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“Pantera Negra”: mais do que um filme de super-heróis

“Pantera Negra”, o 18.º filme do Universo Cinematográfico Marvel, que estreia hoje em Portugal, tem tudo para surpreender aqueles que esperam apenas mais um filme de super-heróis.

Para lá das inevitáveis – e bem conseguidas – cenas de acção, é uma reflexão sobre a ascensão, queda e perpetuação no poder dos governantes no continente africano e pela oposição entre tradição e progresso, tendo como personagem central Wakanda, um país imaginário e tecnologicamente desenvolvido devido às suas jazidas de vibranium, um metal muito valioso. Para além disso, o argumento, co-escrito pelo realizador Ryan Coogler e por Joe Robert Cole, aborda outras questões sensíveis como a situação da mulher – não só em África… – e a cooperação internacional.

Quem lhe dá nome é o primeiro super-herói negro da banda desenhada, criado em 1966 por Stan Lee e Jack Kirby, que, depois da sua participação nos eventos de  “Capitão América: Guerra Civil”, regressa a casa para assumir o trono, algo que não é consensual, nem na sua própria família, nem entre o seu povo, nem para ele próprio, dividido entre a responsabilidade e o desejo de uma vida normal. Ao lado de T’Challa, o Pantera Negra (interpretado por Chadwick Boseman), estão a irmã Shuri (Letitia Wright), Nakia (a premiada Lupita Nyong’o), alvo do seu interesse amoroso e membro da sua guarda pessoal feminina, as Dora Milaje, ou Everett Ross, agente da CIA (uma agradável prestação de Martin Freeman), surgindo como opositor Erik Stevens, aliás Killmonger (Michael B. Jordan), seu primo, pretendente ao trono e filho do ladrão de Vibranium que surge na sequência inicial.

Visualmente muito eficaz, com a caracterização de Wakanda equilibrada entre a beleza dos cenários naturais e o avanço tecnológico, em termos da indumentária do protagonista, um fato que se forma em torno de seu corpo, o filme segue o design apresentado na mini-série de BD “Uma nação sob os nossos pés”, actualmente disponível nas bancas e quiosques portuguesas, de temática similar, ou não fosse escrita por Ta-Nehisi Coates um escritor e jornalista norte-americano, activista dos direitos dos afro-americanos. 


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

Surfista Prateado, arauto de um deus maior

Originalmente chamava-se Norrin Radd e vivia num planeta perfeito: sem guerras, doenças, pobreza… Quando Galactus, o destruidor de mundos, ameaçou o seu planeta, para o salvar, aceitou tornar-se arauto desse deus impiedoso e procurar mundos não habitados para ele consumir. Foi assim que chegou à Terra, onde, fascinado pela beleza da sua vida, se atreveu a afrontar o seu senhor, que o castigou exilando-o para sempre neste planeta, onde se esforça por proteger os seus habitantes, embora nem sempre seja compreendido. Mais tarde contornou a proibição, voltando às suas viagens cósmicas, sobre a prancha que controla com a mente.

Este é o Surfista Prateado um dos mais invulgares super-heróis do universo Marvel, marcado pelo destino trágico, o lado místico, a prevalência da defesa da vida acima de tudo e o tom quase religioso das suas aventuras.

Curiosamente, o Surfista foi primeiro imaginado por Jack Kirby , em 1966, quando desenhava aquela que viria a ser conhecida pela “Trilogia de Galactus”, introduzindo-o nas pranchas por achar que um deus tão poderoso precisava de quem o anunciasse. Surpreendeu assim Stan Lee, que o descobriu quando ia escrever os textos definitivos na história, que de imediato se deixou seduzir e lhe proporcionaria uma revista própria dois anos depois, onde brilharia o traço barroco do veterano John Buscema.

Na sua bibliografia há ainda uma improvável BD criada em parceria por Lee e Moebius, nos anos 80.

Na trilogia referida, o Surfista Prateado encontrou pela primeira vez o Quarteto Fantástico – um homem com corpo elástico, uma mulher que se torna invisível, um adolescente que transforma o corpo em chamas e um “homem-monstro” de pele de pedra e enorme força. Criados em 1961 foram a primeira “super-família” da BD e também os primeiros super-seres com problemas reais, conceito que revolucionou os comics da Marvel, transformando-a na principal editora do género. A vivência conjunta das suas diferenças – e a forma de encará-las – está na base de muitos dos seus problemas, mas é também nesta vivência “familiar” que encontram a força e a união com que vencem os adversários que vão surgindo.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

Futura Imagem

A América Latina pintada por Lepage

A Terra sem Mal
Anne Sibran (argumento) e Emmanuel Lepage (desenhos)
Vitamina BD
13,99 €

Muchacho – Tomo 1
Emmanuel Lepage (argumento e desenhos)
Edições ASA
14,00 €

Emmanuel Lepage nasceu em 1966 e desde os 21 anos que faz banda desenhada. Viajante inveterado, trouxe para a BD a experiência recolhida na realização de elaborados esboços de viagem, podendo ser considerado um pintor de quadradinhos – sem que isso signifique a ausência de ritmo e movimento nas suas pranchas, de planificação heterogénea, onde muitas vezes se multiplicam as vinhetas para ritmar as cenas, sendo outras de (quase) imagem única o que obriga o leitor a parar e a contemplar o pormenor a que o autor chega ou a beleza explosiva do conjunto. Até porque a paleta cromática que ele utiliza, rica de tons, sejam os verdes da selva, os azuis e cinzentos das (belas) cenas nocturnas ou os amarelos e sépias quando predominam os seres humanos, fantástica na forma como recria a luz, as sombras e os volumes, é uma enorme mais valia para o seu traço elegante, a um tempo espontâneo e trabalhado, detalhado e expressivo.

Tudo isto, presente nas duas obras disponíveis em português – “A Terra sem Mal” (de 2003) e o recente “Muchacho – tomo 1” – é usado por Lepage para retratar uma das suas paixões: a América Latina, respectivamente o Paraguai (no final da década de 30 do século passado) e a Nicarágua (sob a ditadura de Somoza, em 1976). Mas não se pense que os seus retratos são apenas pictóricos, Lepage, em ambos os casos, ao mesmo tempo que nos transporta ao colorido de cada um dos locais, revela também, com uma invulgar intensidade, os seres humanos de carne e osso que lá vivem, tornando, uma leitura atenta, mais forte o primeiro impacto que os belos desenhos provocam.

“A Terra sem Mal”, um argumento de Anne Sibran, narra a experiência de uma jovem europeia, no interior do Paraguai, para conhecer e registar a língua, os hábitos e as tradições do povo Mbya, vencido pelo desânimo e que está a deixar-se morrer. Mas a chegada de um misterioso feiticeiro leva a aldeia em peso numa peregrinação (que se revelará insensata) à procura da sua Terra sem Mal (uma espécie de paraíso na terra), uma peregrinação selva adentro, que será mais espiritual que terrena, e que a jovem acompanhará, dividida quanto a continuar com aquele povo, que já ama e sente quase como seu, apesar de não a reconhecerem como amiga, ou abandonar tudo e regressar às origens, num relato tocante, sobre a busca dos outros e de si próprio, num ambiente natural, com tanto de belo como de hostil, que leva a repensar prioridades de vida.

Em “Muchacho”, (um romance desenhado forte e lírico, num contexto sócio-político real), o protagonista, Gabriel, seminarista, filho de um dos protegidos do ditador Somoza, empreende também uma busca de si próprio quando é enviado por algumas semanas para um lugarejo, para pintar um fresco na igreja local. Só que a convivência com o padre de lá, tão preocupado com a saúde espiritual do seu rebanho quanto com a sua qualidade de vida (o que o leva a simpatizar com a guerrilha e a ser mal-visto pelas autoridades), abre-lhe novas perspectivas de vida e na sua arte, a pintura, em que se refugia face à hostilidade da população. Isto, a par do despertar duma desconhecida sexualidade, vão levar Gabriel a repensar as suas prioridades – a sua fé, a sua arte… – e a fazer opções que só conheceremos no segundo e último tomo, que se espera chegue em breve às livrarias.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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