Fruto de uma aposta continuada e consistente na promoção da banda desenhada portuguesa, o Festival da Amadora – e consequentemente a época de Outubro/Novembro – tem-se revelado o local ideal para o lançamento de novidades lusas aos quadradinhos.
O que é compreensível porque, no Amadora BD os originais estão expostos e os autores presentes o que potencia a sua divulgação junto dos leitores. E esta é uma realidade quer para as editoras de maior dimensão, quer para os pequenos editores independentes, cuja distribuição se limita depois a lojas especializadas e, eventualmente, a uma ou outra cadeia nacional de livrarias. Este ano não foi excepção, tendo sido lançados quase uma dezena de novos títulos, bem diversos gráfica e tematicamente, a maioria de jovens autores.
A excepção – e talvez o de maior impacto – é “Eternus 9 – A cidade dos espelhos” (ver caixa), mas o de maior potencial fora do círculo da BD é “NewBorn – 10 dias no Kosovo” (ASA), de Ricardo Cabral, uma espécie de foto-reportagem desenhada. Numa ténue fronteira entre a sequência narrativa e a ilustração, é fruto de uma estadia do autor no Kosovo e traça um retrato mais humano – e, por isso, mais real – do país e da sua situação, para lá dos estereótipos veiculados pela comunicação social.
Também com fundo político é “Agentes do C.A.O.S. – A conspiração Ivanov” (Kingpin Comics), de Fernando Dordio, Filipe Teixeira e Mário Freitas, cuja acção decorre em 1981. Tendo as FP 25 de Abril como pano de fundo, é uma movimentada história de acção, vingança e espionagem, que envolve operacionais da polícia portuguesa e mafiosos russos.
Bem mais intimista é a proposta de Paulo Monteiro, também director do Festival de Beja, em “O amor infinito que te tenho e outras histórias” (Polvo), colectânea, com alguns inéditos, de cariz autobiográfico e poético, onde o traço fino e os tons cinzentos salientam os sentimentos.
Diverso é o projecto colectivo Zona que tem por “objectivo desenvolver e divulgar a BD e a ilustração em Portugal”, que apresentou na Amadora o seu sexto tomo em ano e meio, “Zona Negra 2”, que tem o terror como tema aglutinador e o preto e branco como veículo para fortalecer “o ambiente obscuro do seu conteúdo”.
Também colectiva, da autoria de Álvaro Áspera e Marta Portela (argumento) e António Brandão, João Martins, Pedro Alves, Pedro Colaço, Pedro Serpa e Ricardo Cabrita (desenhos), mas de carácter institucional é “Sete histórias em busca de uma alternativa”, uma edição do Grupo para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL) do Ministério da Justiça, que reúne uma série de histórias em torno dos serviços públicos, ao mesmo tempo que homenageia personagens e autores da banda desenhada portuguesa.
Diferente, no propósito e na forma, é o “BDJornal” #26 (pedranocharco), uma publicação semestral que alia à publicação de BD, artigos de crítica e análise, que neste número destaca Dinis Conefrey e Fernando Relvas.
Apresentados no festival, onde têm exposição, mas ainda não disponíveis embora estejam anunciados para breve, surgem dois outros títulos: “É de noite que faço as perguntas” (Gradiva), uma narrativa ficcionada dos acontecimentos que levaram à implantação da República, escrita por David Soares e desenhada por Richard Câmara, Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho e Daniel Silvestre Silva, e “O Menino Triste – Punk Redux” (Qual Albatroz), um passeio semi-autobiográfico pelas origens, valores e ideias por detrás do movimento Punk, em Londres, em 1976.
São, sem dúvida, um lote de propostas diversificadas que mostram que a BD portuguesa existe e está à procura do seu público.
[Caixa]
O regresso de Eternus 9
Nascido nas páginas da mítica revista Visão, que, animada pela revolução de Abril, agitou as águas da BD nacional no verão quente de 1975, “Eternus 9 – Um filho do cosmos”, um complexo relato filosófico e de ficção-científica, seria suspenso ao fim de 6 números, surgindo em 1979 em forma de álbum (reeditado em 2009).
Agora, 35 anos depois, Eternus 9 regressa em “A cidade dos espelhos” (Gradiva), a sequela que Victor Mesquita há muita anunciara, e nela “um portal caleidoscópico atravessa um mundo cujo coração é Lisboa, depois da Guerra Nuclear que transfigurou a face do planeta e fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem”.
É o segundo tomo de uma trilogia que se concluirá com “Cidadela 6” que Victor Mesquita resumiu já ao JN: depois de “dois volumes que respiram uma certa serenidade contextual”, encontraremos “um universo de grande violência e denúncia dos aspectos mais crus que se vivem nas sociedades de hoje, onde se constatará que até os santos são humanos e como tal muitas vezes saem dos limites da santidade”.
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias