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BD alternativa perde Joe Matt

Criador norte-americano passou pelo Salão Internacional de BD do Porto

Joe Matt, autor norte-americano de banda desenhada faleceu dia 18, contava 60 anos.
Nascido a 3 de Setembro de 1963, em Landsdale, na Pensilvânia, no seio de uma família de classe média dos subúrbios, com mãe doméstica, três filhos e um pai com emprego incerto, origens que reflectiu de forma hiperbolizada na sua obra.
Com talento natural para o desenho, sempre incentivado pela mãe, após frequentar uma escola católica, entrou para o Philadelphia College of Art, mas teve de abandonar os estudos para ajudar a família. Mais tarde completou a sua formação artística e mudou-se para Nova Iorque, procurando emprego nas revistas locais, sem sucesso. Em 1987, enquanto trabalhava numa loja de livros de banda desenhada, tornou-se assistente de Matt Wagner criador de “Mage” e, principalmente, “Grendel”, fazendo assim a sua entrada no mundo da criação de BD.
Nesse mesmo ano começou “Peepshow”, uma série autobiográfica, traçada a preto e branco com um traço grosso caricatural, em que se expôs abertamente, falando das suas dificuldades em socializar, do seu vício em pornografia, das dificuldades de relacionamento com a namorada e dos traumas permanentes da sua educação católica. E que, 30 anos depois, continua a ser uma das obras mais marcantes e influentes do género .
A Kitchen Sink Press publicou-a a partir de 1992 sob o título “Peepshow: The Cartoon Diary of Joe Matt”, tendo a mesma passado mais tarde para o catálogo da editora canadiana Drawn & Quarterly. Foi como representante desta última e da banda desenhada de tendência auto-biográfica que Joe Matt esteve em Portugal, em 1995, como convidado do VIII Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto, juntamente com Chester Brown, Julie Doucet, Seth ou Adrian Tomine.
Sobre ele, o crítico João Ramalho Santos escreveu na época na revista “Quadrado”: “Muitíssimo marcado pelo trabalho de Robert Crumb, (…) Joe Matt encara “Peepshow” como um veículo para contar histórias enquanto expõe as suas neuroses pessoais. Que, como seria de esperar (caso contrário a série não teria grande interesse…), são inúmeras. Assim, Joe Matt, de acordo com a representação que faz de si próprio, é mesquinho, tímido, inseguro, desadaptado, reprimido, extremamente forreta, tem um ego gigantesco, uma cultura geral débil, aproveita-se indecentemente dos amigos, tem uma fixação quase patológica com a pornografia e a masturbação e terríveis dificuldades de relacionamento com os outros (nomeadamente com mulheres)”. E em jeito de conclusão: “a essência de “Peepshow” (…) é a interrogação constante de uma personagem chamada Joe Matt, por um autor de BD que, por acaso, tem o mesmo nome”.
Várias vezes nomeado para os Eisner Awards, um dos principais galardões norte-americanos para a BD, Joe Matt continuaria a trabalhar na série, que teve uma adaptação televisiva de pouco sucesso (2004), até 2006, tendo igualmente desenvolvido trabalho como colorista em séries de super-heróis, género que ele desprezava, como “Batman/Grendel”, “Fish Police” ou “Johnny Quest”.
A notícia da sua morte foi divulgada nas redes sociais pelo seu amigo Matt Wagner, que não adiantou qualquer explicação para o sucedido, mas segundo outras fontes, Matt terá falecido vítima de um ataque cardíaco enquanto desenhava.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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Corto Maltese apareceu há 40 anos

Foi há 40 anos. Na imensidão do Oceano Pacífico, amarrado a uns quantos troncos que formavam uma jangada tosca, aparecia pela primeira vez Corto Maltese. Era a vinheta final da quinta prancha de “Una Ballata del Mare Salato”, uma BD publicada no primeiro número da revista italiana “Sgt. Kirk”, estreada em Portugal na revista “Tintin” e lançada em álbum pela Bertrand (1982) e pela Meribérica/Líber (2003, na edição revista e colorida). O seu autor era Hugo Pratt que iniciava, assim, sem o saber – até a barba hirsuta de Corto dura apenas duas pranchas – uma das mais importantes e marcantes histórias aos quadradinhos, onde imperavam já o espírito de liberdade, o valor da amizade e um imenso sabor a aventura que marcariam a sua obra.

De Corto, fomos conhecendo aos poucos, ao longo de mais de duas dezenas de álbuns, o seu carácter errante, anarquista, libertário e de anti-herói romântico e pormenores de uma vida aventurosa – retrato colorido da vida e das experiências do próprio Pratt de quem se tornou alter-ego – na qual “contando a verdade como se fosse mentira, ao contrário de Borges que contava mentiras como se fossem verdades”, cruzou oceanos, visitou lugares místicos e reais e conheceu algumas das mais belas e interessantes mulheres da BD. Que sempre deixou, porque o apelo da aventura e do mar sempre foram mais fortes, possibilitando-nos assim conhecer, sem nunca ter vivido, boa parte da História do primeiro terço do século XX, e compartilhar ideias e ideais, filosofias de vida e o mais profundo da natureza humana, que Pratt foi desfiando pelos seus romances desenhados.

Estes 40 anos – ou os 120, se atentarmos na data que alguns biógrafos apontam para o seu nascimento – ficam marcados, em França, após a edição cronológica em formato de bolso, por duas reedições da Casterman: “La Ballade de la mer salée”, em edição de luxo, formato gigante (32 x 41 cm) e tiragem limitada (10 000 ex.), prefaciada por Gianni Brunoro, e “Fable de Vénise”, que inaugura a colecção “Autour de Corto Maltese” que se destaca por incluir comentários, referências, notas históricas, geopolíticas, bibliográficas, imagens e análises, ao lado de cada prancha. Isto, enquanto os muitos fãs de Corto continuam a aguardar pela nova aventura do marinheiro errante, anunciada em Janeiro deste ano em Angoulême, no cumprimento do desejo de Pratt que sempre quis que a sua criação lhe sobrevivesse. Mantida no maior segredo – nem o nome dos dois autores é conhecido – sabe-se apenas que deverá ser lançada entre meados de 2008 e início de 2009 e que a sua acção se passará entre os álbuns “A juventude de Corto Maltese 1904-1905” e “A Balada do Mar Salgado”.

[Caixa]

Corto Maltese – perfil

Nascimento

10 de Julho de 1887, em Malta

Filiação

Mãe: cigana espanhola de Sevilha

Pai: marinheiro britânico, da Cornualha

Nacionalidade

Britânica

Profissão

Marinheiro e aventureiro

Sinais particulares

Brinco em forma de argola na orelha esquerda; longa cicatriz na palma da mão direita, feita por ele próprio insatisfeito com o comprimento da sua linha da vida.

Morte

No mar, em Cantão, assassinado por uma tríade, na Austrália, numa briga ou na Guerra Civil de Espanha, como Hugo Pratt afirmou?


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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