Há quatro décadas, eram publicadas as primeiras pranchas de Comanche, um dos mais notáveis westerns da banda desenhada. Dez anos antes, tinha nascido o Coronel Clifton, o fleumático investigador inglês.
A 16 de Dezembro de 1969, os leitores do “Tintin” belga, descobriam uma nova série intitulada “Comanche”. Se as primeiras pranchas, ambientadas num vasto espaço selvagem e com um empolgante duelo logo na página 3, davam o mote para mais um western aos quadradinhos, ela viria a revelar-se uma das mais referenciadas (e reverenciadas) abordagens realistas a um género que a BD explorou até à exaustão, então (ainda) na moda.
O seu argumentista era Greg, rigoroso na construção das histórias, hábil na escrita dos diálogos, que situou a acção no período de transição entre a prevalência da lei das armas e dos mais fortes e a chegada da civilização às regiões mais inóspitas do velho Oeste. E escolheu um lote de protagonistas de todo improvável – Comanche, uma jovem, dona do rancho “666”, o velho Ten Gallons, o negro Toby, o miúdo Clem, o índio “Mancha de Lua” – todos excluídos socialmente, que lhe permitiram abordar em segundo plano questões como o lugar da mulher, o racismo ou o massacre dos peles-vermelhas. E, claro, Red Dust, a estrela da companhia, elo de união entre todos, capaz de potenciar o melhor de cada um, irlandês, ruivo, ex-pistoleiro, decidido e humano. E talvez este seja, também, o adjectivo que melhor define a série: humana porque “Comanche” é antes de tudo um tratado sobre seres humanos, sobre a sua adaptação às circunstâncias e a um novo mundo, sobre superação e sobre amizade.
O desenho foi entregue a Hermann que progressivamente se revelou como um dos grandes mestres realistas europeus, com uma planificação multifacetada e dinâmica, tal como o traço, nervoso, com o evoluir da série mais atraente e depurado, ágil e servido por belas cores, tão capaz de retratar os grandes espaços como o ser humano, de mostrar o quotidiano como os (muitos) momentos de tensão e violência.
Em Portugal, a série foi publicada integralmente na revista “Tintin” e oito dos seus dez tomos foram editados em álbum pela Bertrand e/ou Distri.
Anos mais tarde, em 1989, Greg (ninguém é perfeito…) voltou a Comanche para mais cinco aventuras (a última terminada por Rudolphe, devido à sua morte, em 1990). Mas a verve narrativa já não era a mesma, o tempo do western tinha (também) passado e o traço de Rouge ficava muito distante da arte de Hermann.
Na mesma revista “Tintin” belga, no mesmo dia, mas 10 anos antes, nascia Harold Wilberforce Clinton, coronel aposentado e, por vezes, chefe de escuteiros, para resolver enigmas policiais e de espionagem, secundado pelos seus gatos e por Mrs. Patridge, a sua governanta. Inglês de nascença, fleumático por natureza, inimigo do uso da violência a não ser em último caso, foi criado pelo mestre Raymond Macherot, também autor de Chlorophylle e Minimum, que no espaço de três álbuns lançou as bases da série, concebida com muito humor e uma elegante linha clara, dinâmica e legível. Publicado em Portugal no Tintin e pontualmente em álbum pela Ibís e a ASA, Clifton seria depois continuado (descaracterizado e banalizado), numa vintena de álbuns, entre outros, por Greg, Jo-El Azara, Turk, De Groot e, na actualidade, Rodrigue.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias