Morris nasceu há 100 anos

Criador de Lucky Luke desenhou cerca de sete dezenas de álbuns do “cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra”

A 1 de Dezembro de 1923, Courtrai, na Bélgica, assistia ao nascimento de Maurice De Bevere. Ninguém sabia ainda, mas iria tornar-se célebre sob o pseudónimo de Morris.
Filho de um fabricante de cachimbos artesanais, frequentou o colégio jesuíta de Saint-Joseph, cujas fardas sacerdotais lhe inspiraram mais tarde as vestes dos cangalheiros em Lucky Luke.
Aos 20 anos, após ter aprendido a técnica de animação através de um curso por correspondência, começou a trabalhar num estúdio belga de desenhos animados, passando a tinta os desenhos. Foi lá que conheceu Peyo (criador dos Schtroumpfs), Franquin (Spirou, Gaston Lagaffe) e Eddy Paape (Luc Orient), com quem desenvolveu amizade e partilhou muitas experiências. A par da animação, começou também a fornecer ilustrações para publicações como “Le Moustique”, “Humoradio” ou “Het Laatste Nieuws”.
1946 seria o ano de mudança de vida. Em Dezembro desse ano, o “L’Almanach Spirou 1947” incluía uma história de 27 páginas intitulada “Arizona 1880”, protagonizada por um cowboy chamado… Lucky Luke, graficamente ainda muito distante do que conhecemos hoje.
No ano seguinte, a “Spirou” estreava “La Mine d’Or de Dick Digger”, com argumento do seu irmão Louis, e o sucesso seria tal que, logo em 1949, as aventuras daquele que viria a ser conhecido como “o cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra” seriam também editadas em álbum.
Um ano antes, em companhia de Franquin e da família de Jijé (Spirou, Jerry Spring), Morris partiria para os Estados Unidos, numa viagem que se revelaria algo atribulada mas também iniciática, parcialmente contada em “Gringos Locos”. Permaneceu naquele país alguns anos, assistiu ao nascimento da revista humorística “MAD”, de Jack Davis e Harvey Kurtzman, e conheceria um certo René Goscinny.
Nesta época o desenhador já tinha assumido Lucky Luke por inteiro a solo e, a par do tom humorístico e aventureiro, optou também por incluir personagens célebres do Oeste nos seus álbuns, como simples figurantes ou até co-protagonistas. Foi o caso de Phil Defer ou dos Dalton que Morris, respeitando a veracidade histórica, matou no final de “Fora da Lei”.
Graficamente influenciado pelo traço mais arredondado do cinema de animação, Morris foi desenvolvendo um estilo mais personalizado, extremamente dinâmico e expressivo, com o qual representava tanto cenas interiores como exteriores, os espaços urbanos do Velho Oeste como as zonas montanhosas ou as grandes planícies. A esse traço vivo acrescentou uma planificação que recorria com frequência e picados e contra-picados, privilegiando um ritmo de leitura rápido e de grande vivacidade.
De regresso à Europa, em 1955, entregou os argumentos a René Goscinny, que acentuou o tom paródico e humorístico da série, reduziu a violência realista presente nas primeiras aventuras, recuperou os (primos) Dalton e acrescentou à galeria personagens inesquecíveis como Calamity Jane, Billy the Kid ou Rantanplan, “o cão mais estúpido do Oeste… e também do Este”, para além de tornar mais relevante a participação do cavalo Jolly Jumper, fazendo de Lucky Luke um dos expoentes da banda desenhada franco-belga, a par de Tintin, Astérix ou Spirou.
Em 1968, Lucky Luke passou a cavalgar nas páginas da “Pilote”, saltou daí para um efémero título em nome próprio, passando depois a ser pré-publicado na imprensa generalista, tendo originado diversas séries televisivas e longas-metragens de animação.
Foi aliás a passagem para os ecrãs – e a chegada dos filmes aos Estados Unidos – que obrigou Morris a fazer uma mudança profunda no seu herói que, depois de mais de 40 anos como fumador inveterado, teve de trocar o hábito de enrolar o tabaco e colocar o cigarro nos lábios, pelo mordiscar de uma palhinha, o que acabou por valer ao autor uma distinção por parte da Organização Mundial de Saúde, em 1988.
Com a morte de Goscinny, em 1977, Morris recorreu a um sem número de argumentistas, entre os quais Xavier Fauche ou Bob De Groot, sem conseguir contrariar o declínio da série, mas nem sequer o falecimento do desenhador, em 2001, após desenhar cerca de sete dezenas de álbuns do herói e mais alguns de Rantanplan, impediu que a série prosseguisse, estando hoje entregue a Achdé e Jul, e tendo já vendido cerca de 400 milhões de álbuns em todo o mundo.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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