À imagem dos super-heróis de papel

Sátira e homenagem às personagens dos quadradinhos
O Corvo, criação de Luís Louro, surgiu há quase 30 anos e é um dos poucos heróis recorrentes da BD nacional

Há quase 30 anos, em 1994, para ser exacto, a banda desenhada portuguesa assistia ao nascimento do Corvo na colecção “Estórias de Lisboa”. Prevista como história única, tinha como protagonista um adolescente lisboeta órfão, seduzido pela utopia do mundo dos super-heróis de que se alimentava nas revistas de quadradinhos, apostado assim em esquecer o mundo real, assustador e triste em que vivia. Com passeios arriscados pelos telhados de Lisboa, com o seu companheiro Robim – uma bicicleta… – dando largas ao seu ódio a pombos e gaivotas, tentava desta forma emular a acção daqueles que admirava, numa narrativa em tom descontraído mas desencantado, entre o drama e a ternura, que fazia do Corvo, alter-ego do jovem Vicente, mais um herói de pacotilha do que um verdadeiro super-herói.
Mas a verdade é que ele agradou aos leitores que foram pedindo novas histórias e assim, três décadas depois, são já 6 os tomos em que Luís Louro foi explanando as desventuras do pretenso super-herói, o mais recente dos quais “O Silêncio dos Indecentes”, teve edição da Ala dos Livros. Progressivamente, construiu-lhe um universo próprio, com personagens recorrentes, deu-lhe um passado que se reflecte no seu presente, dotou-o de formas específicas de estar e de agir e fez dele um dos raros heróis com continuidade na banda desenhada nacional.
O que significa que, a cada novo álbum, com a habitual planificação arrojada e o desenho anguloso e dinâmico, encontraremos uma personagem bem definida, embora perdida dentro de si mesmo, dos seu sonhos e obsessões, aqui e ali uma alusão brejeira, e soluções inesperadas para situações bem típicas do quotidiano dos super-heróis de verdade, os de papel.
E enquanto narra as aventuras e os desvarios de Vicente e/ou do Corvo, Louro vai-nos mostrando uma Lisboa que se por um lado é típica e tradicional, por outro é também subterrânea, esconsa e sombria, habitada por vilões que têm mais de imbecis e frustrados do que de malvados. A par deste retrato urbano, aproveita igualmente para deixar algumas provocações sobre temas actuais fracturantes e sensíveis, contrapondo a esse tom mais reflexivo piscadelas de olho bem-dispostas aos mundos dos quadradinhos, os dos álbuns e revistas e o da BD portuguesa.

O Corvo VI – O silêncio dos indecentes
Luís Louro
Ala dos Livros
64 p., 17,75€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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