Charles Baudelaire revisitado em BD
De regresso ao mercado português, Yslaire conta a sua vida pelos olhos da sua amante
O tema não era fácil nem a obra poderia ser ligeira, mas biografar Charles Baudelaire em banda desenhada comportava riscos óbvios. Bernard Yslaire, que assim regressa ao mercado português com este “Menina Baudelaire”, sai-se muito bem da tarefa a que se propôs, reflectindo a vida atribulada e a inquietação permanente em que viveu o autor de “As flores do mal”.
Partindo da sua morte, em 1867, Yslaire retrocede mais de meio século, até à sua infância, partindo daí para traçar um retrato vigoroso da forma como Baudelaire viveu. Fá-lo, no entanto, por interposta pessoa, especificamente Jeanne Duval, a sua amante, a sua Vénus negra, a sua única e verdadeiro paixão, aquela que o acompanhou enquanto ele quis e que a ele sempre voltou, em especial nos momentos de desânimo, de perda ou de desequilíbrio. É ela que, numa longa missiva dirigida à progenitora do poeta, a quem tenta explicar a intensidade da relação que mantiveram, partilha com os leitores os extremos que balizaram a vida de Baudelaire, entre a boémia a criação frenética, as dívidas constantes e os pedidos de crédito, a companhia de outros criadores – Delacroix, Banville, Nadar… – a pesada herança da sífilis e os efeitos devastadores da medicação com que a combatia que contribuíram decisivamente para a sua decadência acelerada.
Mais do que a biografia única do poeta, bem pode dizer-se que Yslaire traça uma dupla biografia, a dele e de Jeanne, de tal forma em tantas ocasiões foram um só ou se submeteram um ao outro, com um traço realista solto e desenvolto, pontualmente atravessado pelo imaginário dele… e dela, em visões avassaladoras ou pesadelos tornados realidade, que contribuem para tornar mais tortuoso e incómodo um retrato que, aqui e ali, inevitavelmente, roça a provocação e a vontade de chocar, espelhando assim a vida libertina do poeta maldito, cuja obra só pode ser publicada integral e livremente, quase um século após a sua morte.
É a realidade dos tempos que correm – os anos recentes – mas nem por isso se deve passar ao lado. As edições portuguesas apresentam hoje a mesma qualidade superior em termos de papel, impressão ou encadernação, que em tempos invejávamos às originais francófonas , e chegam aos leitores nacionais com pouco ou nenhum atraso em relação a elas, como acontece com, este “Menina Baudelaire”, mais uma belíssima edição da Ala dos Livros que potencia e exibe como merece a obra de Yslaire.
Menina Baudelaire
Yslaire
Ala dos Livros
160 p., 32,00 €
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias