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A obra de Augusto Cid: bílis em estado puro

Se mais méritos não tivesse – e tem, desde logo pela (mediática) chamada de atenção para expressões artísticas (cartoon, caricatura, ilustração) raras vezes suficientemente valorizadas para além da efémera existência nas páginas de jornais e revistas – o Prémio Stuart instituído pelo El Corte Inglés deu também origem a uma colecção de obras monográficas sobre os seus vencedores.
Por essa notável galeria do humor gráfico nacional já passaram clássicos – Stuart Carvalhais, Bordallo Pinheiro – ou contemporâneos cuja obra podemos admirar diariamente – João Fazenda, André Carrilho. Ou, ainda, clássicos contemporâneos, se assim se podem definir, como João Abel Manta ou, agora, Augusto Cid, vencedor em 2009 e tema do mais recente tomo.
Como os restantes, é da autoria de João Paulo Cotrim, cuja escrita nem sempre é fácil – e poucas vezes linear, com uma prosa de grande carga poética, que geralmente, sugere mais do que expõe – mas que, nesta colecção, tem reduzido os seus textos ao mínimo, avançando apenas pistas de interpretação e análise, destacando características ou técnicas ou inserindo o cartoon ou a ilustração no contexto – mediático, político, artístico – em que foi criado/publicado, dando assim o máximo destaque ao trabalho gráfico do homenageado, que se encontra em profusão nas cerca de duas centenas de páginas do livro.
Por isso, se Cotrim é o autor, o protagonismo pertence a Augusto Cid, de quem são mostrados cartoons, tiras e bandas desenhadas de diversas épocas e temáticas: ultramar, processos, Eanes, Soares, touradas, animais, mendigos, sexo, motas, auto-retratos… Para que o seu traço personalizado, seguro e sintético e o seu olhar mordaz, cruel, independente e provocador, cumpram o seu papel: divertir, revelar, acusar, apontar o nu. Porque Cid “mexe com o objecto, incomoda com a perspectiva e a caneta”; “o seu humor ultrapassou qualquer noção de bom ou mau: é bílis em estado puro” e “como bom cartoonista, ignora a culpa e aspira à mais absoluta liberdade”.
Como pode ser (re)descoberto nesta colectânea que, mais do que ser o culminar ou a súmula de uma carreira marcante, deve servir apenas como ponto de partida para novas viagens e explorações.

Cid
João Paulo Cotrim
Assírio & Alvim e El Corte Inglés

Divulgador e argumentista

Primeiro director da Bedeteca de Lisboa, João Paulo Cotrim – que, enquanto argumentista, tem tido experiências episódicas nalgumas destas artes – é um dos grandes responsáveis pela divulgação e credibilização da banda desenhada, do cartoon, do desenho de imprensa e da ilustração nacionais nas últimas duas décadas.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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A BD e a República — Quadradinhos nacionais retratam a revolução de 1910

Se os autores portugueses de BD foram muitas vezes empurrados para o nicho dos relatos históricos – quer por força das limitações que a censura impôs, quer por ser uma área onde a concorrência estrangeira não se fazia sentir – raras são as abordagens feitas na época contemporânea. Por isso, períodos com grande potencial para relatos ficcionais de base histórica, como o 25 de Abril ou a resistência ao fascismo, são quase inexistentes nos quadradinhos. O mesmo se passa também com o período conturbado que levou à proclamação da República, em 1910. E para a qual a BD e, principalmente a caricatura e o cartoon, também contribuíram, através das críticas desenhadas por Celso Hermínio, Leal da Câmara ou Francisco Valença.
Alguns álbuns, no entanto, narram os acontecimentos que antecederam o 5 de Outubro de há um século atrás, numa perspectiva histórica, como é o caso da “História de Portugal em B.D. – 4. A revolução da Liberdade” (Edições ASA, 1989), de Carmo Reis e José Garcês, que lhe dedica algumas pranchas num estilo realista e rigoroso.
O mesmo fazem Oliveira Marques e Filipe Abranches na sua “História de Lisboa (II) 1580-1974” (Assírio & Alvim e C.M. Lisboa, 2000), num estilo mais moderno e arrojado, em que a legibilidade das imagens predomina sobre o texto, reduzido ao mínimo para enquadrar os acontecimentos, mais mostrados na sua crueza do que relatados.
Mas, sem dúvida, a obra mais significativa é “Mataram o Rei!… Viva a República” (reedição da Âncora Editora em 2008), que abarca o período de 1880 a 1910. Assinado pelo veterano José Ruy, com mais de 60 anos dedicados à BD, assenta na habitual pesquisa documental, rigorosa e exigente, traduzida depois na representação de edifícios, veículos e indumentárias e numa pormenorizada descrição dos factos. IO que acaba por secundarizar um pouco a base do enredo, que parte de três jovens – João, republicano, Madalena, a sua irmã, e Manuel, monárquico, – para a descrição dos eventos, onde participarão de forma activa, o primeiro por convicção e o último por despeito, motivado pela relação ilícita de Madalena, sua namorada, com o rei D. Carlos.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Retalhos de Manta

Convite à descoberta da obra gráfica de João Abel Manta

Em “João Abel Manta – Caprichos e Desastres”, com o pretexto (desnecessário) dos 80 anos do artista, João Paulo Cotrim leva-nos num longo e detalhado passeio pela obra gráfica de Manta, um dos mais interessantes e estimulantes artistas plásticos que o século XX deu a Portugal, “uma obra múltipla que respira, que não se consegue prender no fio de uma metáfora apenas”.
Nas mais de duas centenas de páginas deste álbum, Cotrim apresenta alguns (dos muitos) momentos significativos da sua arte, propondo-os ao leitor da forma como os vê, à luz do tempo em que foram executados – mas também à luz do tempo em que são (re)interpretados – enquanto nos desafia a (re)vê-los à nossa maneira, à luz da nossa formação/da nossa intuição, nas suas múltiplas leituras.
Contido nas palavras, dando espaço às imagens, Cotrim ajuda-nos a descobrir uma imensa manta de retalhos. Retalhos (de Manta) multiformes nas técnicas utilizadas (desenho livre ou trabalhado, colagens, fotocomposições e técnicas mistas várias) ou nas temáticas abordadas (dos trabalhos mais conhecidos à ilustrações de obras literárias, das célebres capas do “JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias” aos retratos de personalidades da vida cultural portuguesa, passando até por obras que a censura forçou à gaveta), com os quais o artista construiu um retrato lúcido e mordaz, marcante, por vezes incomodativo, deste país que é Portugal, afinal mote (quase) único de toda a sua criação, nas suas grandezas e misérias. Ou, talvez, na grandeza das suas misérias.

O cartoonista da Revolução

João Abel Manta – Caprichos e Desastres
João Paulo Cotrim
Assírio & Alvim, El Corte Inglés e C.M.L. – Museu Bordallo Pinheiro

Com uma diversificada obra como arquitecto, pintor, caricaturista, designer e cenógrafo, João Abel Manta, nascido a 29 de Janeiro de 1928, assinou as primeiras obras nos anos 40 do século passado e diplomou-se em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1951.
E foi/é também cartoonista, especialmente após o 25 de Abril – sendo por muitos considerado “o cartoonista da revolução” por excelência – sendo de sua autoria as marcantes “Caricaturas Portuguesas dos anos de Salazar” ou um dos mais conhecidos cartazes do MFA.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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