Preferir não fazer nada

O direito à individualidade em oposição à ditadura da(s) maioria(s)
José-Luís Munuera adapta conto clássico de Herman Melville

Todos fazemos opções no dia-a-dia, mesmo que a opção seja não optar. Obriga-nos a isso a nossa vida, a nossa sobrevivência, a nossa família, as nossas obrigações profissionais… em suma, a nossa responsabilidade social.
Bartleby, um simples escriturário de Wall Street, é o protagonista de um conto com a assinatura de Herman Melville, publicado pela primeira vez em 1853. Contratado para copiar documentos, distingue-se pela forma metódica e diligente como trabalha. Demais, dirão alguns pois, consagrado à sua responsabilidade, passando os dias – e depois as noites – sentado à sua secretária, em frente a uma janela que dá para a parede de tijolos do edifício contíguo, quando lhe é proposto realizar outras actividades, sejam elas tarefas profissionais básicas como ir aos correios ou comparar cópias em conjunto ou até convites para ir beber um copo com o patrão, reusa liminarmente. Ou melhor, nega-se dizendo: “Preferiria não o fazer”. E responde de forma tão liminar quanto educada, desarmando qualquer reacção do seu patrão, dividido entre a vontade de o despedir e a inação devido à incompreensão pelo sucedido.
A versão em banda desenhada, que assume o título original, “Bartleby, o escriturário – Uma história de Wall Street”, chega por estes dias às livrarias nacionais numa edição da Arte de Autor e tem a assinatura do espanhol José-Luís Munuera, que alguns, muito bem, associarão a uma fase não muito antiga de “Spirou”. Trata-se da sua segunda investida na adaptação de um clássico da literatura, depois da sua visão provocadora de “Um conto de Natal”, de Dickens, em que entrega, de forma bastante conseguida, o protagonismo a uma mulher.
Em “Bartleby”, Munuera utiliza o mesmo traço semi-caricatural, que acentua o ridículo e o inesperado da situação, recorrendo a uma traço mais realista, esbatido, para recriar os fundos e os cenários em que a acção decorre, realçando, assim, duplamente, os protagonistas e os respectivos diálogos.
História mordaz sobre o direito à individualidade em oposição à ditadura da(s) maioria(s), mesmo que esta seja a sociedade em que vivemos e para com a qual temos obrigações e responsabilidades, “Bartleby” apenas não se transforma num total absurdo devido ao seu final trágico que leva o leitor a questionar quem realmente sai vencedor no final…

Bartleby, o escriturário
José-Luís Munuera
Arte de Autor
72 p., 18,50 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

Futura Imagem