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Heróis do fumetti perdem Carlo Ambrosini

Desenhou Dylan Dog e Tex e foi o criador de Napoleone e Jan Dix

O desenhador italiano Carlo Ambrosini, conhecido pelo seu trabalho em Dylan Dog, Napoleone ou Jan Dix, faleceu ontem aos 69 anos, na sequência de problemas de saúde que se vinham a agravar.
Natural de Brescia, onde nasceu a 15 de Abril de 1954, descobriu a banda desenhada em criança. Com inclinação para o desenho, seguiu uma formação artística que concluiu com um diploma em pintura na Academia de Belas Artes de Brera, com a ideia de se dedicar a esta arte, usando eventualmente a ilustração como meio de subsistência.
No entanto, era a banda desenhada que esperava por ele e assim, em meados dos anos 70, estreou-se nas páginas de “Dardo”, uma série de temática bélica, trabalhando depois para as editoras Ediperiodici e Editoriale Corno.
Segundo o próprio Ambrosini, no entanto, “a estreia a sério em BD” aconteceu em Janeiro de 1980, quando foi publicado “Pellerossa”, no número 26 de Ken Parker, a primeira de uma dezena de participações neste western de contornos humanistas.
Dono de um traço fino e realista, Ambrosini foi capaz de o adaptar a diversos géneros. Desta forma, nos anos seguintes alternou o western com o relato histórico medieval em “Nico Macchia”, até que em 1987 se estreou na Sergio Bonelli Editore, com “Channel 666”, décimo-quinto tomo de Dylan Dog, um misto de policial e terror em ambiente contemporâneo londrino, cuja equipa criativa passou a integrar.
Para esta personagem, desenhou “O Imenso Adeus” (1995), a sua única obra publicada em Portugal, pela cooperativa editorial A Seita, antecipando a sua visita ao Coimbra BD 2020, que não se realizaria devido à Covid-19, sendo a visita do autor ao nosso país concretizada no ano seguinte, no Festival Internacional de BD de Beja. Escrito por Tiziano Sclavi, “O Imenso Adeus” é uma bela história de amor, triste, melancólica e onírica, em que Dylan reencontra uma paixão da juventude.
Com o passar dos anos, Ambrosini começou também a escrever os argumentos do Detective do Pesadelo, mas em 1997 decidiu entregar-se completamente a uma criação pessoal, “Napoleone”. Graficamente inspirado em Marlon Brando, Napoleone é um investigador que privilegia a reflexão em lugar da acção, num registo de policial negro, influenciado pela pintura e por alguma literatura da Europa Central, e com um toque de fantástico.
O seu segundo grande projecto pessoal seria “Jan Dix”, em 2008, uma dupla homenagem ao pintor abstrato Jackson Pollock e ao actor Jeremy Irons. Consultor de arte no Rijksmuseum de Amesterdão, Dix ocupa-se da aquisição, recuperação e busca de obras de arte.
Da sua bibliografia, onde constam igualmente volumes das colecções “Le Storie” e “Il Confine”, surge como ponto alto o convite para desenhar um “Texone” (Tex Gigante), proposta reservada apenas a grandes nomes da banda desenhada mundial. Foi dessa forma que 2005 assistiu à publicação de “O Preço da Vingança”, um western de contornos tradicionais. A história escrita por Claudio Nizzi começa pela perseguição de um bando de índios rebeldes responsáveis por acções violentas, instrumentalizados por brancos interessados em se apossarem de terrenos que têm ouro, mas em paralelo irá surgir uma história mais humana sobre uma de vingança adiada, que culminará num duelo dramático e de desfecho surpreendente. A história foi trabalhada superiormente por Ambrosini que, assim, comprovou o carácter camaleónico do seu traço e a sua capacidade de representar qualquer tipo de ambiente.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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“Sou um contador de histórias”

Palavras de Fernando Relvas, nome grande da BD portuguesa, a residir na Croácia; Autor auto-editou recentemente diversos títulos pelo sistema “print on demand”; São crónicas de viagem em que combina texto, desenho e fotografia

O nome próprio é Fernando, mas foi pelo sobrenome de Relvas que se tornou conhecido, como um dos mais notórios autores de BD nacionais. A partir de 1978 na revista Tintin, com “L123”, “Cevadilha Speed” ou “O Espião Acácio”, depois no semanário “Se7e”, onde se perderam (para a posteridade) obras marcantes para uma geração como “Concerto para Oito Infantes e um Bastardo”, “Nunca Beijes a Sombra do Teu Destino” ou “Karlos Starkiller”, crónicas urbanas de uma certa marginalidade, feitas de acção transbordante e humor desconcertante, quase sempre na Lisboa onde nasceu em 1954. Nos anos 90, o encontro (finalmente) com os álbuns, revelaram um autor em busca das histórias paralelas da nossa História, que não encontraram o seu público.
Há três semanas, Relvas regressou aos jornais, de forma efémera, com uma prancha no semanário gratuíto “Mundo Universitário”, no espaço coordenado há dois anos por Geraldes Lino, que o foi desinquietar na Croácia natal da sua mulher, onde reside “porque a certa altura se tornou óbvio que não estávamos a fazer nada em Portugal”. E sem rumo certo, como muitos dos heróis de papel que criou, “assim que surgir uma boa oportunidade, partiremos”. Porque, “como aí, os editores também são timoratos e com pouca imaginação e arrastam-se em promessas sem concretização”, o que o fez procurar alternativas, que encontrou “num artigo do “The Guardian”, sobre o site lulu.com” e o sistema “print on demand” (POD) (ver caixa). “Não me pareceu que perdesse algo em experimentar. O sistema é prático, a impressão boa, o prazo de pagamento rigorosamente respeitado”. Mas, “para o tornar rentável é preciso investir na promoção…” Por isso está ainda “em fase experimental”, não excluindo a hipótese “da edição clássica, que o POD, uma ferramenta útil, não substitui”. Assim, no lulu.com, entre milhares de propostas, estão as mais recentes experiências narrativas (ver caixa) do “contador de histórias que sou. Se é a banda desenhada que me permite fazê-lo melhor, então serei autor de banda desenhada”. Mas “não tem sido o caso nos últimos anos, pois cansei-me de desenhar e só encontrei sossego quando comecei a escrever mais e a desenhar menos”.
Banda desenhada (será?) onde tem “misturado tudo” – texto, desenho em computador, fotografia… – “como em Costa” ou na página do “Mundo Universitário”.
Estas obras, bem como as experiências que vai partilhando no seu blog (http://hardline-approach.blogspot.com)“, surpreendentemente são todas em inglês, “o que não foi fácil, porque gosto de escrever em português. Mas colocar publicações on-line só para leitores de língua portuguesa numa pareceu-me fraca iniciativa”. Depois, “comecei a achar graça à língua inglesa”, embora não ponha de parte o regresso à língua materna “se a procura o justificar ou surgir uma proposta séria dum editor português”, até porque “é uma língua que eu conheço bem!”.
Os seus projectos são “continuar a contar histórias, só não garanto que em BD. A experiência no Lulu reaproximou-me do desenho, mas tenho ali uns ficheiros de Word que me chamam com insistência…”

[Caixa 1]
Os novos títulos
Fernando Relvas tem disponível no lulu.com cinco títulos, aqui resumidos pelo autor:

“O Urso vai a Espanha”
Acabada de escrever em 2005, é a minha primeira novela. Inspirei-me no ambiente de uma BD feita cinco anos antes. No centro da história, que tem os mesmos elementos de movimento e rapidez duma BD, um simples mas estranho mistério que envolve um frete marítimo. É para ser lida entre dois pontos de uma viagem e é uma mistura de argumento de BD com crónica de viagem.

“Costa”, 1 e 2
Histórias curtas, relatos das viagens, aventuras e trabalhos de Costa, um marinheiro reformado que se entrega aos excitantes prazeres da cozinha, da pintura e do desenho, e dos encontros com misteriosas mulheres.

“Palmyra”
Segunda versão duma história concebida para ser publicada em Portugal em 2000, a sua acção passa-se em Lisboa, junto ao Tejo, algures entre um passado próximo e um vago futuro. Nela uma bióloga, Jau, é perseguida ao recusar-se colaborar num projecto sobre peixes transgénicos.

“Ink flow”
Histórias com poucas palavras e muita tinta, feitas sem esboços preparatórios, para ler com o texto em fundo, enquanto se acompanha o fluir da tinta.

[Caixa 2]
Print on demand
O sistema “print on demand” (POD) apresenta, à partida, dois atractivos: não implica investimento inicial e não gera stocks. O POD assenta num princípio simples: o autor entrega ao site a obra acabada (BD, livro, CD, DVD, etc.) em formato digital, e este coloca-a disponível para ser encomendada on-line, só imprimindo cada exemplar à medida que vai recebendo encomendas. O preço de custo tem por base o custo de fabrico do produto, ao qual o autor acrescenta a margem que desejar, sendo que o site fica com uma percentagem da mesma (entre os 10 % e os 25 %). Uma vez colocada a encomenda, o produto é fabricado, devidamente acondicionado e expedido para casa do comprador, que o recebe até três semanas depois.
Principal senão: toda e qualquer promoção fica a cargo do autor, que, no entanto, em qualquer momento pode retirar a obra do site ou introduzir as alterações ou correcções que ache necessárias, bem como consultar o número de exemplares já vendidos.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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