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Os horríveis anos oitenta…

Música, drogas e seitas numa a ficção sociológica de tom policial
Ed Brubaker e Sean Phillips levam-nos a 1985, numa história violenta e sórdida

“Amigo do Diabo”, segundo volume da série “Reckless”, acabado de editar em português pela G. Floy, de alguma forma combina a autobiografia, por força do regresso do argumentista Ed Brubaker às suas próprias recordações, com a ficção sociológica de tom policial, devido ao mergulho num passado colectivo que pertence a todos os que viveram os horríveis anos 80…
A música (sem a adequada adjectivação…) com “grandes cabeleiras, teclados barulhentos e caixas de ritmos”, as “drogas rascas”, a violência skinhead, as seitas, os cultos… atropelam-se naturalmente num relato que, pela forma como está construído, num discurso em voz off do protagonista, estabelece laços connosco, leitores, e leva a que nos embrenhemos nele, sentindo-nos parte integrante do mesmo, ainda que apenas como meros espectadores… ou voyeurs.
Ao lado de Brubaker, um dos melhores escritores de policiais aos quadradinhos da sua geração, está de novo, inevitavelmente, Sean Philips, mas desta vez o seu traço realista característico surge mais descuidado no tratamento da figura humana, mas continua a servir de base para um retrato duro e credível de uma época que Brubaker aponta como inútil e “uma fase horrível para (…) o mundo à nossa volta”.
Isso não impede que a leitura seja aliciante, ritmada e entranhável pelo modo como os capítulos se sucedem, com os respectivos títulos de alguma forma a surgirem ‘naturalmente’ nas pranchas, eliminando os hiatos – físicos e temporais – entre as cenas, quase nos levando a acreditar que, se fosse cinema, era narrado num único take.
E, na verdade, é (também) de cinema que “Amigo do Diabo” trata, pois é nele e devido a ele que tudo começa e termina – enquanto somos levados pelo protagonista na busca de uma jovem desaparecida anos antes nos palcos de Hollywood e nos seus cantos mais esconsos, entre sonhos de grandeza no grande ecrã e o choque frontal com a realidade de um mundo feito de ilusões e pródigo em destruí-las.
E com Ethan Reckless, mais uma vez em busca de auto-redenção e de fazer a diferença para alguém, a sentir-se obrigado a ser protagonista activo no desfecho final que apenas exacerba a violência física e psicológica que perpassa por todo o relato.

Reckless #2: Amigo do Diabo
Ed Brubaker e Sean Phillips
G. Floy
144 p., 20,00 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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