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O Regresso de Eternus 9

Mais de 30 anos depois da publicação de “Um Filho do Cosmos”, Eternus 9, a mítica criação de Victor Mesquita, regressa com “A Cidade dos Espelhos”, segundo volume de uma anunciada trilogia de ficção científica, género de que Mesquita é um dos raros cultores em Portugal.

Definido pelo próprio Mesquita, como “um portal caleidoscópico para um mundo cujo coração é Lisboa, após a guerra nuclear que transfigurou a face do Planeta e fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem”, a “Cidade dos Espelhos”, mais do que o regresso de Eternus 9, é o regresso de Victor Mesquita, aqui na dupla função de autor e personagem da sua própria história.

O primeiro álbum, cuja publicação se iniciou em 1975 na revista “Visão” (a de BD, não a de informação que ainda hoje se publica) de que Mesquita foi fundador e director, tendo sido publicado em álbum em 1979, com direito a edição em França pela Lombard, no ano seguinte, é filho do seu tempo, estando na linha do que melhor se fazia em revistas como a Pilote e Métal Hurlant, com Victor Mesquita a emprestar um fôlego épico ao seu traço, só com paralelo nos delírios cósmicos e arquitecturais de Philippe Druillet, autor com quem a crítica francesa (e não só…) não deixou de o comparar. Mas além do desenho espectacular e da arrojada planificação, sem equivalente em termos da BD nacional, “Eternus 9” era uma história plena de simbolismo e perfeitamente circular, e que, por isso mesmo, não precisava de continuação.

Essa continuação, tantas vezes anunciada pelo próprio, mas que já poucos esperavam, surgiu finalmente em finais de 2010, lançada de forma (demasiado) discreta, no último Festival da Amadora. E se a sombra de Eternus 9 se mantém imutável, apesar da sua presença ser bastante mais simbólica do que efectiva, a verdade é que a meio da história o leitor é levado para o outro lado do espelho, em que Eternus 9 dá lugar a Victor Mesquita, numa narrativa com claros contornos autobiográficos sobre o processo de criação do livro que estamos a ler. E nesta segunda parte, que é mais uma continuação de “O Sindroma de Babel” (veja-se a cidade de Olissipólis, ou os cães bicéfalos), uma história curta publicada em álbum em 1996, pelo Festival da Amadora, a presença de Eternus 9 está quase reduzida às maquetes que enchem o estirador de Vick Meskal/Victor Mesquita, cedendo lugar ao autor cheio de dúvidas e inquietações, em luta com uma história que ganhou vida própria que, como bem lembrou João Ramalho Santos, remete para o filme “8 ½” de Federico Fellini, paradigma máximo do filme sobre o autor em crise de inspiração.

Embora respeitando vagamente os cânones da ficção científica, sobretudo em termos estéticos, “A Cidade dos espelhos” é uma obra inclassificável, cujo principal fascínio vem precisamente da forma como o autor explora criativamente as suas dúvidas e complexidades, num complexo jogo de espelhos, mais próximo da Banda Desenhada autobiográfica.

Quanto à excelente edição da Gradiva, padece do mesmo problema da reedição de “Um Filho do Cosmos”, o preço demasiado elevado para a bolsa dos portugueses que, aliado à escassa divulgação, impedirá mais leitores de descobrirem este (tão feliz quanto inesperado) regresso de Victor Mesquita.

(“Eternus 9: A Cidade dos Espelhos”, de Victor Mesquita, Gradiva, 98 páginas, 25 euros)

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Quadradinhos nacionais

Fruto de uma aposta continuada e consistente na promoção da banda desenhada portuguesa, o Festival da Amadora – e consequentemente a época de Outubro/Novembro – tem-se revelado o local ideal para o lançamento de novidades lusas aos quadradinhos.

O que é compreensível porque, no Amadora BD os originais estão expostos e os autores presentes o que potencia a sua divulgação junto dos leitores. E esta é uma realidade quer para as editoras de maior dimensão, quer para os pequenos editores independentes, cuja distribuição se limita depois a lojas especializadas e, eventualmente, a uma ou outra cadeia nacional de livrarias. Este ano não foi excepção, tendo sido lançados quase uma dezena de novos títulos, bem diversos gráfica e tematicamente, a maioria de jovens autores.
A excepção – e talvez o de maior impacto – é “Eternus 9 – A cidade dos espelhos” (ver caixa), mas o de maior potencial fora do círculo da BD é “NewBorn – 10 dias no Kosovo” (ASA), de Ricardo Cabral, uma espécie de foto-reportagem desenhada. Numa ténue fronteira entre a sequência narrativa e a ilustração, é fruto de uma estadia do autor no Kosovo e traça um retrato mais humano – e, por isso, mais real – do país e da sua situação, para lá dos estereótipos veiculados pela comunicação social.
Também com fundo político é “Agentes do C.A.O.S. – A conspiração Ivanov” (Kingpin Comics), de Fernando Dordio, Filipe Teixeira e Mário Freitas, cuja acção decorre em 1981. Tendo as FP 25 de Abril como pano de fundo, é uma movimentada história de acção, vingança e espionagem, que envolve operacionais da polícia portuguesa e mafiosos russos.
Bem mais intimista é a proposta de Paulo Monteiro, também director do Festival de Beja, em “O amor infinito que te tenho e outras histórias” (Polvo), colectânea, com alguns inéditos, de cariz autobiográfico e poético, onde o traço fino e os tons cinzentos salientam os sentimentos.
Diverso é o projecto colectivo Zona que tem por “objectivo desenvolver e divulgar a BD e a ilustração em Portugal”, que apresentou na Amadora o seu sexto tomo em ano e meio, “Zona Negra 2”, que tem o terror como tema aglutinador e o preto e branco como veículo para fortalecer “o ambiente obscuro do seu conteúdo”.
Também colectiva, da autoria de Álvaro Áspera e Marta Portela (argumento) e António Brandão, João Martins, Pedro Alves, Pedro Colaço, Pedro Serpa e Ricardo Cabrita (desenhos), mas de carácter institucional é “Sete histórias em busca de uma alternativa”, uma edição do Grupo para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL) do Ministério da Justiça, que reúne uma série de histórias em torno dos serviços públicos, ao mesmo tempo que homenageia personagens e autores da banda desenhada portuguesa.
Diferente, no propósito e na forma, é o “BDJornal” #26 (pedranocharco), uma publicação semestral que alia à publicação de BD, artigos de crítica e análise, que neste número destaca Dinis Conefrey e Fernando Relvas.
Apresentados no festival, onde têm exposição, mas ainda não disponíveis embora estejam anunciados para breve, surgem dois outros títulos: “É de noite que faço as perguntas” (Gradiva), uma narrativa ficcionada dos acontecimentos que levaram à implantação da República, escrita por David Soares e desenhada por Richard Câmara, Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho e Daniel Silvestre Silva, e “O Menino Triste – Punk Redux” (Qual Albatroz), um passeio semi-autobiográfico pelas origens, valores e ideias por detrás do movimento Punk, em Londres, em 1976.
São, sem dúvida, um lote de propostas diversificadas que mostram que a BD portuguesa existe e está à procura do seu público.

[Caixa]

O regresso de Eternus 9

Nascido nas páginas da mítica revista Visão, que, animada pela revolução de Abril, agitou as águas da BD nacional no verão quente de 1975, “Eternus 9 – Um filho do cosmos”, um complexo relato filosófico e de ficção-científica, seria suspenso ao fim de 6 números, surgindo em 1979 em forma de álbum (reeditado em 2009).
Agora, 35 anos depois, Eternus 9 regressa em “A cidade dos espelhos” (Gradiva), a sequela que Victor Mesquita há muita anunciara, e nela “um portal caleidoscópico atravessa um mundo cujo coração é Lisboa, depois da Guerra Nuclear que transfigurou a face do planeta e fragmentou a Lisboa de hoje até quase não se poder reconhecê-la, mas onde continuam as referências que a distinguem”.
É o segundo tomo de uma trilogia que se concluirá com “Cidadela 6” que Victor Mesquita resumiu já ao JN: depois de “dois volumes que respiram uma certa serenidade contextual”, encontraremos “um universo de grande violência e denúncia dos aspectos mais crus que se vivem nas sociedades de hoje, onde se constatará que até os santos são humanos e como tal muitas vezes saem dos limites da santidade”.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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