De Profundis, um belo poema animado

“De Profundis” é a história de uma relação intensa e apaixonada de um pintor pelo mar, contada na forma de filme animado por Miguelanxo Prado, que o Bosque Secreto estreia em Portugal na próxima quinta-feira.

Conhecido (e aclamado) como autor de BD, o autor galego, aquando da sua passagem pelo Fantasporto, em 2007, definiu-o ao JN como “uma pesquisa artística para relacionar a pintura, a música e as novas tecnologias da imagem, um projecto extremamente pessoal” no qual se empenhou “durante quatro anos: os dois primeiros na pré-produção, e os dois seguintes de dedicação total e exclusiva”, porque fez “todos os desenhos – em pintura a óleo – necessários para a animação”.
Mas desengane-se quem pensa ir assistir a uma película animada por computador, em 3D, com ritmo frenético e (algum) humor; Prado optou pela animação tradicional e um ritmo contemplativo, “para quem é capaz de estar 15 minutos a ver um pôr-do-sol no mar”. O que não impede que neste filme, talvez como nunca, o desenho virtuoso de Prado brilhe, reluza, cative e atraia, realçado pela forma pausada como a acção decorre, qual mergulho extasiado no mar que o protagoniza, ao som da música original (indissociável da animação) de Nani Garcia “um amigo, músico de Jazz, com larga experiência de escrita de música para cinema e televisão”, cujas composições, interpretadas pela Orquestra Sinfónica da Galiza, marcam o ritmo, acentuam a narrativa, exprimem emoções e sensações e são o único som dos 75 minutos deste filme sem diálogos, produzido pela Continental Producciones, em co-produção com a Desembarco Produccións e a Zeppelin Filmes, e que pode ser visto a partir de quinta-feira nos cinemas UCI El Corte Inglês e Cinema City Classic Alvalade.
A história, lê-se na versão em banda desenhada, editada pela ASA, começa numa “casa no meio do mar, que tinha uma torre voltada a Poente, uma escadaria que se estendia pela água adentro e, a Levante, uma árvore que floria entre Março e Abril”. Nesta minúscula e estranha ilhota, um lugar de todo improvável, que desde logo marca o tom do filme, fantástico e maravilhoso, mais próximo do sonho do que da (nossa) realidade cinzenta, “viviam, apaixonados, uma mulher que tocava violoncelo e um pintor fascinado pelo mar e pelas suas criaturas…”. Pintor que, após um naufrágio, enceta uma viagem maravilhosa pelo mar profundo, onde (re)descobre tudo o que projectou nas suas telas.
Prado acredita que os portugueses “que vivem com o mesmo Atlântico que me inspirou” e que têm “uma cultura marítima e uma relação próxima com o mar, terão uma sensibilidade especial para entender a história, o seu lado onírico, a mitologia de sereias e monstros marinhos, os sonhos e terrores que o mar inspira”.
E, se a gestação de “De Profundis” coincidiu com a catástrofe do petroleiro “Prestige”, Prado nega “a ideia de denúncia”; o filme tem “uma clara vocação de redenção, uma espécie de ritual propiciatório, um pedido de perdão. Pretende recuperar o oceano na sua concepção mais limpa, mais brilhante, mais tradicional. É um conto, com muita poesia”.

[Caixa]

Saramago em animação

Antecedendo “De Profundis”, é projectada “A Maior Flor do Mundo”, uma curta-metragem (10 minutos) dirigida por Juan Pablo Etcheverry, baseada no conto homónimo de José Saramago, que, para além de (breve) narrador, surge como co-protagonista desta película, feita da animação mista de plasticina e desenhos, que tem coleccionado distinções.
Nela, Etcheverry aceita a proposta do Nobel de “reinventar a sua história” e consegue ultrapassar o obstáculo que Saramago a si próprio aponta – narrar a sua história às crianças com palavras simples – ao substituí-las por (belas) imagens animadas envoltas na música agradável de Emílio Aragón, que narram a aventura de um menino que percorre uma enorme distância para levar água a uma flor. Um conto simples e poético, aberto a muitas interpretações – tantas quantos aqueles que o lerem/ouvirem/verem – da mensagem de respeito pelo ambiente à concretização dos sonhos, passando pelo prazer das descobertas, a procura do nosso lugar neste mundo ou o valor das pequenas acções.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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