Zits #12 – Autoimóvel
Jerry Scott (argumento) e Jim Borgman (desenhos)
Gradiva
13,00 €
Subgénero dentro do universo da banda desenhada, sem grande expressão entre nós (são escassos e inconsequentes os exemplos), as tiras diárias de imprensa são um mercado frutífero nos EUA, graças aos muitos jornais em circulação, e estão profundamente arraigadas nos hábitos dos leitores de periódicos norte-americanos. Só assim se compreende que as que têm mais sucesso – “Peanuts”, “Garfield”, “Calvin & Hobbes”, etc. – possam ser publicadas simultaneamente em centenas ou milhares de jornais, exportação incluída. Como é o caso de “Zits”, que surge diariamente nas páginas do Jornal de Notícias e de mais de 1500 outros jornais!
“Zits” (literalmente “borbulhas”, as borbulhas de acne que infernizam a vida aos adolescentes) narra o quotidiano de Jeremy Duncan, de 15 anos, mostrando um conhecimento profundo e ao mesmo tempo divertidamente crítico sobre o “duro” dia a dia da adolescência, pejado de problemas transcendentes como o levantar cedo, os primeiros pêlos, as namoradas, a roupa, as aulas, as bandas de garagem, o controlo dos pais aos amigos e horários, como primeiros sintomas do inevitável confronto geracional, porque (aos seus olhos) a mãe insiste em tratá-lo como uma criança e o pai ficou irremediavelmente preso no tempo, há 30 ou 40 anos atrás… Aliás, “Zits” satiriza a tal ponto as diferenças entre duas gerações consecutivas que, mais do que um choque pode falar-se de um completo desencontro de gerações, como reflexo da forma acelerada como o tempo passa hoje em dia.
E se o primeiro objectivo destas tiras, às quais muitos leitores do JN possivelmente lançarão apenas um rápido olhar (ou nem isso…), é divertir de forma ligeira (no politicamente correcto mercado norte-americano, temas fracturantes raramente são focados), a verdade é que “Zits” pode bem ser considerado um retrato sociológico poderoso e incisivo de uma faixa etária importante nesta sociedade globalizada – os problemas de Jeremy nos EUA, são os mesmos dos adolescentes portugueses, brasileiros ou dinamarqueses (e a globalização contribui cada vez mais para o sucesso das tiras de imprensa) – que não consegue resolver os seus conflitos mais básicos, aqueles que nascem na estrutura familiar.
Se a escrita de Jerry Scott é fluida e directa, atingindo mesmo o brilhantismo em alguns diálogos de antologia, a verdade é que um dos grandes trunfos de “Zits” é o traço de Jim Borgman, extremamente rico e diversificado para o género – lembremo-nos que os autores deste género de BD estão obrigados a um ritmo produtivo intenso (a publicação é diária, sem interrupções), pelo que não surpreende que a maioria das tiras de imprensa assente num traço simples, muitas vezes só esquemático. Em “Zits”, no entanto, destacam-se a grande expressividade dos rostos e corpos e a forma como Borgman hiperboliza graficamente as experiências sensitivas e emocionais dos protagonistas, por exemplo, tornando a mãe invisível ou colando-a (literalmente) no tecto, mostrando expressões incompreensíveis a jorrarem dos ouvidos de Jeremy, aumentando exageradamente os seus pés, pernas, braços, boca ou cabeça, etc. Isto é especialmente notório nas pranchas dominicais (que infelizmente o JN não publica…) onde Borgman joga magnificamente com o maior espaço disponível, podendo multiplicar as vinhetas e deixando o desfecho explodir com mais força no quadro final ou, pelo contrário, usar uma imagem única, rica em pormenores, referências ou citações.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias