Duplo regresso de Yslaire e de “Sambre”
História de amor trágica, narrada em tons sépia com pinceladas de vermelho vivo
Os acasos – editoriais – têm destas coisas e, 20 anos depois, Yslaire ressurge no mercado português em dose dupla: com “Menina Baudelaire” (edição da Ala dos Livros), uma biografia do poeta maldito sobre que escrevi aqui na semana passada, e com este “Sambre V/VI” (Arte de Autor), outro regresso pois, na mudança do século, o primeiro ciclo desta série foi editado em português. Trata-se de uma trágica história de amor entre Bernard Sambre, filho de uma família da província abastada e Julie, uma rapariga do povo, contrariada pela família dele, devido aos olhos vermelhos da jovem, supostamente portadores de uma maldição. Com a revolução de 1848, que conduziu à Segunda República Francesa, como pano de fundo, este ciclo correspondente à “Segunda geração” – que a Arte de Autor vai reeditar em breve – revelava-se uma história forte e violenta, de desfecho trágico, sedutora também pelas pinceladas de vermelho vivo que pintam os olhos de Julie, o cabelo de Bernard e alguns pormenores, por entre o tom sépia dominante.
Agora, reencontramos Julie, 11 anos mais tarde, presa nas cadeias do império francês pela sua participação na revolta, e descobrimos o destino dos seus filhos, uma vez que estava grávida no final do primeiro ciclo.
Se há uma evidente mudança de cenário e o centrar absoluto da trama em Julie, o lado trágico desta série, com o contraste entre ódios profundos e paixões arrebatadas, e o retrato cru e realista da podridão moral de quem detinha o poder e, agora, o sistema prisional francês, profundamente opressivo, desumano e violento, continua a tornar a saga dos Sambre uma narrativa apaixonante e o reencontro com Julie não se faz sem emoção.
Mesmo que se trate de uma nova Julie, desenganada com a vida, desejando a morte que não se atreve a provocar para se reencontrar com Bernard, cujo fantasma nunca a deixou, e vivendo apenas para se vingar.
Deportada à força, supostamente para refazer a vida numa colónia longínqua – mas na prática afastada pelo poder político e a família que continua a odiá-la e a atormentá-la – Julie sofrerá um naufrágio que, parecendo uma tragédia, lhe poderá proporcionar uma nova vida. Resta saber se estará disposta a entreabrir o seu coração ou se a amargura e o ódio acumulados a levarão – de novo – ao abismo.
Sambre V/VI
Yslaire
Arte de Autor
104 p., 27,00 €
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias