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Tinham razão em revoltar-se

De 1968 a 1978, uma década quente em França
Dominique Grange, com desenho de Tardi, traça retrato autobiográfico de militantismo político

Não acredito em ‘leituras de Verão’ nem em ‘aproveitar as férias’ para ler. Quem lê, lê o ano todo; quem não lê, aproveita o tempo livre para descansar e se divertir. Por isso e porque o meu tempo da sua leitura foi agora, trago hoje “Elise e os novos partisans”, uma banda desenhada que é tudo menos ‘leitura de Verão’ na comum acepção facilitista desta designação.
Obra auto-biográfica, mesmo que não intensiva mas militante, este álbum, com a assinatura gráfica do grande Jacques Tardi, companheiro de Dominique Grange, narra uma década da vida desta cantautora e activista política. Mas não uma década qualquer, antes a que mediou entre os anos de 1968 e 1978, dos mais quentes que a França viveu socialmente no pós-II Guerra Mundial.
A Elise do relato é, assim, o alter-ego de Dominique Grange e com ela vamos acompanhar a doutrinação política feita por voluntários por toda a França, os desafiadores debates entre camaradas, os sucessivos levantamentos populares, das lutas pela auto-determinação da Argélia às revoltas estudantis, dos combates por melhores condições de trabalho nas fábricas, nas minas e um pouco por toda a parte à explosão de inúmeos movimentos políticos, à esquerda e à direita. Movimentos, greves, manifestações, ocupações, que valeram resposta violenta e brutal por parte das forças policiais, prisões arbitrárias, maus tratos, bastonadas, pontapés, insultos, gestos racistas letais em contraste com o peso e valor da solidariedade pura e genuína.
Em quase duzentas páginas de banda desenhada, em que a acção e as reacções se sucedem a um ritmo frenético, sem tempo para parar, meditar ou reflectir, Grange expõe a sua experiência, partilhando o que sucedeu um pouco por todo o hexágono e as notícias, animadoras ou frustrantes, que chegavam do Vietname, da Argélia, do Chile ou até de Portugal, com a queda de algumas ditaduras ou a instituição de outras, num relato intenso que soa estranho e, por vezes, até surreal, enquanto retrato de um tempo que já não vivemos e que nos parece quase pouco credível.
…quando afinal hoje, se bem que por motivos diferentes, aqui e ali e de forma tão evidente em França, a brutalidade policial, a repressão, o racismo e a xenofobia continuam e estes ecos de há meio século continuam a ressoar.

Elise e os novos partisans
Dominique Grange e Jacques Tardi
Ala dos Livros
176 p., 29,90 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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