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Longa se tornou a espera

Adolescente, com o irmão raptado e a mãe deprimida
Quinto volume de “O Árabe do Futuro”, a auto-biografia de Riad Sattouf, já editado em português

Cerca de três anos depois do lançamento do volume #4, numa espera que se tornou longa, finalmente a Teorema fez chegar às livrarias nacionais “O Árabe do Futuro #5 – Ser Jovem no Médio-Oriente (1992-1994)”, penúltimo tomo da auto-biografia de Riad Sattouf, filho de mãe francesa e pai líbio.
O livro arranca onde o anterior terminou, logo após o rapto de Fadi, irmão mais novo de Riad, levado pelo pai para a Síria, na sequência dos desentendimentos crescentes entre os progenitores. Este acontecimento marca toda a narrativa com um tom depressivo e um sentimento de perda, com a mãe completamente siderada por ele, a viver apenas em função das recordações e das tentativas desesperadas para reaver o filho.
Evidentemente, este não é o melhor clima para se viver quando se tem 14 anos, a idade de Sattouf no início deste volume. Mais a mais, quando sempre se sentiu deslocado na Síria e em França, olhado de soslaio em ambos os países como estrangeiro, o que o levou a criar uma série de anti-corpos interiores, com o seu lado líbio a condenar as liberdades ocidentais e o seu lado francês a não perceber as limitações da vida dos muçulmanos, com Sattouf a representar muito bem graficamente esta duplicidade. Com as pulsões próprias da adolescência, a situação vai agravar-se com os primeiros amores e paixões platónicos, as descobertas revolucionárias na música e na banda desenhada e o surgimento de bandos de skinheads, com o consequente agravar do racismo, numa combinação explosiva na mente e no corpo de um adolescente tímido e introvertido.
O resultado, é um relato servido por um humor ingénuo e desarmante, a um tempo terno e sincero que o tornam cativante, mesmo que resultante do olhar retrospectivo sobre a sua vida adolescente, já condicionado pelas vivências que enquanto adulto experienciou.
Ao mesmo tempo, “O Árabe do Futuro” proporciona também uma visão desencantada, mesmo que parcial e subjectiva, sobre os problemas inerentes a uma sociedade francesa multi-cultural onde convivem – ou pelo menos co-existem – os nascidos no continente, os naturais das ex-colónias ou as segundas e terceiras gerações oriundas delas, numa mescla que nem sempre se revela saudável de religiões, crenças, hábitos, costumes e culturas.

O árabe do Futuro #5
Riad Sattouf
Teorema
176 p., 22,90 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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Grande Prémio de Angoulême para Riad Sattouf

Francês é autor de “O Árabe do Futuro” e de “O Diário de Esther”

O autor francês Riad Sattouf, foi distinguido com o Grande Prémio de Angoulême 2023, pelo conjunto da sua obra. O anúncio oficial foi feito hoje naquela cidade francesa, onde amanhã abre as portas ao público a 50.ª edição do mais importante evento europeu dedicado à banda desenhada.
Sattouf, que curiosamente assina um dos cartazes oficiais da edição deste ano, estava nomeado juntamente com a norte-americana Alison Bechdel e a francesa Catherine Meurisse e a escolha foi feita através de uma votação online, feita pelos autores de BD com obra publicada em França, indicados pelas respectivas editoras. O mesmo método, em votação aberta, tinha já sido utilizado para determinar os três finalistas.
Natural de Paris, onde nasceu a 5 de maio de 1978, Sattouf é filho de mãe francesa e pai líbio, e dividiu a sua infância entre a Síria, a Líbia e França. Essa experiência com muito de traumático, foi contada por ele em “O Árabe do Futuro”, uma autobiografia em seis volumes que abarca o período entre 1978 e 2011, que o autor terminou no ano passado.
Os quatro primeiros tomos estão publicados em português pela Teorema, que revelou ao Jornal de Notícias que irá publicar o quinto, “Ser jovem no Médio Oriente (1992-1994)”, no segundo semestre deste ano.
Nesta obra, em especial nos primeiros anos, Sattouf narra com ternura, humor mas também desilusão, a incapacidade de se sentir integrado em qualquer das comunidades dos países em que viveu e a progressiva deterioração da relação dos pais, divididos pela olhar europeu da mãe e o crescente radicalismo muçulmano do pai. Para além do lado pessoal, a obra traça também um retrato social e político muito lúcido de realidades culturais e religiosas diferentes.
Radicado em França desde os 12 anos, Sattouf tirou o bacharelato em Rennes e estudou depois Artes Aplicadas e Animação. A entrada na BD – assente no seu íntimo desde que descobriu as aventuras de Tintin aos 5 anos – aconteceu em 2000 com a sua primeira série, “Petit Verglas”. Numa bibliografia rica e diversificada, sempre com um lado autobiográfico, distingue-se igualmente “Les Pauvres Aventures de Jérémie” (a partir de 2003), cujo volume inaugural foi distinguido como prémio René Goscinny pelo seu argumento.
Publicou BD no “Libération” e no “Charlie Hebdo” e voltaria a dar nas vistas com “Pascal Brutal” (a partir de 2007), banda desenhada protagonizada por um machista ambivalente.
Uma paragem para se dedicar ao cinema, outra das suas paixões, originou “Les Beaux Gosses”, uma longa-metragem sobre amores adolescentes, bem recebida pela crítica e pelo público, que ele próprio escreveu e realizou. Nomeado para três César, os óscares franceses, venceu o de Primeiro Filme.
Em 2014, a sua segunda experiência cinematográfica de fôlego, “Jacky au royaume des filles”, uma sátira sobre uma sociedade dominada pelas mulheres, em que os homens tinham apenas um papel reprodutor, não repetiu mas o sucesso do filme de estreia.
De regresso à BD, criou então “O Árabe do Futuro” e, em 2015, em paralelo, iniciou a publicação na revista “L’Obs” de “O Diário de Esther”, um conjunto de narrativas de 2 páginas auto-conclusivas que, no seu conjunto, traçam um retrato alargado da vida de Esther, uma pré-adolescente de 9, 10 anos, da sua família e dos seus colegas de escola, mas também, um retrato distorcido do nosso tempo, visto pela forma como o cérebro infantil absorve e projecta o que ouve dos adultos, da televisão e das redes sociais. Esta obra teve edição portuguesa da Gradiva, em dois volumes, e originou uma série de animação, “La Redoutable”, que Sattouf co-produziu com Michel Hazanavicius.
Dono de um traço linha clara, simpático e expressivo, colocado ao serviço das histórias que deseja contar, em que retrata com um olhar crítico, de forma interventiva, o tempo em que vive, as disfunções sociais e políticas que observa e a forma como (não) estamos a preparar o nosso próprio futuro, Sattouf sucede em Angoulême à canadiana Julie Doucet.
O autor já tinha integrado a selecção oficial do festival por duas vezes, em 2016 e 2017, respectivamente com os tomos 2 e 3 de “O Árabe do Futuro”, e tinha sido distinguido outras tantas com o Prémio para Melhor Álbum por “Pascal Brutal, t. 3: Plus fort que les plus forts” (2010) e “O Árabe do Futuro – volume 1” (2015).


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Grande Prémio de Angoulême já tem finalistas

Alison Bechdel, Catherine Meurisse e Riad Sattouf são os nomeados

A organização do Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême, França, revelou hoje os três candidatos ao seu Grande Prémio, que distingue um autor pelo conjunto da sua obra. Alison Bechdel, Catherine Meurisse e Riad Sattouf foram os escolhidos.
Bechdel, norte-americana de 62 anos, é uma das figuras do feminismo na BD daquele país. Entre as suas obras mais marcantes contam-se “Fun Home” (que teve edição portuguesa da Contraponto, em 2012), considerado o livro do ano pela revista “Times”, em 2006, e que aborda a relação complicada da autora com o pai. “Are you my mother”, é outro dos seus títulos de relevo. Curiosamente, antes desta nomeação, a Relógio de Água já tinha anunciado a edição no nosso país da sua obra mais recente, “O Segredo da Força Sobre-Humana”, para Março deste ano.
Quanto a Christine Meurisse, repete a presença no trio finalista, já registada no ano passado. Colaboradora do “Charlie Hebdo”, é uma das sobreviventes do ataque terrorista de 2015 contra a redacção daquele jornal satírico francês, graças a uma noite mal dormida, como narrou em “La Légèretée”, uma obra íntima e catártica. “Humaine, trop humaine”, uma colectânea de histórias curtas com diálogos, citações e encenações burlescas que sondam e abalam as regras e os códigos do pensamento filosófico universal.
Quanto a Riad Sattouf, de 44 anos e um dos autores mais interessantes da sua geração, é também francês como Meurisse e igualmente colaborador do “Charlie Hebbdo”. Dos três, é o mais divulgado em Portugal graças a “O Diário de Esther” (2 volumes, editados pela Gradiva, em 2019), sobre o quotidiano de uma menina de 10 anos, e a “O Árabe do Futuro” (quatro volumes pela Teorema, desde 2015), uma obra auto-biográfica sobre a sua infância, dividida entre a mãe francesa e o pai muçulmano e, consequentemente, entre a França e Líbia e a Síria. Ao Jornal de Notícias, a editora confirmou a edição em Portugal do quinto (e penúltimo) volume da série, “Ser jovem no Médio Oriente (1992-1994)”, no segundo semestre deste ano.
Estes três nomes foram encontrados através de uma votação online aberta, em que puderam participar todos os autores com obra publicada em França. O mesmo sistema, com com a escolha limitada a estes três autores, determinará o vencedor do Grand Prix D’Angoulême 2023, que sucederá à canadiana Julie Doucet e integrará uma lista em que já estão nomes como Franquin, Eisner, Moebius, Mezières, Tardi, Bilal, Pratt, Morris, Boucq, Crumb, Schuiten, Spiegelman, Bill Watterson, Katsuhiro Otomo ou Hermann. O vencedor será divulgado dia 25 de Janeiro.
A edição deste ano do Festival de Bande Desssinée de Angoulême, terá lugar entre 26 a 29 do corrente mês, fazendo parte do programa exposições de Julie Doucet, Philippe Druillet, Ryōichi Ikegami ou Junji Itō.


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F. Cleto e Pina

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