Etiqueta: Junji Ito

Horror japonês no pequeno écrã

Junji Ito utiliza aspectos vulgares do dia-a-dia em histórias chocantes

É conhecida a proximidade entre o mangá e o anime, que é como quem diz entre a banda desenhada e a animação japonesas, com as obras a nascerem indistintamente num dos géneros e a migrarem para o outro devido ao sucesso obtido – ou em busca dele.
“Contos macabros de Junji Ito”, cuja primeira temporada, com 12 episódios de 25 minutos, estreou recentemente na Netflix, é um dos muitos exemplos que podem ilustrar esta comunhão, com a vantagem de há poucas semanas ter chegado às livrarias portuguesas uma recolha de contos deste autor nipónico, considerado um dos mestres do horror do seu país.
Nas suas obras, este japonês de 59 anos, parte geralmente de situações ou objectos banais, para os transformar em fontes de horror, provocando no espectador uma sensação de incómodo, medo, desconforto ou mesmo nojo, conforme as abordagens e a sensibilidade de cada um.
Uma família disfuncional, uma carrinha de gelados, um balão a pairar no ar, os ruídos produzidos pelo irmão mais novo que perturbam o estudo, mofo nas paredes ou um acidente automóvel mortal são algumas das premissas-base de Ito, que as explora de forma bizarra, surreal e/ou aterradora, com desfechos inesperados e perturbadores.
Em termos de animação, aqueles que cresceram com os desenhos animados clássicos dos Looney Tunes, Tom e Jerry ou da Disney sentirão as diferenças para a animação japonesa, mais lenta e com aplicação pontual do movimento em motivos específicos, mas estas características, neste caso, contribuem para provocar o clima de suspense que torna mais eficaz as deformações da realidade que são o seu cerne.
Comparando com a obra em mangá, é notório que o recurso à cor e o facto da animação revelar mais do que a banda desenhada, exigindo assim uma menor imaginação da parte de quem a visualiza – e por isso uma menor projecção dos medos próprios – atenua o choque que podia provocar mas, mesmo assim, é garantido que o espectador nunca mais olhará para aqueles aspectos vulgares do dia-a-dia da mesma forma e sem desconfiança.

Contos macabros de Junji Ito
Com Riho Sugiyama, Daisuke Kishio, Rie Suegara
Netflix, 2023


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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Meio século aos quadradinhos

Editores e autores portugueses tentam mostrar-se em Angoulême

Como todos os anos desde há meio século, com excepção dos anos da pandemia, o último fim-de-semana de Janeiro acolhe mais uma edição do Festival de BD de Angoulême, o mais mediático e representativo do velho continente.
Durante quatro dias, a pequena cidade do sudoeste de França é invadida por dezenas de milhares de fãs dos quadradinhos que na sua peregrinação anual duplicam a população local em busca de livros, autógrafos e autores ou simplesmente para participarem da grande festa da BD, mesmo que, progressivamente o festival se tenha afastado das propostas mais comerciais e das preferências do grande público.
Isso reflecte-se nas listagens de nomeados para os vários prémios e nas exposições propostas. Este ano, o maior destaque vai para a retrospectiva dedicada à canadiana Julie Doucet, distinguida em 2022 com o Grande Prémio da cidade pelo conjunto da sua obra, uma autora subversiva e provocadora, que fez o seu percurso nos fanzines e em publicações underground, questionando a identidade feminina em obras auto-biográficas, com um toque surreal.
Os mundos fantásticos de Philippe Druillet e as histórias realistas da costa-marfinense Marguerit Abouet, marcam um absoluto contraste temático em mais duas mostras da edição deste ano que também propõe uma exposição imersiva sobre a cor, evocando uma das exposições do primeiro festival, em 1974, “A estética do preto e branco na BD”.
Atento ao crescimento exponencial do mangá, um segmento de mercado que triplicou entre 2019 e 2021 e é já o mais importante em França, Angoulême preparou três exposições subordinadas a esta temática, as monográficas consagradas a Rioichi Ikegami, o veterano criador de “Crying Freeman”, e a Junji Ito, mestre do mangá de horror, e uma terceira sobre a série “Ataque dos Titãs”.
Para além das exposições oficiais, conferências, apresentações e sessões de autógrafos e dos enormes pavilhões insufláveis onde funciona a Feira do Livro, ao virar de cada esquina, em lojas, restaurantes e até na catedral, é possível descobrir outras mostras e apreciar belos originais.
Mas o festival continua a ser um local de encontro de editores para compra e venda de direitos. É verdade que com as novas tecnologias, “a maior parte dos negócios já estão fechados”, revelou ao Jornal de Notícias João Miguel Lameiras, um dos sócios da cooperativa editorial A Seita, que mesmo assim leva marcadas “4 ou 5 reuniões, para negociar títulos para 2024, pois o programa de 2023 já está carregadíssimo”. Com muitos autores portugueses no catálogo, a intenção “é mostrar a produção nacional, mas não está nada apalavrado”, conclui.
Joana Afonso, actualmente a desenhar uma versão de “O Auto da Barca do Inferno”, a publicar este ano, confessa que devido ao muito trabalho que tem tido, vai “numa de turista”, mas “com trabalhos na mala para mostrar, se se proporcionar”.
O mesmo propósito leva também a Angoulême Filipe Abranches, autor e editor da antologia “UMBRA”, integrado “numa comitiva informal de portugueses encabeçada pelo Paulo Monteiro [director do Festival de Beja]”. Recorda Angoulême como “um espaço de reencontro de velhos amigos da BD”, onde pretende ter “reuniões informais”, uma vez que a “UMBRA” tem que se mostrar, procurar a sua internacionalização e angariar novos autores estrangeiros”. Revela ainda ter a sua “novela gráfica “Jungle!!!” à venda no stand da Breakdown Press” e que dará autógrafos “na edição polaca – “Selwa!!!” – no stand da Timof Comics, o editor que mais tem editado BD portuguesa no mundo”.
Finalmente, Ricardo Magalhães, da Ala dos Livros, pensa que “apesar das novas tecnologias é importante visitar anualmente um ou dois certames internacionais ligados ao livro.” Por isso, “a ida a Angoulême vai ser uma oportunidade para falar com colegas internacionais e aferir o que pensam dos desafios que se colocam à edição, nomeadamente com o aumento generalizados dos custos”. Revela que recebeu “nas últimas semanas diversos pedidos de reunião de novos contactos editoriais” e que leva “as obras dos autores nacionais que publicamos para divulgar e tentar que sejam publicados noutras línguas”. E termina com uma mágoa: “enquanto em Portugal são os editores e/ou os autores a mostrar os seus trabalhos, há países cujos autores são representados em Angoulême por instituições oficiais que têm mecanismos de apoio e divulgação à edição no estrangeiro”.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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