Etiqueta: Brian K. Vaughan

A espera valeu a pena

Correria desenfreada por mundos soberbos e extraordinários.
Edição portuguesa de “Saga” acompanha de perto a edição original norte-americana

Três anos depois da edição do nono volume, finalmente está disponível em português o décimo tomo de “Saga”. Este é o preço a pagar pelo facto de a edição portuguesa estar a acompanhar de perto a original, norte-americana no caso, o que há bem poucos anos era bem raro.
Na origem desta longa saga, literalmente, está um amor proibido entre representantes de dois povos tradicionalmente em guerra: embora ambos tenham aspecto humanóide, ela, Alana, tem asas nas costas, e ele, Marcko, chifres retorcidos na testa. O amor impossível e proibido, a certo ponto premiado com o nascimento de uma filha, Hazel, que apresenta – ou é amaldiçoada? – as características de ambos e assume o lugar de narradora da história, leva-os numa fuga sem fim por mundos insólitos, complexos e maravilhosos, em que se multiplicam as armadilhas e as ilusões.
Ao longo dessa fuga, são muitos os seres estranhos que se vão cruzar com os fugitivos, auxiliando-os ou caçando-os: gatos telepatas, humanóides com cabeça de televisor, fantasmas, homúnculos aracnídeos e muitos outros, com os quais o argumentista Brian K. Vaughan e a ilustradora Fiona Staples, vão reinventando um universo novo e inovador mas com questões antigas: racismo, xenofobia, direito à diferença e ao livre arbítrio, atracção sexual, determinação de limites, guerras eternas…
Depois da tragédia que marcou o final do volume anterior e do período sabático que os autores se ofereceram para se dedicarem a outros projectos, nesta décima colectânea disponibilizada em português pela G. Floy reencontramos Hazel e Alana, alguns anos depois, ainda perseguidas e com um alvo permanente nas costas, como sempre a tentarem sobreviver, à custa de esquemas, nem sempre claros ou honestos, vincando a forma desassombrada como todos os temas e situações podem ser abordados e mostrados em “Saga”. Vaughan, continua a enredar-nos e, porque não, a seduzir-nos, com uma narrativa entre a ópera espacial e a novela bem urdida, deixando-nos pendentes de cada situação limite, de cada volteface e de cada uma das muitas surpresas que nos serve, a um ritmo acelerado que não deixa grande espaço para reflexão, mas apenas para uma correria desenfreada e cheia de adrenalina, atrás de protagonistas e figurantes, por mundos soberbos, originais e extraordinários.

Saga – Volume Dez
Brian K. Vaughan e Fiona Staples
G. Floy
168 p., 22,00€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

Futura Imagem

“É mais fácil sofrer por animais do que pelas vítimas civis das guerras que vemos na TV”

Afirma Brian K. Vaughan, um dos argumentistas de “Lost” e escritor de “Fábula de Bagdad”, agora editada em Portugal; Obra protagonizada por animais questiona opções americanas para o Iraque; Desenho de Niko Henrichon foi fundamental para o seu sucesso

Chama-se Brian K. Vaughan, nasceu em 1976, em Clevaland, EUA, escreveu alguns episódios de “Lost”/”Perdidos”, e é um argumentista aplaudido no mundo dos comics, menos pelas suas histórias de super-heróis do que pelos premiados “Y” e “Ex-Machina”. Ou por “Fábula de Bagdad” (BDMania), já nas livrarias portuguesas, distinguida com os prémios Harvey e Eagle 2007, que tem por pano de fundo a Guerra do Iraque e nasceu da “minha necessidade de escrever sobre os sentimentos contraditórios que ela me inspirava”, declarou ao Jornal de Notícias. “Há muito queria contar uma história com animais, seguindo uma rica tradição da BD, do “Tio Patinhas”, de Carl Bark, ao “Maus”, de Spiegelman; quando li uma notícia sobre a fuga de quatro leões do zoo de Bagdad durante um bombardeamento, senti que tinha o ponto de partida para a história que precisava de contar”.
À Vertigo, a editora original, agradece ter-lhe apresentado o canadiano Niko Henrichon, o desenhador, cujo sumptuoso desenho animalista foi fundamental para o êxito da obra, “com que não contava, mas que se deve inteiramente a ele. O seu traço deixa-nos sem fôlego e consegue transportar os leitores para o Iraque. O nosso coração sofre pelos seus animais, tão reais, tão complexos”. Para os conseguir, Henrichon confessou ao JN que, apesar de já ter alguns “no meu trabalho anterior, Barnum, tive de praticar muito o seu desenho e, depois foi só deixar-me inspirar pelo argumento”.
Argumento que questiona se a liberdade deve ser concedida ou questionada e que flui de forma pausada, ao ritmo das palavras e dos pensamentos de que Vaughan dotou os quatro leões protagonistas, embora “nenhum deles exiba os meus sentimentos contraditórios sobre a guerra; mais do que expor as minhas convicções políticas, o livro levanta questões aos leitores. Foi por isso que escolhi animais; acho difícil o ser humano sentir pena das vítimas civis das guerras que se vêem na TV, mas, estranhamente, muitos ultrapassam essa distância emocional quando vêem animais sofrer. Queria escrever sobre a guerra na perspectiva de não-combatentes e como os animais transcendem raças, credos e nacionalidades, permitiram-me relatar uma história universal. Possivelmente é o livro de que me orgulho mais”.
Opinião que o desenhador corrobora pois “o carácter dos leões é decalcado de personalidades humanas e é isso que torna a história tão tocante. Acho que todos nós nos podemos identificar com um ou mais daqueles leões”. Sobre a guerra real, a sua opinião mantém-se: “não estou satisfeito com o que se está a passar no Iraque nem com a forma como a guerra foi vendida a americanos e ingleses. É impossível prever como vai acabar, mas uma coisa é certa, ainda vão morrer muitos civis. Gostava de acreditar que uma mudança no governo dos EUA poderá alterar esta situação”.
Porque, corrobora Vaughan, há cinco anos, “quando comecei a trabalhar na “Fábula…”, uma parte de mim, ingenuamente, queria acreditar que a guerra já teria acabado quando o livro fosse publicado. Parte-me o coração constatar quão errado estava”.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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