Criados por Bud Fisher, institucionalizaram o conceito de tira diária de imprensa e foram as primeiras a ser adaptadas para desenho animado
Foi a 10 de Novembro de 1907 que Augustus Mutt, apareceu pela primeira vez, numa ilustração nas páginas de hipismo do “San Francisco Chronicle”. Era uma criação de Bud (Harry Conway) Fisher, desenhador desportivo, que, cinco dias mais tarde, publicaria a sua primeira tira -“Mr. A. Mutt – Starts in to Play the Races” – ainda nas páginas desportivas do mesmo jornal. Três semanas mais tarde, o desenhador mudava-se para o rival “San Francisc Examiner”, pertencente ao magnata Rudoplh Hearst, levando consigo a sua criação, o que não impediu o “Chronicle” de a manter, animada por Russ Westover, durante cerca de um ano.
No “Examiner”, Mutt continuaria sozinho – salvo aparições esporádicas da mulher e do filho, Cícero – inventando os mais inusitados esquemas para arranjar dinheiro para as suas apostas nas corridas de cavalos, até 27 de Março de 1908, quando encontrou Jeff, que se tornou presença recorrente e, mais tarde, seu companheiro inseparável em mil e um estratagemas, o que deu um novo rumo à série, que com ele ganhou uma dimensão humana, e se tornou a primeira tira diária cómica de sucesso.
Não porque Bud Fisher tenha sido o primeiro a publicar uma tira diária com regularidade – esse mérito coube a Charles Briggs, dois anos antes, com “A. Piker Clerk”, no “Chicago American” -, mas “Mutt and Jeff” – título adoptado apenas em 1915 – manteve-se no tempo, com utilização de uma galeria de personagens fixa, institucionalizando o sistema de publicação semanal de segunda a sábado (ou domingo), a preto e branco, das famosas “daily strips”, as “tiras diárias”, em oposição às pranchas dominicais coloridas que então imperavam. E mais, segundo o especialista norte-americano Robert C. Harvey, em “Mutt and Jeff” foram “utilizados elementos – tais como a narração continuada de um dia para outro e a sátira política – só muito mais tarde associados às tiras de imprensa”.
Este sucesso aconteceu, pode-se dizer, apesar do traço de Fisher, que não era especialmente trabalhado ou atraente, podendo as personagens surgirem desproporcionadas, com seis ou sete dedos por mão (!) porque, como afirmou, “eu tinha uma ideia e a única coisa que queria era expressá-la. Pouco me interessava se o braço do homem era mais longo que o seu corpo ou se usava um chapéu de palha em pleno Inverno”, numa atitude percursora do desenho estilizado ou pouco cuidado que muitos autores utilizaram posteriormente neste género de banda desenhada.
“Mutt and Jeff” seria também a primeira tira de imprensa a ser recolhida em livro, logo em 1911, originando os “comic books” (livros ou revistas de BD), e a ser adaptada em (muitas dezenas de) desenhos animados (mudos), em 1921.
O facto de Fisher – numa atitude até então sem precedentes – a ter registado em seu nome logo na origem, fez dele rapidamente um milionário pois, dizia-se, ganhava 150.000 dólares anuais, em 1916, que subiram para 250.000, cinco anos mais tarde, com os proventos dos desenhos animados e dos produtos derivados. Isto fez com que o autor, nascido em Chicago a 3 de Abril de 1885 e sem formação artística, trocasse progressivamente o estirador pelos prazeres mundanos, confiando “Mutt and Jeff” a um dos seus assistentes, Ed Mack, criando o mito de que os cartoonistas são ricos que vivem à sombra da glória enquanto assistentes semi-escravizados fazem o seu trabalho.
Fisher morreria sozinho e esquecido, a 7 de Setembro de 1954, já depois de ter confiado a tira a Al Smith, em 1932, que, amenizou as temáticas, reduziu os textos e dotou-a de um traço arredondado, mais simpático e atractivo. Smith autonomizou a gata do filho de Mutt, em “Cicero’s cat”, uma série humorística muda, e continuou a série original até 1980, dois anos antes do seu término, apesar de só a ter assinado a partir de 1954.
O trabalho de Smith foi publicado em Portugal, (pelo menos) na segunda metade dos anos 50, no “Mundo de Aventuras”, “Condor” e “Colecção Audácia”, tendo “Mutt and Jeff” sido rebaptizado como “Os dois inseparáveis”, “Belarmino e Elias” ou ainda “Benedito e Eneias”.
[Caixa]
Os heróis
Primeira parelha célebre da BD, Mutt e Jeff, exímios representantes do povo, podem ser considerados antecessores e fonte de inspiração de muitos duos opostos – o alto e o baixo, o gordo e o magro, etc. – que a 9ª arte (e não só) conheceu. Nos Estados Unidos, o termo “mutt and jeff” designa mesmo esse tipo de contrastes.
Mutt (diminutivo de “mutton head” = idiota), o pouco recomendável protagonista original da série, é alto e magro, frequenta com assiduidade os hipódromos, é um apostador inveterado e um autêntico fala-barato.
Jeff, em oposição, é baixo e gordo e foi inicialmente apresentado como um fugitivo do hospício em que estava internado, facto sobejamente justificado pelos seus estranhos comportamentos e reacções, entre a perfeita inocência e a mais gritante ignorância.
Ambos assumem facilmente qualquer actividade, de polícia a empregado de mesa, de apostador a (várias vezes) candidato à presidência, de acordo com as necessidades das histórias a contar.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias