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O pequeno problema das últimas semanas

A difícil gestão de sentimentos ao lidar com a perda
Primeiro romance gráfico da portuguesa Joana Mosi aborda a questão do luto

Júlia é trintona, professora de educação física, vive na antiga casa da avó, junto à praia e tem um problema: um mangusto – supõe ela – que apareceu no seu jardim e destruiu a pequena horta caseira que tinha começado.
Este é o resumo, tão intrigante quanto desconcertante, de “O mangusto”, o primeiro romance gráfico da portuguesa Joana Mosi, editado pelo colectivo A Seita.
Porque, na realidade, “O mangusto” é um mergulho no íntimo de Júlia e na forma como ela está a gerir – ou não – o luto relativo à perda do seu marido Paulo. Um luto que a torna quase invisível aos olhos do irmão Joel, mais novo e game designer, que vive com ela desde que ficou desempregado e passa o dia a jogar videojogos; que torna irritante a relação com a mãe protectora e todos os seus conselhos; que a faz cumprir de forma intermitente as responsabilidades profissionais na escola em que está colocada. Em resumo, um estado de negação, que a afasta de tudo e de todos, e em que a passagem do tempo não torna menos dolorosas as recordações em que teima em refugiar-se – ou afogar-se. E de que tenta fugir, ao tornar quase obsessiva a questão do eventual mangusto, problematizando-a e fugindo às eventuais soluções.
Se a temática, delicada, não é nova, “O mangusto” seduz pela sensibilidade com que Joana Mosi a aborda e, acima de tudo, pelo tratamento gráfico que apõe ao seu relato, gerindo curtos diálogos, conversas monocórdicas ou silêncios ensurdecedores com uma surpreendente maturidade.
Por outro lado, a narrativa raras vezes é linear, com presente e passado a alternarem, ou com diversos momentos da actualidade a sucederem-se nas mesmas páginas que, dessa forma, assumem vários planos de acção, numa planificação aparentemente indefinida e anárquica que impede a acomodação do leitor.
Devemos atentar em especial na forma como Joana Mosi gere os tempos, o movimento
e a dicotomia som/silêncios, numa narrativa quase sempre lenta, proporcionando uma leitura profunda e detalhalista, apesar da aparente simplicidade do traço utilizado, que se arrasta no tempo, de forma insidiosa, a um tempo próxima e incómoda, pelo modo como transborda sentimentos e emoções de tão difícil gestão.

O mangusto
Joana Mosi
A Seita
184 p., 25,00 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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