“É mais fácil sofrer por animais do que pelas vítimas civis das guerras que vemos na TV”

Afirma Brian K. Vaughan, um dos argumentistas de “Lost” e escritor de “Fábula de Bagdad”, agora editada em Portugal; Obra protagonizada por animais questiona opções americanas para o Iraque; Desenho de Niko Henrichon foi fundamental para o seu sucesso

Chama-se Brian K. Vaughan, nasceu em 1976, em Clevaland, EUA, escreveu alguns episódios de “Lost”/”Perdidos”, e é um argumentista aplaudido no mundo dos comics, menos pelas suas histórias de super-heróis do que pelos premiados “Y” e “Ex-Machina”. Ou por “Fábula de Bagdad” (BDMania), já nas livrarias portuguesas, distinguida com os prémios Harvey e Eagle 2007, que tem por pano de fundo a Guerra do Iraque e nasceu da “minha necessidade de escrever sobre os sentimentos contraditórios que ela me inspirava”, declarou ao Jornal de Notícias. “Há muito queria contar uma história com animais, seguindo uma rica tradição da BD, do “Tio Patinhas”, de Carl Bark, ao “Maus”, de Spiegelman; quando li uma notícia sobre a fuga de quatro leões do zoo de Bagdad durante um bombardeamento, senti que tinha o ponto de partida para a história que precisava de contar”.
À Vertigo, a editora original, agradece ter-lhe apresentado o canadiano Niko Henrichon, o desenhador, cujo sumptuoso desenho animalista foi fundamental para o êxito da obra, “com que não contava, mas que se deve inteiramente a ele. O seu traço deixa-nos sem fôlego e consegue transportar os leitores para o Iraque. O nosso coração sofre pelos seus animais, tão reais, tão complexos”. Para os conseguir, Henrichon confessou ao JN que, apesar de já ter alguns “no meu trabalho anterior, Barnum, tive de praticar muito o seu desenho e, depois foi só deixar-me inspirar pelo argumento”.
Argumento que questiona se a liberdade deve ser concedida ou questionada e que flui de forma pausada, ao ritmo das palavras e dos pensamentos de que Vaughan dotou os quatro leões protagonistas, embora “nenhum deles exiba os meus sentimentos contraditórios sobre a guerra; mais do que expor as minhas convicções políticas, o livro levanta questões aos leitores. Foi por isso que escolhi animais; acho difícil o ser humano sentir pena das vítimas civis das guerras que se vêem na TV, mas, estranhamente, muitos ultrapassam essa distância emocional quando vêem animais sofrer. Queria escrever sobre a guerra na perspectiva de não-combatentes e como os animais transcendem raças, credos e nacionalidades, permitiram-me relatar uma história universal. Possivelmente é o livro de que me orgulho mais”.
Opinião que o desenhador corrobora pois “o carácter dos leões é decalcado de personalidades humanas e é isso que torna a história tão tocante. Acho que todos nós nos podemos identificar com um ou mais daqueles leões”. Sobre a guerra real, a sua opinião mantém-se: “não estou satisfeito com o que se está a passar no Iraque nem com a forma como a guerra foi vendida a americanos e ingleses. É impossível prever como vai acabar, mas uma coisa é certa, ainda vão morrer muitos civis. Gostava de acreditar que uma mudança no governo dos EUA poderá alterar esta situação”.
Porque, corrobora Vaughan, há cinco anos, “quando comecei a trabalhar na “Fábula…”, uma parte de mim, ingenuamente, queria acreditar que a guerra já teria acabado quando o livro fosse publicado. Parte-me o coração constatar quão errado estava”.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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