Rei
António Jorge Gonçalves (desenho) e Rui Zink (argumento)
Edições ASA
328 p.
16,00 €
Dez anos depois de “A arte suprema” (oportunamente reeditada pela ASA, com nova roupagem), então a “primeira novela gráfica portuguesa” (aproveitando o momento forte que as obras assim catalogadas viviam), António Jorge Gonçalves e Rui Zink (ou vice-versa) voltaram a encontrar-se para juntarem vontades e inspirações que desaguaram em “Rei”, que pode ser considerado próximo do manga (bd japonesa, o género aos quadradinhos em ascensão nos nossos dias). Próximo no formato – livro -, no local da acção (e de inspiração) – o Japão -, na utilização de alguns dos códigos da linguagem manga.
De “Rei”, convém começar por explicar o título: tão só um nome feminino japonês, vulgar, tal como Maria, em Portugal. Porque o resto se torna difícil de explicar, podendo-se aspirar apenas a compartilhar impressões de leitura. Porque cada leitor, cada leitura – até as leituras dos autores, seus primeiros leitores – conduzirá por caminhos diferentes, levará a destinos diversificados, tão aberta é a obra – talvez demais até no final indefinido (por finalizar?), distante de muitos dos pressupostos que a narrativa foi traçando…
Simplificando o que não é simples (nem simplificável…), pode-se resumir “Rei” como a história de duas buscas. A de Nuno, 20 anos, que se busca a si mesmo na distância (a que se coloca da progenitora) do país longínquo que é o Japão, procurando a sua razão de ser no país que o seu mestre (de karaté e meditação) o fez idealizar. Nuno que encontra no Japão um amigo, Yukio, e Rei, a rapariga andróide (a explicação simplista) ou a projecção dos seus distúrbios mentais (a leitura racional)…
A segunda busca é a da mãe de Nuno, Teresa, que, um ano depois, também vai ao Japão, em busca do filho. E de uma relação inexistente. Mãe que, apesar de muito ocupada com a sua actividade política – é alguém importante em Portugal – continua a ver (e a tratar/a ignorar) o filho como se ele ainda fosse uma criança. Mãe que o filho vê como a Madrasta da Branca de Neve, altiva, distante, indisponível… Má. Mas que não passa de uma mulher, que pode ser – é – solitária, sensível, sincera no seu desejo de ser mãe. Na sua busca, Teresa leva Tano, o mestre do seu filho. Para a guiar e ajudar… Também para o castigar, como causador da partida do filho… e algo mais. Tano, que teme o que pode encontrar, no (re)encontro forçado com a origem que nunca teve, com as suas referências, ganhas na distância…
Estas duas buscas – duas histórias – são narradas em paralelo, alternadamente, graficamente de forma distinta. Para a segunda é utilizada um traço mais trabalhado, próximo do real visível, anatomicamente proporcionado, servido por correctos contrastes de luz e sombra. A busca de Nuno tem um traço mais arredondado, estilizado, livre, esboçado ao correr da imaginação, sem trabalho preparatório, longe da realidade, metafórico, onírico, alucinado.
Porque “Rei” é uma obra extremamente gráfica, que obriga o leitor a grande atenção, exigindo muito dele, impelindo-o à interpretação constante dos desenhos que vê. Que contam/narram mais do que aquilo que mostram explicitamente, quase sempre em páginas de uma vinheta só, cheias com pormenorizados planos de conjunto, vigiando de longe, no vazio, uma acção concreta, ou mergulhando(-nos) nas personagens, em close-ups alucinantes, sempre em equilíbrio perfeito com os diálogos que fluem livremente ou falando-nos alto quando são os silêncios (a ausência de texto) que imperam.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias