Festival de BD de Angoulême na encruzilhada

Maior manifestação europeia de banda desenhada começa hoje, ensombrada por questões logísticas e problemas de financiamento; Lewis Trondheim e Hergé atraem as atenções

Começa hoje a 34ª edição do Festival International de Bande Dessinée d’Angoulême, França, ensombrada por diversas questões que podem mesmo pôr em causa a continuidade da mais importante manifestação europeia dedicada aos quadradinhos, pelo menos nos moldes até agora utilizados.

À cabeça destas, surgem os problemas de financiamento que o festival experimentou este ano, acompanhadas de perto pela necessidade de montar as tradicionais feiras de BD num local situado a dois quilómetros do centro de Angoulême, onde estão as principais exposições, o que desagradou aos livreiros e põe em causa a imagem de marca do festival: uma cidade inteiramente consagrada à banda desenhada. Esta opção permitiu, no entanto, congregar num único espaço, com cerca de 10.000 m2, que se apresenta como a “maior loja de BD do mundo”, editores, fanzines e produtos derivados.

Esta edição nasceu desde logo envolta em polémica, ou não fosse Lewis Trondheim, contemplado com o Grande Prémio da Cidade em 2006, o Presidente. Polémico por natureza, disparou para todos os lados (direcção do festival, patrocinadores, imprensa), e a verdade é que deixa a sua marca. Quer no cartaz sóbrio e mais gráfico do que era habitual, quer na alteração do palmarés do festival (ver caixa), quer no facto de ter abdicado da tradicional exposição retrospectiva, substituindo-a por “Les 7 merveilles de la bande dessinée”, uma exposição-gag minimalista em que Trondheim e os seus amigos rendem homenagem à BD em todas as suas formas, em sete vinhetas gigantes irónicas, entre as quais “Pranchas originais dos Schtroumpfs”, “A prancha mais cara do mundo” e “Descobrir o mundo com Corto Maltese”. Por iniciativa de Trondheim, também, serão realizadas em Angoulême “As 24 horas de BD”, nas quais 24 autores criarão em 24 horas uma história de 24 páginas, que será difundida na Internet.

Outro dos grandes atractivos do festival é a primeira parte da “Exposition Universelle de la bande dessinée”, que tem por base uma exploração prospectiva da BD que se faz hoje em todo o mundo, buscando pontos de contacto e vias inovadoras, e que será desenvolvida ao longo de várias edições do evento.

Em ano de centenário de Hergé, que tem uma rua em Angoulême com o seu nome, tal como acontecerá este ano com Goscinny, o festival propõe uma grande evocação do desenhador e da sua herança artística através de encontros de críticos e autores e de uma exposição inédita – “Hergé: da viagem imaginária à viagem interior” – que explora os mecanismos da criação do pai de Tintin.

“O mundo de Kid Paddle”, uma exposição espectáculo vocacionada para os mais novos, uma mostra dedicada ao psicadelismo de Jim Woodring, um documentário sobre a influência da actualidade na série “Valérian”, o cada vez mais procurado “Espaço Manga” e os Encontros Internacionais, para os quais estão garantidos nomes como Gilbert Hernandez, Didier Comès ou Sergio Toppi, são outros dos pontos de interesse do festival que se desenrola até ao próximo domingo.

[Caixa]

Palmarés renovado

Entre as muitas críticas de Lewis Trondheim ao festival, avultava a questão do palmarés, que, entre outros atribuía prémios para melhor argumento e melhor desenho, como se numa banda desenhada fosse possível fazer esta separação. A sua tese venceu – e este poderia ser um bom exemplo a seguir pelo Festival da Amadora – e assim, este ano, o palmarés do festival será assim estabelecido: Melhor Álbum, seis Álbuns Essenciais, um dos quais também “Revelação”, e o Prémio do Património, a atribuir à reedição de uma obra clássica da 9ª arte.

As 50 obras pré-seleccionada para estes prémios estarão disponíveis ao público, no “Espaço Leitura”, criado este ano no Festival. 


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias