Solidão e frustração como caminho para resolver situação financeira, “Patos” foi distinguido com dois Eisner, um dos mais prestigiados prémios para a BD do mercado norte-americano
A mudança de paradigma em relação à banda desenhada, em Portugal, nos últimos anos, é evidente e só isso explica, por um lado, a multiplicação de edições que fogem à oferta mais óbvia e, por outro, a aposta neste género por parte de editoras que ainda há poucos anos não a incluíam nos seus catálogos.
“Patos”. de Kate Beaton, é um dos exemplos recentes disto. Distinguida com dois Eisner, um dos prémios para a BD mais prestigiados nos EUA, é uma obra autobiográfica que, ao longo de mais de 400 pranchas conta a experiência vivida pela autora nas areias petrolíferas canadianas.
Passo a contextualizar: terminados os estudos numa área artística, Kate Beaton teve de encontrar um emprego bem pago para fazer face aos pesados encargos do seu empréstimo de estudante. Na época, em 2005, para uma jovem da pequena localidade de Cabo Bretão, a zona das areias petrolíferas de Alberta soava como o Eldorado, pois os empregos, nos armazéns de ferramentas, a conduzir maquinaria pesada ou na exploração das minas, eram pagos bem acima da média.
No reverso da medalha, implicava viver num local que, pelo seu isolamento natural, funcionava quase como uma prisão, para mais num mundo maioritariamente de homens – em média cinquenta para cada mulher – com todo o tipo de consequências imagináveis, do assédio ligeiro e bem intencionado, se é que tal existe, até à violação.
Entre a necessidade de resolver o seu problema financeiro, com o inevitável excesso de horas de trabalho, a solidão implícita num local de onde raramente se sai, as muitas frustrações experimentadas, os equívocos, a vontade cíclica de deixar tudo, a falta de distracções e o sentimento de culpa por algumas das decisões tomadas, Kate Beaton narra de forma contida, sem intenção panfletário, de modo quase sistemático, com um certo desprendimento que funciona como defesa e até a compreensão de quem consegue avaliar os vários pontos da questão, os dois anos que passou em diversas explorações de petróleo.
O traço utilizado para o fazer é algo simplista e caricatural, o que ajuda a atenuar a carga dramática da obra, mas eficaz em termos narrativos e foi mesmo através da banda desenhada que a autora encontrou o equilíbrio necessário e a forma de combater e ultrapassar os efeitos nefastos que aquele tipo de vida provoca.
Patos
Kate Beaton
Relógio D’Água
440 p., 26,00€
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias