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Criador de “O Expresso do Amanhã” regressa com nova história de superação

Confronto entre um pastor e um lobo, nos Alpes franceses, é o tema da obra

Em Portugal, Jean-Marc Rochette é conhecido como autor dos dois volumes de “O Expresso do Amanhã” (Levoir, 2020), a banda desenhada que esteve na origem da série homónima da Netflix, uma história de sobrevivência de uns quantos eleitos ou privilegiados, transformada em luta de classes no interior de um extenso comboio, que circula a grande velocidade, numa viagem interminável pela superfície coberta de neve do planeta Terra.
Revelado na época áurea da mítica revista “(À Suivre)”, Rochette tem agora editado pela Arte de Autor “O Lobo” que, curiosamente, é também uma história de sobrevivência, de novo numa paisagem regularmente coberta de neve, os Alpes franceses.
Desta vez, são só duas as personagens no terreno, um pastor e um lobo, que as circunstâncias específicas – a ocupação de um e o instinto de outro – e os acasos provocados pela natureza colocam violentamente em lados opostos, num crescendo natural mas bizarro, que culminará numa longa, arriscada e potencialmente mortal perseguição.
Como elementos adicionais à trama, surgem a solidão do homem, traumatizado por em pouco tempo ter perdido o filho, na guerra, e a mulher, como consequência, a dívida de gratidão do animal para com ele, por ter sido poupado quando ainda era uma cria, e o facto de os lobos serem uma espécie protegida no parque natural alpino em que decorre a acção.
Com a imponência dos contrafortes rochosos como cenário, o traço de Rochette revela-se mais duro, agreste e conscientemente impreciso do que é habitual, retratando de forma muito realista as dificuldades de vida e deslocação, o lado selvagem do animal e as belezas naturais que são simultaneamente perigosas armadilhas.
Alternando sequências mudas, que pontuam os ciclos naturais e evidenciam como nascimento e morte fazem parte da mesma realidade, com monólogos do protagonista e narrativa em off impessoal, que reforça e se sobrepõe ao que as imagens transmitem, para acentuar a mensagem, Rochette proporciona-nos uma leitura intensa e de certa forma dolorosa, por nos sentirmos divididos entre o homem e o lobo, afinal apenas seres vivos a tentarem sobreviver, cujo final nunca é evidente, até ao desfecho em que a aparente pacificação contrasta com o trágico pormenor evidenciado.

O Lobo
Jean-Marie Rochette
Arte de Autor
112p., 25,00€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Clássicos da Literatura Portugueses revivem em BD

Mensagem”, de Fernando Pessoa, é o primeiro volume, hoje à venda

Chega hoje às livrarias o primeiro volume da coleção “Clássicos da Literatura Portuguesa em BD”, a “Mensagem”, de Fernando Pessoa, adaptada por Pedro V. Moura e Susa Monteiro.
Esta iniciativa da editora Levoir e da RTP surge na sequência do sucesso dos “Clássicos da Literatura em BD”, aferida pelo facto de “sete títulos terem sido TOP de vendas nas lojas FNAC”, revelou ao JN Sílvia Reig, editora da Levoir. E continua: “entre eles estavam as adaptações de “Os Maias”, “Amor de perdição” e “Auto da Barca do Inferno”, que revelaram que havia interesse por parte dos leitores portugueses” neste tipo de obras.
“Propor 13 títulos inéditos de adaptações de obras da literatura portuguesa, desenvolvidos por uma equipa de mais de 30 profissionais, entre argumentistas, ilustradores e professores, na sua grande maioria portugueses” adianta Sílvia Reig, “é um esforço financeiro enorme; um investimento oito vezes superior ao da anterior coleção, pois as obras são encomendadas de raiz”.
A colecção abre com “Mensagem” e Pedro V. Moura, o argumentista responsável pela adaptação, explica que “a obra integral de Fernando Pessoa fazia parte da lista alargada de textos a considerar, mas por uma questão de prioridades, clareza e tempo, foi seleccionada a mais famosa”.
O escritor adianta que “se por um lado conseguimos incluir todos os poemas, na íntegra, ao contrário de obras em que ‘cortar’ é absolutamente necessário”, as dificuldades surgiram porque “um meio visual oferece elementos não-previstos num texto literário, para mais um tão simbólico e lírico.” E prossegue: “Optámos por criar ciclos próprios na BD, através de personagens e elementos recorrentes, que criam uma espécie de narrativa paralela ao poema, que por vezes se intersecta com ele, e por diferenciar partes através de escolhas cromáticas e outras estratégias”.
A eleição de Susa Monteiro “foi feita em diálogo com a editora”, acrescenta Moura. A ilustradora confessa “que à partida a adaptação parecia difícil, mas isso foi ultrapassado pois o guião era muito claro e rico em propostas gráficas”, o que tornou “o processo muito fluido”. Mesmo assim, surgiram algumas dificuldades, como “a utilização de planos picados e contra-picados e a necessidade de desenhar elementos, como o mar, que habitualmente não utilizo”. Mas conclui: “acabou por ser um projeto muito desafiante em termos técnicos o que o tornou muito mais interessante”.
Para Pedro Moura, o propósito desta adaptação é “que as pessoas possam reler a “Mensagem” como que pela primeira vez e que estejam atentas à dimensão de banda desenhada semi-autónoma em relação ao texto”, enquanto Susa deseja que “o livro chegue a um público o mais vasto possível, chamando a atenção para o trabalho poético de Pessoa, mas também para as possibilidades gráficas e narrativas da BD”. E finaliza: “é uma coleção que tem o potencial de angariar novos leitores para a banda desenhada portuguesa”.
E a editora até os procura noutras paragens, pois, conforme revelou Silvia Reig, estes livros “estão a ser propostos a editoras brasileiras, espanholas e francesas e o mercado anglo-saxão também é um objectivo”.
O volume seguinte será “Farsa de Inês Pereira”, com argumento de André Morgado a partir do texto de Gil Vicente e desenho do brasileiro Jefferson Costa.

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13 Clássicos com nova roupagem

São 15 volumes, correspondentes a treze obras: “Mensagem”, “Farsa de Inês Pereira”, “Sermão de Santo Antonio aos peixes”, “Carta a el-Rei D. Manuel sobre o Achamento do Brasil”, “O Fato novo do Sultão”, “Frei Luís de Sousa”, “O Crime do Padre Amaro”, “Crónica de D. João I”, “Peregrinação” (volume duplo), “A Dama do Pé-de-Cabra”, “Menina e Moça”, “Maria Moisés” e “Os Lusíadas” (volume duplo).
De periodicidade mensal, com 64 páginas a cores, dossier pedagógico incluído e o preço de 15,90€, permitirão redescobrir Pessoa, Gil Vicente, Garrett, Eça, Camilo ou Camões com a nova roupagem conferida pelos estilos gráficos diferenciados de Bernardo Majer, Joana Afonso, Daniel Silvestre, Miguel Rocha, Manuel Morgado, Miguel Jorge ou Filipe Abranches.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Molhar os pés ou mergulhar no abismo

Narrativa experimental e intimista sobre a relação com o mar
Crescimento do mercado possibilita apostas mais diversificadas e obras mais exigentes

O assinalável crescimento do mercado nacional de banda desenhada, para além do fortalecimento dos segmentos dominantes de franco-belga e manga, trouxe também a aposta de editoras que geralmente não se dedicavam a este género narrativo e uma maior diversidade da oferta.
Exemplos disto, são as biografias e as adaptações de obras literárias e também as novelas gráficas, termo que mais não indica do que bandas desenhadas mais longas e/ou de temática mais exigente.
“A Ilha”, recém-editada pela Levoir, é um exemplo da diversidade referida, pelo seu carácter experimental e tom intimista.
Trata-se de uma história contemplativa, com páginas quase sem texto mas em que, em fundo, quase ouvimos ou adivinhamos o ir e vir do mar, as ondas a espraiarem-se na areia ou a sua rebentação nas rochas, o cheiro a maresia, a sensação agradável de molhar os pés ou a tentação do abismo, de caminhar em frente indefinidamente, mar adentro.
Com a acção – ou a ausência dela? – a ter lugar numa pequena ilha isolada, Mayte Alvarado, a autora, reflecte a relação a um tempo próxima, respeitosa e receosa, que os poucos habitantes têm com o mar, que tanto é fonte de vida e subsistência como pode ser carrasco e túmulo.
“O mar tem sempre fome” diz alguém a quem chamam louco – com a loucura provocada pelo mar que, em troca de tudo o mais, lhe levou o filho, deixando em troca a dor da perda, a solidão e até o remorso. Ele é uma das personagens desta história, juntamente com uma rapariga, os pescadores e as crianças, símbolos de tantas comunidades que vivem do mar ou apesar do mar, até este querer ou deixar.
Pela forma como as vinhetas se fundem umas nas outras e em que as páginas abertas, pintadas com cores vivas e planas, que evocam a areia e, essencialmente, o azul do mar, e fogem muitas vezes aos canônes mais tradicionais da narração em quadradinhos, este relato envolvente, sem ter propriamente princípio, meio e fim, espelha momentos da relação do homem com o oceano e cada leitor intuirá dela coisas diferentes, em função da sua interpretação e até da própria relação com o mar, pelo que “A Ilha” convida a visitá-la uma e outra vez…

A Ilha
Mayte Alvarado
Levoir
152 p., 27,90 €


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F. Cleto e Pina

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