Grande Prémio de Angoulême para Riad Sattouf

Francês é autor de “O Árabe do Futuro” e de “O Diário de Esther”

O autor francês Riad Sattouf, foi distinguido com o Grande Prémio de Angoulême 2023, pelo conjunto da sua obra. O anúncio oficial foi feito hoje naquela cidade francesa, onde amanhã abre as portas ao público a 50.ª edição do mais importante evento europeu dedicado à banda desenhada.
Sattouf, que curiosamente assina um dos cartazes oficiais da edição deste ano, estava nomeado juntamente com a norte-americana Alison Bechdel e a francesa Catherine Meurisse e a escolha foi feita através de uma votação online, feita pelos autores de BD com obra publicada em França, indicados pelas respectivas editoras. O mesmo método, em votação aberta, tinha já sido utilizado para determinar os três finalistas.
Natural de Paris, onde nasceu a 5 de maio de 1978, Sattouf é filho de mãe francesa e pai líbio, e dividiu a sua infância entre a Síria, a Líbia e França. Essa experiência com muito de traumático, foi contada por ele em “O Árabe do Futuro”, uma autobiografia em seis volumes que abarca o período entre 1978 e 2011, que o autor terminou no ano passado.
Os quatro primeiros tomos estão publicados em português pela Teorema, que revelou ao Jornal de Notícias que irá publicar o quinto, “Ser jovem no Médio Oriente (1992-1994)”, no segundo semestre deste ano.
Nesta obra, em especial nos primeiros anos, Sattouf narra com ternura, humor mas também desilusão, a incapacidade de se sentir integrado em qualquer das comunidades dos países em que viveu e a progressiva deterioração da relação dos pais, divididos pela olhar europeu da mãe e o crescente radicalismo muçulmano do pai. Para além do lado pessoal, a obra traça também um retrato social e político muito lúcido de realidades culturais e religiosas diferentes.
Radicado em França desde os 12 anos, Sattouf tirou o bacharelato em Rennes e estudou depois Artes Aplicadas e Animação. A entrada na BD – assente no seu íntimo desde que descobriu as aventuras de Tintin aos 5 anos – aconteceu em 2000 com a sua primeira série, “Petit Verglas”. Numa bibliografia rica e diversificada, sempre com um lado autobiográfico, distingue-se igualmente “Les Pauvres Aventures de Jérémie” (a partir de 2003), cujo volume inaugural foi distinguido como prémio René Goscinny pelo seu argumento.
Publicou BD no “Libération” e no “Charlie Hebdo” e voltaria a dar nas vistas com “Pascal Brutal” (a partir de 2007), banda desenhada protagonizada por um machista ambivalente.
Uma paragem para se dedicar ao cinema, outra das suas paixões, originou “Les Beaux Gosses”, uma longa-metragem sobre amores adolescentes, bem recebida pela crítica e pelo público, que ele próprio escreveu e realizou. Nomeado para três César, os óscares franceses, venceu o de Primeiro Filme.
Em 2014, a sua segunda experiência cinematográfica de fôlego, “Jacky au royaume des filles”, uma sátira sobre uma sociedade dominada pelas mulheres, em que os homens tinham apenas um papel reprodutor, não repetiu mas o sucesso do filme de estreia.
De regresso à BD, criou então “O Árabe do Futuro” e, em 2015, em paralelo, iniciou a publicação na revista “L’Obs” de “O Diário de Esther”, um conjunto de narrativas de 2 páginas auto-conclusivas que, no seu conjunto, traçam um retrato alargado da vida de Esther, uma pré-adolescente de 9, 10 anos, da sua família e dos seus colegas de escola, mas também, um retrato distorcido do nosso tempo, visto pela forma como o cérebro infantil absorve e projecta o que ouve dos adultos, da televisão e das redes sociais. Esta obra teve edição portuguesa da Gradiva, em dois volumes, e originou uma série de animação, “La Redoutable”, que Sattouf co-produziu com Michel Hazanavicius.
Dono de um traço linha clara, simpático e expressivo, colocado ao serviço das histórias que deseja contar, em que retrata com um olhar crítico, de forma interventiva, o tempo em que vive, as disfunções sociais e políticas que observa e a forma como (não) estamos a preparar o nosso próprio futuro, Sattouf sucede em Angoulême à canadiana Julie Doucet.
O autor já tinha integrado a selecção oficial do festival por duas vezes, em 2016 e 2017, respectivamente com os tomos 2 e 3 de “O Árabe do Futuro”, e tinha sido distinguido outras tantas com o Prémio para Melhor Álbum por “Pascal Brutal, t. 3: Plus fort que les plus forts” (2010) e “O Árabe do Futuro – volume 1” (2015).


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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