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O Mosquito Abriu Asas há 75 anos

A 14 de Janeiro de 1936 chegava aos quiosques portugueses um novo jornal infanto-juvenil. Era o primeiro voo de O Mosquito, “O semanário da rapaziada”, que duraria 17 anos e 1412 números e marcaria de forma indelével os quadradinhos portugueses.

O começo – como toda a sua vida, aliás – foi modesto: apenas oito páginas em formato A4, papel de jornal de fraca qualidade e a presença de uma única cor apenas nas capas e nas páginas centrais. E um preço a condizer: 5 tostões, os oficiais 50 centavos, qualquer coisa como 25 cêntimos nos tempos do euro que hoje vivemos, o que durante muitos anos lhe serviu de bandeira, apresentando-se como “o jornal infantil mais barato”.
Ao leme do insecto, estavam dois dos maiores nomes do jornalismo infanto-juvenil nacional, António Cardoso Lopes, o famoso Tiotónio, já com experiência similar de outras publicações, responsável pelo grafismo, e Raul Correia, que asseguraria grande parte da criação literária da nova publicação, bem como as traduções (livres, quase sempre autênticas novas versões) das bandas desenhadas publicadas. Juntos fizeram de O Mosquito “o primeiro movimento colectivo de rebeldia das crianças em Portugal”, escreve António Dias de Deus em “Os Comics em Portugal” (Cadernos da Bedeteca, Cotovia). Porque, acrescenta, o seu conteúdo fugia às “lindas e bem-formativas revistas, como O Senhor Doutor e O Papagaio”. Por isso, “O Mosquito foi perseguido, confiscado, rasgado, queimado, deitado para o caixote do lixo, anatemizado e esconjurado. Os pais, aparentemente, tinham a razão e a força (…) mas acabaram por perder a guerra”.

Altos voos
E o sucesso foi imediato. Iniciado com uma tiragem de apenas cinco mil exemplares, no auge da sua popularidade atingiu 30 mil, era publicado duas vezes por semana e as máquinas onde era impresso, trabalhavam seis dias por semana, em dois turnos de oito horas!
Combinando novelas ilustradas, textos mais moralistas e bandas desenhadas, recortadas e remontadas, ocupando todos os espaços de cada página, O Mosquito, “o jornal mais bonito”, que ao longo da sua vida mudou de formato cinco vezes e chegou a ter 16 páginas, fez da interactividade com os leitores um dos seus grandes trunfos. Por isso, a par das cartas dos leitores e da publicação das suas fotografias, teve um emblema, multiplicaram-se os concursos, as separatas e as construções para armar. O sucesso crescente levou à criação de colecções paralelas, números especiais, um suplemento para meninas – A Formiga – e emissões radiofónicas, que o fizeram voar atravessando as mudanças de três décadas e de uma guerra mundial.

Histórias memoráveis
Quem leu O Mosquito – quando foi publicado ou anos mais tarde, herdado de pais ou tios – recorda com certeza “Pelo mundo fora…”, “Formidáveis aventuras do grumete Mick, do velho Mock e do cão Muck”, “Jovens Heróis”, “O Capitão Bill, o grumete Bell e o cozinheiro Ball”, “Águias da Lei”, “O Capitão Meia-Noite”, “O Gavião dos Mares”, “Pedro de Lemos, Tenente, e o ‘Manel’, Dez Reis de Gente”, “O Voo da Águia”, “Serafim e Malacueco”, “Anita Pequenita” e, sobretudo, possivelmente, as aventuras do Cuto. E desconhecendo, com certeza, que todas elas eram estrangeiras, a maior parte inglesa, com algumas espanholas à mistura. Quase no final, surgiriam também americanas: “Príncipe Valente”, “Terry e os Piratas”, “Tommy, o rapaz do circo”…
Mais tarde, esta colaboração estrangeira seria quase completamente substituída pela produção nacional. O grande sustentáculo da revista, foi então Eduardo Teixeira Coelho (o célebre ETC), que desenhou “Os Guerreiros do Lago Verde”, “Falcão Negro”, “Os Náufragos do Barco sem Nome” ou o mítico “O Caminho do Oriente” (considerado por muitos Os Lusíadas da BD nacional). “A Casa da Azenha” (de Vítor Péon), “Os Espíritos Assassinos” (Jayme Cortez), “O reino proibido” (José Ruy) ou “O Inferno Verde” (José Garcês) são outros títulos que deixaram marca nas páginas de O Mosquito

O último bater de asas
Com o correr dos anos, a chegada de novos concorrentes – O Diabrete, O Mundo de Aventuras, O Cavaleiro Andante -, a saída de Cardoso Lopes, “uma obcecação pela história pátria e pelos clássicos da língua portuguesa”, escreve António J. Ferreira, outro especialista da BD nacional (em O Mosquito nº 1, V série), a revista perde a rebeldia e “fala cada vez menos à imaginação infantil, tornando-se um prolongamento da escola”.
Chegaria ao fim, de forma discreta, já não era “o semanário infantil português de maior tiragem”, a 24 de Fevereiro de 1953. Mas deixara de tal forma a sua marca, que, escreve Leonardo de Sá no recém-lançado “Dicionário Universal da Banda Desenhada – Pequeno Léxico Disléxico”, o termo “mosquito” chegou a ser usado “para designar em Portugal qualquer revista de histórias aos quadradinhos”.

Outros voos
Por isso, também, se compreende que ao longo dos tempos tenha havido várias tentativas de retomar o título – e o fantástico e o maravilhoso a ele associados. Em 1960, Eduardo Carradinha e José Ruy, autor na primeira série, deram-lhe uma segunda vida, similar à primeira, que durou apenas 30 números. Um ano depois, nova tentativa de renascimento, teve apenas quatro números, mais longa mesmo assim que o número único de prospecção lançado em 1975.
Já nos anos 80, albergando sob as suas asas o melhor da BD europeia de então a par da recuperação de alguns clássicos, O Mosquito voou de novo, durante uma dúzia de números e um Almanaque natalício, na sua última ressurreição. Até hoje.

Quanto vale O Mosquito?
Apesar da sua idade e longevidade, ainda hoje surgem colecções completas de O Mosquito, que podem valer até 7500 euros. O alfarrabista José Vilela, estima que existirão umas 50 no total, mas Alberto Gonçalves, da Timtim por Timtim, refere que, com alguma paciência, gastando mais um pouco, através da internet e procurando em alfarrabistas, é possível completar uma colecção num prazo de um ou dois anos.
Os números mais difíceis, para além dos primeiros, mais antigos, e dos últimos, que tiveram menor tiragem e distribuição, são os que correspondem às mudanças de formato, pois estragavam-se com mais facilidade. Quase impossível, é encontrar as diversas separatas e construções que a revista ofereceu.
De qualquer forma, como este tipo de coleccionismo está geralmente associado à recordação das leituras de infância, são cada vez menos aqueles que ainda procuram O Mosquito.

O Mosquito em números
17 anos (1936-1953)
1412 números
1512 bandas desenhadas curtas
250 bandas desenhadas em continuação
381 contos
425 cartas do Avozinho
180 números de A Formiga (suplemento para meninas)
Tiragem inicial: 5000 exemplares
Tiragem máxima: 30 000 exemplares (duas vezes por semana)
Tiragem no final: 7000 exemplares

José Garcês e José Ruy: autores de O Mosquito relembram revista

Dos muitos desenhadores a quem O Mosquito serviu de escola e de montra, restam quatro: António Gomes Ferreira, Servais Tiago, José Garcês e José Ruy. Os dois últimos, na casa dos 80, continuam a fazer dos quadradinhos o seu dia-a-dia, tendo álbuns programados para o primeiro semestre deste ano.
Em comum, têm também o facto de terem sido leitores d’O Mosquito antes de nele trabalharem. Ruy, que tinha cinco anos quando tomou “contacto com esse tipo de narrativa”, ficou fascinado: “O Mosquito, pelos enredos e pela diversidade de temas, era uma janela aberta para um mundo que os miúdos desconheciam”. Já Garcês, descobriu a revista pelas “construções de armar”, atribuindo o seu fascínio à qualidade “das espantosas bandas desenhadas inglesas, o melhor que havia na altura, ficção muito bem contada e desenhada”.
Desse tempo de leitores, evocam os (futuros) colegas nacionais: Eduardo Teixeira Coelho, Vítor Péon, e, na escrita, Raul Correia e José Padinha; dos espanhóis, em especial Emílio Freixas e Jesus Blasco.
Ruy, que começara no Papagaio aos 14 anos, entrou n’O Mosquito para fazer “a litografia das cores do jornal, legendas e ilustrações” e chegou a ajudar “o Tiotónio na máquina de impressão”, tendo publicado uma única BD, O reino proibido, iniciada no nº 1352.
Quanto a José Garcês, depois de uma passagem pelo Pluto, fez mais cedo a sua estreia “n’O Mosquito, no nº 762, com O Inferno Verde”. Dessa época, recorda “o contacto com grandes autores e a disciplina que criou”, enquanto Ruy evoca “a vertigem que era trabalhar lá, sem rede nem margem para errar”.
Garcês tem como “primeira memória d’O Mosquito, uma visita às oficinas, ainda estudante”, de que guarda “ainda uma prova impressa a partir de um desenho feito para uma chapa de off-set”. Ruy, recorda “um episódio divertido e inusitado: a captura de uma ratazana, das muitas que lá havia, para servir de modelo vivo para uma BD”. Só que, “feitos os desenhos, faltou coragem para matar a bicha; pintou-se-lhe a cauda com tinta de impressão encarnada, mas nunca mais deu notícias”!
Curiosamente, nenhum dos dois possui a colecção da revista. Comenta José Ruy: “em casa de ferreiro, espeto de pau”!

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Histórias de Portugal em Banda Desenhada

O relato da(s) História(s) de Portugal e dos portugueses, uma das poucas temáticas permitidas à BD portuguesa pela censura durante os anos da ditadura, continua a ser um nicho explorado por alguns autores face a um mercado com diversas limitações.

O nascimento da banda desenhada realista, com a publicação nos EUA de “Tarzan” e “Buck Rogers”, em Janeiro de 1929, teve reflexos nos autores portugueses que a experimentaram, seguindo alguns dos modelos ingleses e norte-americanos vistos em revistas como “O Papagaio”, “O Mosquito” ou “O Diabrete”. No entanto, progressivamente, as limitações que a censura impunha, obrigaram-nos a optar quase sempre pelas temáticas que exaltavam o amor à Pátria e os feitos dos heróis portugueses. Por esse motivo, muitos heróis seriam “nacionalizados”: entre outros, Michel Vaillant foi rebaptizado Miguel Gusmão, Rip Kirby virou Rúben Quirino e Flash Gordon passou a Capitão Relâmpago. Por isso, nos anos 40 e 50, os criadores lusos adaptaram clássicos da literatura, narraram episódios históricos ou fizeram deles (re)leituras ficcionadas (mas fiéis), em títulos como “O Caminho do Oriente” (a viagem de Vasco da Gama à Índia, vista pelos olhos de um miúdo, de E. T. Coelho e Raul Correia), “O Falcão” (a resistência à invasão napoleónica, de José Garcês), “Serpa Pinto” (de Fernando Bento) ou “A peregrinação de Fernão Mendes Pinto” de (José Ruy).
Curiosamente, terminada a ditadura, alguns autores nacionais optaram por manter esse registo, por ser uma área em que se tinham especializado e na qual não tinham a concorrência estrangeira – cujos quadradinhos ficcionais sempre chegaram ao nosso mercado a custos (bem) mais convidativos para os editores. Entre eles, contam-se José Ruy (cujos 25 anos da sua adaptação dos “Lusíadas em BD” foram recentemente assinalados com uma edição integral, pela Âncora Editora) e José Garcês (autor da “História de Portugal em BD”), ambos há mais de seis décadas ligados aos quadradinhos.
Nos últimos anos, explorando uma outra vertente, têm-se multiplicado histórias em banda desenhada de vilas e cidades – Guarda, Gouveia, Fornos de Algodres, Pinhel, Faro, Ourém, Penamacor, Oliveira de Hospital, Penamacor, Amadora, Paredes, Penafiel, Sabugal… – quase sempre com o apoio (ou mesmo edição) dessas autarquias, que distribuem os livros pelas escolas e bibliotecas locais – mas raramente nas livrarias, o que os torna inacessíveis ao leitor habitual.
Neles, a par dos veteranos citados, encontram-se João Amaral, José Pires ou Baptista Mendes, todos ligados a um registo realista clássico, mas também autores da nova geração, como Manuel Morgado ou Ricardo Cabrita, o que parece provar que este é um caminho que vale a pena trilhar, quanto mais não seja porque lhes permite trabalhar na arte que escolheram como sua.

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Portugal aos quadradinhos

Este ano houve já diversas edições evocativas dos acontecimentos que fizeram das localidades o que elas são. A sul, a “História de Olhão”, de José Garcês, narra os momentos mais marcantes da localidade, a propósito dos 200 anos da sua elevação a vila e da revolta contra as tropas napoleónicas.
Subindo no mapa, do Alentejo, chegam “Salúquia – A Lenda de Moura em Banda Desenhada”, que tem a particularidade de reunir dezena e meia de versões do mesmo conto, em registos que vão do realismo mais tradicional ao humor ou à sua transposição para outras épocas, e o recente “O Crime de Arronches”, a adaptação por Eugénio Silva da obra literária homónima de 1924 de Henrique Mendes de Mendonça. Em Tomar, foi lançado “Fernando Lopes-Graça – Andamentos de uma vida”, de Ricardo Cabrita, que conta de forma sóbria (um)a biografia do maestro, compositor e musicólogo, a propósito dos 100 anos do seu nascimento.
Com um salto para Norte, encontramos “História de uma Língua e de um Povo”, uma abordagem histórico-ficcional da origem da língua mirandesa, feita por José Ruy e Amadeu Ferreira, editado em português e… mirandês. Mais perto do litoral, nasceu um projecto diferente, pequenos livros de apenas oito páginas, criados por Sara Coelho, Rui Alves e Teresa Cardia, sobre figuras históricas/lendárias do Alto Minho, que, no final, serão reunidos num único álbum; o primeiro, dos dez previstos, editado pela edilidade de Monção, foi dedicado a Deu-La-Deu Martins.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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