Rui Cardoso Martins: “Num conto, as imagens são construídas com palavras, mas as imagens desenhadas são outro mundo dentro da criação”
João Sequeira adaptou em banda desenhada “Espelho da água”, um conto do escritor
O trabalho mais recente de João Sequeira intitula-se “Espelho da Água” e partiu do conto homónimo de Rui Cardoso Martins. Edição da Polvo, lançada no recente Amadora BD, foi o pretexto para falar com os dois autores.
O ilustrador revelou ao JN que, tendo tido sempre “com todos os argumentistas, espaço e liberdade para me exprimir, desta vez procurava ainda mais autonomia”. E explica: “Durante muito tempo, a etiqueta de autor completo, que se aplica a um autor de BD que escreve e desenha, pesou-me de forma negativa, porque o oposto é um autor incompleto. Este projecto ajudou-me a ultrapassar esse preconceito e a perceber que posso ser um autor completo sem escrever, porque uma adaptação para outra linguagem resulta sempre num outro objecto.”
Num primeiro contacto com Rui Cardoso Martins, recebeu quatro contos, mas foi “Espelho da Água” que visualizei com mais clareza”, seduzido “por histórias muito humanas e que combinam, de forma excepcional, o humor e o horror e “casam” muito bem com os meus desenhos e o meu imaginário.”
Quanto ao escritor confessa que sentiu “surpresa e alegria pela proposta” e, perante “os esboços aquáticos do Tejo que o João me mostrou, o seu entusiasmo e o seu uso do negro e do branco, disse logo que sim”.
Fazer uma adaptação implicou “distribuir a energia pelos desenhos e pelo argumento/adaptação, o que me levou a um envolvimento muito maior na história. Tive de tomar decisões que normalmente são do argumentista”, o que explica “o estilo adoptado: desenhos a caneta com alguns apontamentos a tinta-da-china aplicada com pincel, que resulta da urgência em pôr no papel as ideias que iam surgindo”. Reconhece que “a maior dificuldade foi ter de amputar o texto original, excluir frases muito boas, substituindo-as por desenhos ou sequências de desenhos, que espero estejam à altura da qualidade do texto”.
Depois do encontro inicial, lembra RCM, “o João foi apresentando visuais de paisagem, figuras, sonhos e pensamentos, hipóteses gráficas e de balonagem que me conquistaram. Basicamente, mandava pranchas e eu dizia sim, sim… Num conto, as imagens são construídas com palavras, mas as imagens desenhadas são outro mundo dentro da criação”.
E prossegue, negando um papel mais activo no processo: “Eu penei na minha altura, o João teria de penar na dele… É muito importante explicar que não fiz nem participei no argumento. O encadear, as frases escolhidas, as necessárias inserções do texto e dos pontos de vista visuais, pertenceram inteiramente à arte do João, que neste caso se aproximou da arte da escrita. Foi a minha primeira experiência a sério com a banda desenhada e entreguei a quem sabe a condução deste barco.”
E termina, com um elogio: “O desenho do João, às vezes violentamente cru no vazio entre o preto e o branco, é uma das chaves de “Espelho da Água”.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias