Caminhos para a BD em Portugal

O corvo III – Laços de família
Luís Louro (desenhos) e Nuno Markl (argumento)
Edições ASA
13,00 €

Evereste
Ricardo Cabral
Edições ASA
10,00 €

Obrigada, patrão
Rui Lacas
Edições ASA
15,00 €

O lançamento, no recente Festival de BD da Amadora, de uma dezena de obras de autores portugueses, longe de ser um atestado de vitalidade dos quadradinhos nacionais, reflecte a importância do evento enquanto local privilegiado para os autores e as suas obras encontrarem – e serem encontrados – os/pelos seus leitores. Até porque parte – pela tiragem reduzida ou por opção editorial – não tem sequer distribuição nacional, o que torna mais difícil chegarem aos seus (potenciais) leitores. Três deles mostram alguns caminhos que se abrem (podem abrir…) à BD em Portugal.
Em “O Corvo III – Laços de família”, Luís Louro, criador e até agora autor completa do Corvo, o (pobre) super-herói português que percorre as ruas de Lisboa com Robin, a sua bicicleta, às costas, decidiu apelar a Nuno Markl para a escrita do argumento, e há que reconhecer que a aposta foi ganha, a dois níveis. Logo à partida, pela associação de uma “celebridade” ao livro, o que lhe dá maior visibilidade; depois, porque o humor de Markl adapta-se bem ao desastrado super-herói, tendo originado uma aventura divertida e bem-disposta (que só peca por parecer curta demais), que faz a ponte com os anteriores álbuns, continuando a revelar-nos alguns dos estranhos super-heróis (bem) nacionais e a traçar um retrato sentido de uma certa Lisboa típica. E que tem alguns achados, mostrando a familiaridade de Markl com a temática, começando logo pela abertura, no cemitério, que evoca ambientes e poses típicos dos super-heróis (a sério), em especial do Homem-Aranha, para os desmistificar com o bem conseguido desfecho. Quanto a Louro (até neste texto quase esquecido – este é o perigo destas “parcerias”) continua igual a si próprio com o seu traço solto e dinâmico e uma planificação fluida que pontua o ritmo da história.
Quanto a “Evereste”, ancora-se na realidade contemporânea portuguesa ao adaptar aos quadradinhos o livro no qual o alpinista João Garcia conta a sua trágica ascensão ao cume do Evereste. Nele, o traço de Cabral umas vezes surge algo tolhido, talvez demasiado preso à documentação fotográfica que lhe terá servido de base, e noutras explode em belas imagens panorâmicas que nos ajudam a compreender a imensidão das montanhas cobertas de neve e a dimensão da proeza de João Garcia, assim transformado em herói (nacional), fazendo relembrar hábitos de tempos em que a censura limitava (forçava…) as escolhas dos autores.
Finalmente, “Obrigada, patrão” recordou-me (em antítese) os muitos autores que, ao longo dos muitos anos que levo ligado à BD, dizem não criar por não terem onde publicar, porque Rui Lacas, numa atitude rara entre nós, com umas quantas dezenas de pranchas prontas, foi ao festival de BD de Angoulême, França, mostrá-las. Encontrou editor na Suiça (Paquet), no ano passado e, só depois, agora, em Portugal. O seu desenho tem por base uma linha clara de traço grosso, expressiva e muito dinâmica, com multiplicidade de enquadramentos e belos achados, como a utilização de palavras como onomatopeias, tudo pintado predominantemente por tons de ocre, amarelo e castanho, que evocam a região onde se passa a história, a Zambujeira e o seu clima sufocante. Como sufocante é a narrativa, um retrato amargo da relação entre os senhores das terras e os trabalhadores rurais, mostrando como as prepotências daqueles cerceiam os sonhos destes, como as ilusões da infância podem ser espezinhadas pelas (tristes) realidades da idade adulta, e que culmina com um inesperado toque de humor negro, que valoriza o todo.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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