Histórias de Portugal em Banda Desenhada

O relato da(s) História(s) de Portugal e dos portugueses, uma das poucas temáticas permitidas à BD portuguesa pela censura durante os anos da ditadura, continua a ser um nicho explorado por alguns autores face a um mercado com diversas limitações.

O nascimento da banda desenhada realista, com a publicação nos EUA de “Tarzan” e “Buck Rogers”, em Janeiro de 1929, teve reflexos nos autores portugueses que a experimentaram, seguindo alguns dos modelos ingleses e norte-americanos vistos em revistas como “O Papagaio”, “O Mosquito” ou “O Diabrete”. No entanto, progressivamente, as limitações que a censura impunha, obrigaram-nos a optar quase sempre pelas temáticas que exaltavam o amor à Pátria e os feitos dos heróis portugueses. Por esse motivo, muitos heróis seriam “nacionalizados”: entre outros, Michel Vaillant foi rebaptizado Miguel Gusmão, Rip Kirby virou Rúben Quirino e Flash Gordon passou a Capitão Relâmpago. Por isso, nos anos 40 e 50, os criadores lusos adaptaram clássicos da literatura, narraram episódios históricos ou fizeram deles (re)leituras ficcionadas (mas fiéis), em títulos como “O Caminho do Oriente” (a viagem de Vasco da Gama à Índia, vista pelos olhos de um miúdo, de E. T. Coelho e Raul Correia), “O Falcão” (a resistência à invasão napoleónica, de José Garcês), “Serpa Pinto” (de Fernando Bento) ou “A peregrinação de Fernão Mendes Pinto” de (José Ruy).
Curiosamente, terminada a ditadura, alguns autores nacionais optaram por manter esse registo, por ser uma área em que se tinham especializado e na qual não tinham a concorrência estrangeira – cujos quadradinhos ficcionais sempre chegaram ao nosso mercado a custos (bem) mais convidativos para os editores. Entre eles, contam-se José Ruy (cujos 25 anos da sua adaptação dos “Lusíadas em BD” foram recentemente assinalados com uma edição integral, pela Âncora Editora) e José Garcês (autor da “História de Portugal em BD”), ambos há mais de seis décadas ligados aos quadradinhos.
Nos últimos anos, explorando uma outra vertente, têm-se multiplicado histórias em banda desenhada de vilas e cidades – Guarda, Gouveia, Fornos de Algodres, Pinhel, Faro, Ourém, Penamacor, Oliveira de Hospital, Penamacor, Amadora, Paredes, Penafiel, Sabugal… – quase sempre com o apoio (ou mesmo edição) dessas autarquias, que distribuem os livros pelas escolas e bibliotecas locais – mas raramente nas livrarias, o que os torna inacessíveis ao leitor habitual.
Neles, a par dos veteranos citados, encontram-se João Amaral, José Pires ou Baptista Mendes, todos ligados a um registo realista clássico, mas também autores da nova geração, como Manuel Morgado ou Ricardo Cabrita, o que parece provar que este é um caminho que vale a pena trilhar, quanto mais não seja porque lhes permite trabalhar na arte que escolheram como sua.

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Portugal aos quadradinhos

Este ano houve já diversas edições evocativas dos acontecimentos que fizeram das localidades o que elas são. A sul, a “História de Olhão”, de José Garcês, narra os momentos mais marcantes da localidade, a propósito dos 200 anos da sua elevação a vila e da revolta contra as tropas napoleónicas.
Subindo no mapa, do Alentejo, chegam “Salúquia – A Lenda de Moura em Banda Desenhada”, que tem a particularidade de reunir dezena e meia de versões do mesmo conto, em registos que vão do realismo mais tradicional ao humor ou à sua transposição para outras épocas, e o recente “O Crime de Arronches”, a adaptação por Eugénio Silva da obra literária homónima de 1924 de Henrique Mendes de Mendonça. Em Tomar, foi lançado “Fernando Lopes-Graça – Andamentos de uma vida”, de Ricardo Cabrita, que conta de forma sóbria (um)a biografia do maestro, compositor e musicólogo, a propósito dos 100 anos do seu nascimento.
Com um salto para Norte, encontramos “História de uma Língua e de um Povo”, uma abordagem histórico-ficcional da origem da língua mirandesa, feita por José Ruy e Amadeu Ferreira, editado em português e… mirandês. Mais perto do litoral, nasceu um projecto diferente, pequenos livros de apenas oito páginas, criados por Sara Coelho, Rui Alves e Teresa Cardia, sobre figuras históricas/lendárias do Alto Minho, que, no final, serão reunidos num único álbum; o primeiro, dos dez previstos, editado pela edilidade de Monção, foi dedicado a Deu-La-Deu Martins.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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