Autor espanhol mostra um Tintin adulto, deprimido pela perda de Milu e do Capitão Haddock; Fundação Moulinsart, detentora dos direitos sobre a obra de Hergé, proíbe reimpressão
O livro “El Loto Rosa”, escrito por António Alatarriba e com ilustrações de Ricard Castells e (do pintor hiperrealista) Javier Hernandez, lançado em Dezembro último em Espanha, a propósito do centenário do nascimento de Hergé, não será reeditado, devido às pressões exercidas pela Fundação Moulinsart, detentora dos direitos da obra do criador de Tintin.
Editado pela Edicions de Ponent, é composto por dois cadernos, o primeiro com diversos ensaios teóricos sobre a obra de Hergé e o segundo com uma ficção inédita, que totalizam mais de 100 páginas a cores, num misto de texto e ilustração, alvo de um apurado tratamento gráfico.
Com uma capa decalcada da de “O Lótus Azul”, com um Tintin (aparentemente) nu dentro do grande jarrão chinês a olhar para um sugestivo baton rosa, o livro pretendia ser, segundo explicou recentemente numa carta aberta o seu autor, professor de literatura francesa no País Basco, argumentista e especialista em BD, “uma homenagem a um autor que admiro, no qual apresento Tintin doze anos após morte do seu autor”. E continua: “Afastado de aventuras e de resoluções justiceiras, o mundo do nosso herói veio abaixo: Haddock caiu no alcoolismo, o professor Tournesol foi internado numa clínica psiquiátrica e – o pior – Milu morreu. Para tentar superar a depressão, Tintin recuperou a sua carteira de repórter, mas os tempos mudaram e só encontrou trabalho na imprensa sensacionalista cor-de-rosa”. E conclui: “a partir daí embarca numa aventura muito “tintinesca”, céptica e adulta, na qual acaba por se iniciar sexualmente”, num registo próximo do policial negro, ambientado nos meios cinematográficos.
Ao diário “El Pais” Altarriba afirmou pretender focar duas questões: “a ausência da passagem do tempo – Tintin é sempre adolescente – e a abolição da presença feminina – nas suas aventuras a única mulher é a Castafiore”.
Apesar de Tintin não surgir directamente nas imagens e nunca ser mostrado em cenas sexuais, o todo não deixou indiferente Moulinsart, que por muito menos tem posto os seus advogados em campo, que no início tentou impedir a circulação da obra, pressionando a FNAC para a retirar das prateleiras, depois ameaçando levar o caso à justiça, considerando que o relato “perverte a essência da personagem”.
Agora, as duas partes chegaram a um acordo que permite às Edicions de Ponent escoar os 1000 exemplares da edição, contra o compromisso de não reeditar a obra, o que fará dela, sem dúvida, um objecto apetecível para os coleccionadores.
Altarriba, que revela “ter aprendido francês nos álbuns de Tintin”, desabafa: “desfrutai das vinhetas enquanto vos for possível ou até onde deixarem os seus “direitodetentores”, mas muito cuidado com os modelos em que vos inspirais, com as alusões que fazeis ou com as referências que utilizais”. E conclui: “depois disto, nunca mais escreverei sobre Tintin”.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias