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Jornalistas nos Quadradinhos

Profissão de repórter vale aos heróis de papel acesso a informação e liberdade de movimento.

No passado dia 2, foi publicada a derradeira tira diária de Brenda Starr. Estreada nos jornais norte-americanos a 30 de Junho de 1940, a heroína criada por Dale Messick foi uma das primeiras da extensa linhagem de jornalistas dos quadradinhos.

Curiosamente – ou talvez não – os heróis de papel raramente são reconhecidos pelo que fazem na sua profissão. Tintin, o mais antigo (?) e o mais famoso jornalista europeu da BD, é conhecido como “o repórter que nunca escreveu uma linha”, o que não deixa de ser falso, pois o herói criado por Hergé em 1929, produziu uma única mas volumosa reportagem na sua primeira aventura “No país dos Sovietes”. Do outro lado do oceano, o repórter Clark Kent e o fotógrafo Peter Parker, usam-na apenas como fachada para esconderem a sua identidade de super-herói, respectivamente, Super-Homem e Homem-Aranha.
A constatação atrás expressa só vem reforçar que a escolha da profissão de jornalista pelos autores serve, antes de tudo, como fácil mas credível justificação às constantes deslocações dos protagonistas para os locais onde tudo acontece e também para acederem à informação com maior facilidade. É o que se passa com outra personagem de topo da escola franco-belga, o jornalista-detective Ric Hochet, criado em 1955 por Duchateu e Tibet, que entre perseguições emotivas, a descoberta de intrincados mistérios e o espatifar do seu Porsche amarelo tem ainda tempo para escrever no jornal La Rafale. Igualmente membro de uma redacção, Fantásio, alterna o seu quotidiano entre as grandes reportagens e a vida na redacção da revista Spirou, onde sofre e se exaspera com as partidas e disparates de Gaston Lagaffe, a incontornável criação de Franquin.
Entre aqueles cuja relação com a profissão é mais forte, conta-se Ernie Pike, correspondente de guerra da autoria de Oesterheld e Hugo Pratt, em 1957, que percorreu as principais frentes da II Guerra Mundial, testemunhando de forma crua e realista os seus dramas, horrores e feitos heróicos. Muito importante, embora não seja o protagonista, é o papel do jornalista Willy Richards (vulgo Poe dada à sua semelhança física com o célebre escritor), no western Bonelli “Mágico Vento” (presente nos quiosques nacionais), pela forma como se move nos meios oficiais onde obtém informações cruciais para as narrativas e para a contextualização histórica que o seu criador, Manfredi, lhes imprime.
Steve Roper, Jeff Cobb, Frank Cappa, Guy Lefranc ou Jill Bioskop são outros heróis jornalistas, capazes de evocar recordações nos que estão mais familiarizados com os quadradinhos, mas a geração que leu a BD Disney nos anos 70 e 80, com certeza recorda, divertida, as grandes confusões geradas pelos repórteres Donald e Peninha do jornal A Patada. Quanto à geração jovem actual, vibra com as reportagens e peripécias de Geronimo Stilton, director do Diário dos Roedores, principal quotidiano da Ilha dos Ratos, que embora nascido em romances juvenis, também já protagoniza aventuras aos quadradinhos.
E se muitos deles têm evoluído da imprensa escrita para a web – como é o caso de Peter Parker ou Ric Hochet, em histórias mais recentes – a perda de audiência dos jornais impressos poderá ser uma das explicações para o fim da carreira de Brenda Starr, quase 70 anos após o seu primeiro quadradinho, numa altura em que se destacava por ser mulher, tal como a sua criadora, num mundo em que imperavam os homens. Aliás, foram sempre mulheres que estiveram aos comandos do destino desta jornalista de investigação, elegante, inteligente e sensual, como o seu modelo, a actriz Rita Hayworth, em casos policiais com muita acção e romance.

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Maria Jornalista
Se a banda desenhada portuguesa nunca foi pródiga em personagens recorrentes, não surpreende que seja difícil encontrar nela protagonistas ligados à imprensa.
Um dos casos mais curiosos é o de Maria Jornalista, heroína de uma dezena de histórias de duas pranchas que os leitores da Notícias Magazine descobriram em 1994, mas que nunca foram compiladas em livro.
Passadas em diversos locais de Portugal (Viana, Porto, Aveiro, Sintra, Lisboa, …), nalguns casos com referência a personagens reais (Rosa Mota, Jorge Sampaio, Manuela Moura Guedes), cada narrativa teve um autor diferente (José Abrantes, Crisóstomo Alberto, Fernando Bento, Luís Diferr, José Garcês, Catherine Labey/Jorge Magalhães, Luís Louro, Baptista Mendes, José Ruy e Ana Costa/Augusto Trigo), que lhe imprimiu o seu próprio estilo gráfico e temático, do humor ao policial, do turístico ao onírico, da denúncia social ao fantástico.

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Tintin octogenário

Foi a 10 de Janeiro de 1929 que o “Le petit Vingtième” publicou a primeira prancha de Tintin, dando início a uma aventura cuja actualidade, 80 anos depois, se faz cada vez mais distante da BD.

Nessa primeira prancha, a preto e branco, tal como as oito aventuras que se lhe seguiram, mais tarde redesenhadas a cores, Tintin partia de comboio para o País dos Sovietes, onde escreveria a sua primeira e única reportagem. Era um início marcado pela ingenuidade e pelo desenvolver do argumento ao correr dos desenhos, mas onde Hergé já revelava as qualidades – legibilidade, domínio da planificação, dinamismo do traço, construção da trama – que fariam dele um dos nomes maiores da 9ª arte.
Depois da Rússia, retratada de forma crítica e parcial, por influência do director do jornal católico que o publicou, Hergé levaria o seu herói a África e aos Estados Unidos, à América do Sul, um pouco por toda a Europa e mesmo à Lua, 20 anos antes de Armstrong. Com Tintin, construiu uma obra equilibrada e deslumbrante, traçada num primoroso estilo linha clara, tendo por principais vectores a aventura, a amizade, a lealdade e o sentido de justiça.
E que hoje em dia permanece perfeitamente legível – e inalterada devido à vontade expressa nesse sentido por Hergé – e na qual se encontram algumas obras-primas da BD. Mas que, nalguns casos, necessita de ser lida e interpretada à luz da época e do contexto em que foi criada, para evitar acusações ridículas e ignorantes como “racista”, “defensor de maus tratos aos animais” ou “colaboracionista”, que regularmente são feitas a Hergé, quase sempre por gentinha em bicos-de-pés em busca de 15 minutos de (triste) fama à sombra de Tintin. O caso mais recente veio esta semana à luz nas páginas do respeitável “The Times”, num artigo (risível) de Matthew Parris, antigo deputado britânico, intitulado “Claro que Tintin é gay. Perguntem a Milu”, de imediato desmontado por estudiosos e defensores da obra de Hergé.
A venda de originais tem também feito sucessivas manchetes, como em Abril último, quando o desenho a guache que serviu de capa à primeira edição de “Tintin na América”, datado de 1932, foi leiloado por 762 mil euros.
Com mais de 200 milhões de álbuns vendidos, a actualidade de Tintin a nível editorial (uma vez que o último álbum original data de 1976 e que Hergé faleceu em 1983) vem das sucessivas reedições em novas línguas e dialectos (que somam já mais de meia centena) e formatos, como o recente “Tout Tintin” (Casterman), que compila as 24 histórias num único tomo de 1694 páginas.
Isto, a par do filme (ver caixa) e da inauguração do Museu Hergé, marcada para 22 de Maio, data do 101º aniversário do nascimento do pai de Tintin. Situado em Louvain-la-Neuve, na Bélgica, foi desenhado com a forma de um prisma, quase sem ângulos rectos, que parece flutuar, pelo arquitecto francês Christian de Portzamparc. Com fortes preocupações ambientais, ao nível do aquecimento, tratamento do ar e poupança de energia, o edifício com 6 700 m2 de superfície, divididos por quatro andares, acolherá o espólio da Fundação Moulinsart, sendo a parte museológica concebida pelo autor holandês Joost Swarte.

[Caixa]

Um filme atribulado

A vontade de Steven Spielberg adaptar Tintin levou-o a conversar com Hergé sobre o assunto, tendo adquirido os seus direitos cinematográficos logo em 1983, adivinhando alguns a sua sombra em Indiana Jones, nomeadamente no espírito de aventura pura que percorre os filmes e nalgumas cenas de acção.
Em 2007, após acordo com os herdeiros de Hergé, Spielberg anunciou uma trilogia com actores de carne e osso, em parceria com Peter Jackson, devendo o primeiro filme, dirigido por si e baseado no diptíco “O segredo da Licorne”/”O Tesouro de Rackham o terrível”, estrear em 2008. O segundo filme, dirigido por Jackson, seria baseado em “As Sete bolas de Cristal”/”O Templo do Sol”, juntando-se os dois para a realização da última película, sobre “Rumo à Lua”/”Explorando a Lua”.
Só que, as dificuldades para conseguir os 130 milhões de dólares de financiamento necessários para o projecto (pouco atractivo para o mercado norte-americano onde Tintin não vingou), atrasaram-no sucessivamente, estando agora previsto o início das filmagens para Fevereiro e a estreia em 2010.
Isso inviabilizou a participação de Thomas Sangster, como Tintin, onde ainda só estão confirmados Andy Serkis, como Capitão Haddock, e Nick Frost e Simon Pegg para interpretar a dupla Dupont & Dupond, (surpreendentemente) transformada numa espécie de Bucha e Estica de formas moderadas…


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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25 anos sem Hergé

Mais de 30 anos depois da sua última aventura, Tintin continua a marcar a actualidade; Original de “Tintin na América” vai a leilão por 300 000 euros; Abertura do Museu Hergé e filme com actores de carne e osso assinalarão os 80 anos do repórter em 2009

Na capa do jornal “Libération” de 4 de Março de 1983, inspirada na capa de “Coke en stock” (“Carvão no Porão”, na tradução portuguesa) era anunciada “A última aventura de Tintin”, e, na metade inferior, a vinheta circular, aberta no fundo negro, mostrava Tintin caído na neve do Tibete e Milu a uivar, anunciando: “Tintin morreu”. No interior, todas as notícias eram ilustradas com vinhetas da obra máxima de Hergé – aparecida pela primeira vez a 10 de Janeiro de 1929, nas páginas do “Le Petit Vingtième” -, mas era o seu falecimento, na véspera, que dominava a actualidade. A leucemia, na época apontada como sua causa, encobriu o vírus da SIDA, contraído numa das muitas transfusões sanguíneas que fez, a crer na explicação adiantada por Philippe Goddin, um dos maiores especialistas no autor, na biografia que lançou no final de 2007, ano em que se comemorou o centenário do seu nascimento.
Agora, 25 anos após a sua morte e mais de três décadas depois da última aventura do seu herói – “Tintin e os Pícaros” (1976) – Hergé e a sua obra continuam a marcar regularmente a actualidade, mostrando a importância assumida por uma das obras-primas do século XX. Uma das manchetes recentes, anunciava o leilão, a 5 de Abril, da pintura a gouache utilizada na capa original de “Tintin na América” (1931), com o incrível preço base de 300 000 euros!
Os 25 anos da morte do autor ficam indirectamente marcados pelo lançamento de “Tintin à la découverte des grandes civilisations” (edição “Fígaro” e “Beaux-Arts Magazine”), e também de “Tintin transports”, uma nova colecção de modelos à escala, na senda do êxito de “Os Carros de Tintin” (lançada em Portugal, pela Planeta DeAgostini), que reproduz momentos dos álbuns, como Tintin na lancha, rumo à “Ilha Negra” ou na jangada de “Carvão no porão”, com tiragem de apenas 10 000 exemplares, a preços (módicos…) entre os 40 e os 50 euros.
Para 2008, quando Tintin fará 80 anos, há já dois momentos marcantes: a inauguração do Museu Hergé, em Louvain-la-Neuve, e a estreia do primeiro de três filmes com actores de carne e osso sobre o herói de poupa, produzidos pela dupla Steven Spielberg/Peter Jackson. As filmagens começaram dia 27, mas pouco se sabe dele, para além de ser dirigido por James Cameron, basear-se no díptico “O Segredo do Licorne”/”O Tesouro de Rackham o terrível” e contar com Andy Serkis no papel de Capitão Haddock. Alguns sites especializados apontam o nome de Kirsten Myburgh para intérprete de Tintin.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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