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Newborn: 10 Dias no Kosovo

Um ano depois da publicação de “Israel Sketchbook”, Ricardo Cabral regressa às livrarias com um novo caderno de viagem, desta vez dedicado ao Kosovo. “Newborn: 10 Dias no Kosovo” nasceu de um projecto de Banda Desenhada para a editora francesa Soleil, que acabou por não se concretizar. Gorado esse projecto, a viagem de recolha de elementos gráficos para uma BD ambientada no Kosovo do pós-guerra, que Ricardo ia desenhar a partir do argumento de um autor nascido no Kosovo, serviu-lhe para conhecer por dentro a realidade do Kosovo actual, realidade essa que Ricardo nos transmite de forma despretensiosa neste caderno de viagem.
Mais uma vez, a visão de Ricardo Cabral não é a do vulgar turista, mas sim de alguém que, durante 10 dias, partilhou a vida daqueles cuja terra visita. Um país bonito e que lentamente vai curando as cicatrizes de uma guerra sem quartel, que não poupou albaneses nem sérvios. Conforme o próprio Ricardo refere: “pensei encontrar um país martirizado pela guerra. Das notícias das valas comuns, das deportações forçadas, dos milhares de refugiados e desaparecidos, era de esperar um país cinzento e triste, mas a vida decorre normalmente… e as raparigas aqui são realmente muito bonitas.”
Tal como acontecia em “Israel Sketchbook”, embora a memória da guerra paire em alguns momentos do livro, o que fica é um bonito país e, sobretudo, a sua gente, gente bonita e que procura ser feliz.
E, embora se mantenha o mesmo método de trabalho, com os esboços feitos no local a serem posteriormente coloridos por computador, com auxílio de fotografias, a principal diferença em relação ao livro anterior é uma maior diversificação de registos visuais, com imagens apenas esboçadas, publicadas tal como foram desenhadas na altura, diferentes desenhos sobrepostos na mesma imagem, ou sequências em que se misturam de forma explícita o desenho e a fotografia, num processo que de alguma forma evoca o magnífico trabalho de Emanuel Guibert a partir das fotografias de Didier Lefevre em “Le Photographe”.
A publicação deste segundo caderno de viagem pela Asa, mostra que há um público para este tipo de livros, talvez até mais vasto do que o da BD. Esperemos, é que o sucesso do Ricardo Cabral viajante, não nos prive do trabalho do autor de BD…

(“New Born: 10 Dias no Kosovo”, de Ricardo Cabral, Edições Asa, 144 pags, 19,20 €)

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21º AmadoraBD, um dos Balanços Possíveis

Refere Jorge Machado-Dias, no seu blog Kuentro: «O 21º AmadoraBD’2010 apresentou este ano 18 exposições no Fórum Luís de Camões e mais cinco espalhadas pela cidade (que quase ninguém terá visitado). O projecto de arquitectura foi de Traços na Paisagem, Atelier das Artes, Estudos e Projectos, Lda. de Cascais. E não resisto, desde já a apontar duas tremendas “gralhas” deste projecto: a “Praça Central” do piso superior do Fórum – pela sua enormidade e inutilidade, sem sequer ter iluminação própria – e a chamada Praça Sul, do piso inferior, que supostamente deveria ser um espaço aberto aos stands e actividade comercial, mas que, mercê de uma dupla colunata envolvente e completamente inútil, escondia os stands e especialmente, as exíguas “portas” de acesso às lojas, das vistas dos visitantes. O cliente de qualquer projecto de arquitectura deve superintender a execução do mesmo e impedir estes erros de palmatória – os arquitectos (e sei bem do que falo), muitas vezes querem “fazer o bonito” esquecendo completamente o PRÁTICO.
O design gráfico de materiais de comunicação, sítio na internet, anúncio televisivo e para multibanco (que este ano nem existiu no Fórum Luís de Camões, note-se), foi de GBNT Lda., Gabinete de Design (Chiado, Lisboa).
Devo dizer que este ano não houve nenhum “flop” expositivo, como aconteceu em 2009. As exposições apresentaram, todas elas, grande qualidade, tanto cenograficamente – evitando-se alguma sobrecarga de cenários – como dos materiais expostos. Incluo mesmo a exposição Beyond Kawaii, colectiva dos alunos do departamento de Animé da Universidade Politécnica de Tóquio, que não continha qualquer efeito cenográfico, mas apresentou materiais com interesse».
Das 18 exposições exposições patentes no 21º Festival Internacional de Banda Desenhada, Jorge Machado-Dias, editor da pedranocharco e do “BDJornal”, tem vindo a publicar no seu blog Kuentro uma extensa reportagem fotográfica.
Da sua visão de “Beyond Kawaii, – 150º Aniversário das Relações Nipo-Portuguesas”, organizada em parceria com a Universidade Politécnica de Tóquio – Departamento de Anime (aliás a exposição também estava designada no Catálogo Geral como Colectiva Anime), de que foi comissária a professora Suyama escreve Machado-Dias no seu blog Kuentro: «Os portugueses chegaram ao Japão em 1543 (…) !!! Por isso, ninguém minimamente informado, entende esta referência ao 150º Aniversário das relações nipo-portuguesas, senão referindo-se ao 150º Aniversário da Assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Comércio entre o Japão e Portugal de 1860 – o qual não aparece na referência à data –, e que não é bem a mesma coisa de relações nipo-portuguesas (essas existem há 467 anos) e isso deveria ser explicado a quem visitasse a exposição. Falhas como esta, nas referências históricas, condenam muitas vezes as intenções com que são feitas as coisas, por falta de rigor. O Comissariado do Amadora BD, precisa de dar mais atenção a detalhes deste tipo, para tornar credíveis as afirmações que ostenta nos placards de informação. “Portanto onde está “150º aniversário das relações nipo-portuguesas”, leia-se “150º da Assinatura do Tratado de Paz, Amizade e Comércio entre o Japão e Portugal”».
E por agora deixemos o Japão e falemos doutros exemplos de cooperação internacional, como a exposição “Lusofonia – Nona Arte em Língua Portuguesa”, comissariada por Nelson Dona, com projecto e execução da cenografia de Ana Couto, e que contou com a presença de Autores presentes: Jô Oliveira (Brasil), Lindomar Sousa (Angola), Nuno Saraiva (Portugal) e Zorito Chiwanga (Moçambique). Ou do desenho de Ricardo Cabral, em parceria com Balbina Bruszewska na história “Lágrimas de Elefante” (publicado no Catálogo Geral do 21º Amadora BD 2010) e que aqui também reproduzimos, com muita pena, a preto e branco.

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Caminhos para a BD em Portugal

O corvo III – Laços de família
Luís Louro (desenhos) e Nuno Markl (argumento)
Edições ASA
13,00 €

Evereste
Ricardo Cabral
Edições ASA
10,00 €

Obrigada, patrão
Rui Lacas
Edições ASA
15,00 €

O lançamento, no recente Festival de BD da Amadora, de uma dezena de obras de autores portugueses, longe de ser um atestado de vitalidade dos quadradinhos nacionais, reflecte a importância do evento enquanto local privilegiado para os autores e as suas obras encontrarem – e serem encontrados – os/pelos seus leitores. Até porque parte – pela tiragem reduzida ou por opção editorial – não tem sequer distribuição nacional, o que torna mais difícil chegarem aos seus (potenciais) leitores. Três deles mostram alguns caminhos que se abrem (podem abrir…) à BD em Portugal.
Em “O Corvo III – Laços de família”, Luís Louro, criador e até agora autor completa do Corvo, o (pobre) super-herói português que percorre as ruas de Lisboa com Robin, a sua bicicleta, às costas, decidiu apelar a Nuno Markl para a escrita do argumento, e há que reconhecer que a aposta foi ganha, a dois níveis. Logo à partida, pela associação de uma “celebridade” ao livro, o que lhe dá maior visibilidade; depois, porque o humor de Markl adapta-se bem ao desastrado super-herói, tendo originado uma aventura divertida e bem-disposta (que só peca por parecer curta demais), que faz a ponte com os anteriores álbuns, continuando a revelar-nos alguns dos estranhos super-heróis (bem) nacionais e a traçar um retrato sentido de uma certa Lisboa típica. E que tem alguns achados, mostrando a familiaridade de Markl com a temática, começando logo pela abertura, no cemitério, que evoca ambientes e poses típicos dos super-heróis (a sério), em especial do Homem-Aranha, para os desmistificar com o bem conseguido desfecho. Quanto a Louro (até neste texto quase esquecido – este é o perigo destas “parcerias”) continua igual a si próprio com o seu traço solto e dinâmico e uma planificação fluida que pontua o ritmo da história.
Quanto a “Evereste”, ancora-se na realidade contemporânea portuguesa ao adaptar aos quadradinhos o livro no qual o alpinista João Garcia conta a sua trágica ascensão ao cume do Evereste. Nele, o traço de Cabral umas vezes surge algo tolhido, talvez demasiado preso à documentação fotográfica que lhe terá servido de base, e noutras explode em belas imagens panorâmicas que nos ajudam a compreender a imensidão das montanhas cobertas de neve e a dimensão da proeza de João Garcia, assim transformado em herói (nacional), fazendo relembrar hábitos de tempos em que a censura limitava (forçava…) as escolhas dos autores.
Finalmente, “Obrigada, patrão” recordou-me (em antítese) os muitos autores que, ao longo dos muitos anos que levo ligado à BD, dizem não criar por não terem onde publicar, porque Rui Lacas, numa atitude rara entre nós, com umas quantas dezenas de pranchas prontas, foi ao festival de BD de Angoulême, França, mostrá-las. Encontrou editor na Suiça (Paquet), no ano passado e, só depois, agora, em Portugal. O seu desenho tem por base uma linha clara de traço grosso, expressiva e muito dinâmica, com multiplicidade de enquadramentos e belos achados, como a utilização de palavras como onomatopeias, tudo pintado predominantemente por tons de ocre, amarelo e castanho, que evocam a região onde se passa a história, a Zambujeira e o seu clima sufocante. Como sufocante é a narrativa, um retrato amargo da relação entre os senhores das terras e os trabalhadores rurais, mostrando como as prepotências daqueles cerceiam os sonhos destes, como as ilusões da infância podem ser espezinhadas pelas (tristes) realidades da idade adulta, e que culmina com um inesperado toque de humor negro, que valoriza o todo.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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