando “as diferenças inerentes à época actual”, acredita que seria possível retomá-la “com o mesmo estatuto de criação inovadora, criando dinâmicas paralelas”. E revela: “tenho o título, o estatuto e a forma que ela teria se surgisse financiamento; simples e rápida de executar, a sair, como O Mosquito, duas vezes por semana, 16 páginas, a cor e a preto e branco”. E remata: “a BD é uma fonte de riqueza inesgotável, só tem de ter qualidade e uma nova filosofia de comunicação”.

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Projectos

Entre muitos projectos à espera de “um editor verdadeiramente empenhado”, conta “um manga de samurais”, de que já elaborou “a história, a sinopse e uma introdução de impacto”, protagonizado por alguém que “existe em carne e osso, uma velha samurai que descende em linha directa de um dos mais famosos shoguns do século XVII e que matou o marido num combate singular”.
E fala, com entusiasmo, como sempre que a BD é o tema, da “história de Ernesto Santelmo, um engenheiro genético neto de um pescador de Tavira e de mãe americana que descobre a cura para uma das piores pandemias que assolam o planeta e se vê envolvido numa espiral de intrigas científicas”. E que foi atropelado pela realidade, porque “o envio das primeiras pranchas para os EUA estava previsto para a semana a seguir ao 11 de Setembro, e elas abriam com um atentado, um arranha-céu em chamas, ao fundo as Torres Gémeas ainda de pé… Uma das muitas coincidências de que a minha vida está recheada”.


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F. Cleto e Pina

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“Obrigada, patrão”, de Rui Lacas, Melhor Álbum Português de 2008

Foram divulgados ontem no 19º Festival Internacional de BD da Amadora, que decorre até ao próximo domingo, no Fórum Luís de Camões, os vencedores dos Prémios Nacionais de BD 2008.
O grande vencedor foi Rui Lacas que, com “Obrigada, patrão” (Edições ASA), conquistou os troféus para Melhor Álbum Português e Melhor Argumento Português. O livro, lançado originalmente no mercado francófono pelas Éditions Pacquet, já havia sido distinguido em 2007 como Melhor Álbum Português em Língua Estrangeira.
O prémio para Melhor Desenho Português contemplou António Jorge Gonçalves, pelo seu trabalho em “Rei” (Edições ASA), enquanto “Madalena Matoso” era distinguida com o prémio Melhor Ilustração para Livro Infantil por “O meu vizinho é um cão” (Planeta Tangerina).
“Muchacho,Tomo 2”(Edições ASA), de Lepage, foi considerado o Melhor Álbum de Autor Estrangeiro, “Zits – Amuado, Aluado, Tatuado” (Gradiva), de Jerry Scott e Jim Borgman, recebeu a distinção para Melhor Álbum de Tiras Humorísticas, e o diptíco “Blueberry: A Mina do alemão perdido”/”O Espectro das balas de Ouro” (Edições ASA/Público), de Charlier e Giraud, foi escolhido como Clássico da 9ª Arte.
“Venham + 5 nº5” (Bedeteca de Beja) recebeu o prémio para Melhor Fanzine, o Prémio Juventude (atribuído por uma turma de Artes de uma escola da Amadora) distinguiu “Wanya, Escala em Orongo” (Gradiva), de Nelson Dias e Augusto Mota, e a Câmara Municipal da Amadora atribuiu o Troféu de Honra a Victor Mesquita.


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F. Cleto e Pina

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