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Ver a vida passar a correr

Literatura e exercício físico balizam auto-biografia de Alison Bechdel
Reflexão irónica e cativante sobre si própria e as mudanças estruturais da sociedade norte-americana desde 1960

A correr, principalmente, mas também a escalar, fazer montanhismo, ioga, esqui nórdico, andar de bicicleta, praticar karaté e todos os tipos de exercícios de manutenção da forma (e algo mais) que foram estando na moda nos últimos 60 anos.
Na verdade, “O segredo da força sobre-humana”, edição recente da Relógio d’Água em português, é uma longa revisão auto-biográfica de Alison Bechdel que, emulando a velha máxima que diz que nos últimos momentos vemos a nossa vida a passar diante dos olhos, nos permite contemplar a sua, desde os anos 1960 até a actualidade, muitas vezes sob a influência de álcool e/ou medicamentos e balizada por dois aspectos que até costumam ser mutuamente exclusivos: por um lado a obsessão com o exercício físico, por outro, a paixão pela literatura e por nomes como Kerouac, Coleridge, Wordsworth, Buda… Do primeiro, refere equipamentos e acessórios, efeitos e a própria dedicação, enquanto que nos segundos, com quem estabelece curiosos paralelismos de vida, procura inspiração e/ou justificação.
As relações complicadas com o pai e a mãe – já exorcizadas, respectivamente, em “Fun Home” (Contraponto, 2012) e “Are you my mother?” (inédito em português) – as suas escolhas de vida, em termos de estudos, orientação sexual e opções profissionais, com a banda desenhada, a impor-se progressivamente, vão desfilando perante o olhar do leitor, à medida que este vai voltando as páginas.
Com um traço solto, neste livro servido pela primeira vez pelas cores de Holly Rae Taylor, e um grande à-vontade na planificação que torna a leitura fluída e dinâmica, Bechdel exibe aqui uma certa ironia cativante e com que se questiona, que contrasta com as suas dúvidas existenciais e com o negativismo que a assoberba constantemente.
Apesar desta aparente leveza e simplicidade narrativa, que o relato desconstrói e nega, revelando como o acto criativo tem sempre para Bechdel uma elevada quota de esforço, transpiração e auto-imposição, há muito para descobrir nas entrelinhas de “O segredo da força sobre-humana” pelo que se recomenda mais do que uma leitura desta viagem que, sendo primordialmente pessoal, também nos leva em passo de corrida pelas mudanças estruturais da sociedade norte-americana, nomeadamente ao nível da concessão de oportunidades e reconhecimento das mulheres.

O segredo da força sobre-humana
Alison Bechdel
Relógio d’Água
248 p., 19,50 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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Grande Prémio de Angoulême já tem finalistas

Alison Bechdel, Catherine Meurisse e Riad Sattouf são os nomeados

A organização do Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême, França, revelou hoje os três candidatos ao seu Grande Prémio, que distingue um autor pelo conjunto da sua obra. Alison Bechdel, Catherine Meurisse e Riad Sattouf foram os escolhidos.
Bechdel, norte-americana de 62 anos, é uma das figuras do feminismo na BD daquele país. Entre as suas obras mais marcantes contam-se “Fun Home” (que teve edição portuguesa da Contraponto, em 2012), considerado o livro do ano pela revista “Times”, em 2006, e que aborda a relação complicada da autora com o pai. “Are you my mother”, é outro dos seus títulos de relevo. Curiosamente, antes desta nomeação, a Relógio de Água já tinha anunciado a edição no nosso país da sua obra mais recente, “O Segredo da Força Sobre-Humana”, para Março deste ano.
Quanto a Christine Meurisse, repete a presença no trio finalista, já registada no ano passado. Colaboradora do “Charlie Hebdo”, é uma das sobreviventes do ataque terrorista de 2015 contra a redacção daquele jornal satírico francês, graças a uma noite mal dormida, como narrou em “La Légèretée”, uma obra íntima e catártica. “Humaine, trop humaine”, uma colectânea de histórias curtas com diálogos, citações e encenações burlescas que sondam e abalam as regras e os códigos do pensamento filosófico universal.
Quanto a Riad Sattouf, de 44 anos e um dos autores mais interessantes da sua geração, é também francês como Meurisse e igualmente colaborador do “Charlie Hebbdo”. Dos três, é o mais divulgado em Portugal graças a “O Diário de Esther” (2 volumes, editados pela Gradiva, em 2019), sobre o quotidiano de uma menina de 10 anos, e a “O Árabe do Futuro” (quatro volumes pela Teorema, desde 2015), uma obra auto-biográfica sobre a sua infância, dividida entre a mãe francesa e o pai muçulmano e, consequentemente, entre a França e Líbia e a Síria. Ao Jornal de Notícias, a editora confirmou a edição em Portugal do quinto (e penúltimo) volume da série, “Ser jovem no Médio Oriente (1992-1994)”, no segundo semestre deste ano.
Estes três nomes foram encontrados através de uma votação online aberta, em que puderam participar todos os autores com obra publicada em França. O mesmo sistema, com com a escolha limitada a estes três autores, determinará o vencedor do Grand Prix D’Angoulême 2023, que sucederá à canadiana Julie Doucet e integrará uma lista em que já estão nomes como Franquin, Eisner, Moebius, Mezières, Tardi, Bilal, Pratt, Morris, Boucq, Crumb, Schuiten, Spiegelman, Bill Watterson, Katsuhiro Otomo ou Hermann. O vencedor será divulgado dia 25 de Janeiro.
A edição deste ano do Festival de Bande Desssinée de Angoulême, terá lugar entre 26 a 29 do corrente mês, fazendo parte do programa exposições de Julie Doucet, Philippe Druillet, Ryōichi Ikegami ou Junji Itō.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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