Foi a 10 de Janeiro de 1929 que o “Le petit Vingtième” publicou a primeira prancha de Tintin, dando início a uma aventura cuja actualidade, 80 anos depois, se faz cada vez mais distante da BD.
Nessa primeira prancha, a preto e branco, tal como as oito aventuras que se lhe seguiram, mais tarde redesenhadas a cores, Tintin partia de comboio para o País dos Sovietes, onde escreveria a sua primeira e única reportagem. Era um início marcado pela ingenuidade e pelo desenvolver do argumento ao correr dos desenhos, mas onde Hergé já revelava as qualidades – legibilidade, domínio da planificação, dinamismo do traço, construção da trama – que fariam dele um dos nomes maiores da 9ª arte.
Depois da Rússia, retratada de forma crítica e parcial, por influência do director do jornal católico que o publicou, Hergé levaria o seu herói a África e aos Estados Unidos, à América do Sul, um pouco por toda a Europa e mesmo à Lua, 20 anos antes de Armstrong. Com Tintin, construiu uma obra equilibrada e deslumbrante, traçada num primoroso estilo linha clara, tendo por principais vectores a aventura, a amizade, a lealdade e o sentido de justiça.
E que hoje em dia permanece perfeitamente legível – e inalterada devido à vontade expressa nesse sentido por Hergé – e na qual se encontram algumas obras-primas da BD. Mas que, nalguns casos, necessita de ser lida e interpretada à luz da época e do contexto em que foi criada, para evitar acusações ridículas e ignorantes como “racista”, “defensor de maus tratos aos animais” ou “colaboracionista”, que regularmente são feitas a Hergé, quase sempre por gentinha em bicos-de-pés em busca de 15 minutos de (triste) fama à sombra de Tintin. O caso mais recente veio esta semana à luz nas páginas do respeitável “The Times”, num artigo (risível) de Matthew Parris, antigo deputado britânico, intitulado “Claro que Tintin é gay. Perguntem a Milu”, de imediato desmontado por estudiosos e defensores da obra de Hergé.
A venda de originais tem também feito sucessivas manchetes, como em Abril último, quando o desenho a guache que serviu de capa à primeira edição de “Tintin na América”, datado de 1932, foi leiloado por 762 mil euros.
Com mais de 200 milhões de álbuns vendidos, a actualidade de Tintin a nível editorial (uma vez que o último álbum original data de 1976 e que Hergé faleceu em 1983) vem das sucessivas reedições em novas línguas e dialectos (que somam já mais de meia centena) e formatos, como o recente “Tout Tintin” (Casterman), que compila as 24 histórias num único tomo de 1694 páginas.
Isto, a par do filme (ver caixa) e da inauguração do Museu Hergé, marcada para 22 de Maio, data do 101º aniversário do nascimento do pai de Tintin. Situado em Louvain-la-Neuve, na Bélgica, foi desenhado com a forma de um prisma, quase sem ângulos rectos, que parece flutuar, pelo arquitecto francês Christian de Portzamparc. Com fortes preocupações ambientais, ao nível do aquecimento, tratamento do ar e poupança de energia, o edifício com 6 700 m2 de superfície, divididos por quatro andares, acolherá o espólio da Fundação Moulinsart, sendo a parte museológica concebida pelo autor holandês Joost Swarte.
[Caixa]
Um filme atribulado
A vontade de Steven Spielberg adaptar Tintin levou-o a conversar com Hergé sobre o assunto, tendo adquirido os seus direitos cinematográficos logo em 1983, adivinhando alguns a sua sombra em Indiana Jones, nomeadamente no espírito de aventura pura que percorre os filmes e nalgumas cenas de acção.
Em 2007, após acordo com os herdeiros de Hergé, Spielberg anunciou uma trilogia com actores de carne e osso, em parceria com Peter Jackson, devendo o primeiro filme, dirigido por si e baseado no diptíco “O segredo da Licorne”/”O Tesouro de Rackham o terrível”, estrear em 2008. O segundo filme, dirigido por Jackson, seria baseado em “As Sete bolas de Cristal”/”O Templo do Sol”, juntando-se os dois para a realização da última película, sobre “Rumo à Lua”/”Explorando a Lua”.
Só que, as dificuldades para conseguir os 130 milhões de dólares de financiamento necessários para o projecto (pouco atractivo para o mercado norte-americano onde Tintin não vingou), atrasaram-no sucessivamente, estando agora previsto o início das filmagens para Fevereiro e a estreia em 2010.
Isso inviabilizou a participação de Thomas Sangster, como Tintin, onde ainda só estão confirmados Andy Serkis, como Capitão Haddock, e Nick Frost e Simon Pegg para interpretar a dupla Dupont & Dupond, (surpreendentemente) transformada numa espécie de Bucha e Estica de formas moderadas…
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias