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Nos lugares do fundo do autocarro

Um comando negro em território francês ocupado, em busca de um tesouro patrimonial
História ficcionada, guerra e racismo coexistem no primeiro grande livro de BD do pós-férias

Primeiro grande livro de BD do pós-férias, “Uma estrela de algodão preto” tem como tema central o racismo profundamente enraizado nos Estados Unidos, não desde tempos imemoriais, como quase escrevi, mas desde a sua fundação enquanto nação, o que paradoxalmente implica maior longevidade…
Mas esta obra pode ser encarada sob dois outros registos: o histórico ficcional e o relato de guerra, este mais do ponto de vista humano do que heróico. Na realidade, a obra acompanha um comando de soldados negros, em França, durante a II Guerra Mundial, com a missão de recuperarem a primeira bandeira dos Estados Unidos, utilizada na Declaração de Independência, em 1776. Antes desse momento, Yves Sente e Steve Cuzor fazem um longo preâmbulo para nos mostrarem qual o lugar e como eram tratados os soldados negros no exército norte-americano: tal e qual como na maioria dos Estados Unidos, ocupavam os “lugares do fundo do autocarro”, para utilizar uma frase bem expressiva de um deles…
Se a História em “Uma estrela de algodão preto”, passa também por aqui, ela tem início quase dois séculos antes, nos primeiros passos daquela que viria a ser uma das nações mais poderosas do mundo e porta-estandarte de ideais como liberdade e justiça… pelo menos para os que ostentam a cor de pele correcta.
Voltando ao comando negro do relato, para lá do simbolismos óbvio da missão concedida exactamente a eles, os três homens envolvidos na recuperação da bandeira original têm uma motivação extra: descobrir se uma das suas 13 estrelas tinha por detrás uma estrela negra de algodão, supostamente colocada por uma costureira negra.
A narrativa é tensa, as atitudes depreciativas dos soldados e oficiais brancos em relação aos negros multiplicam-se e Sente arrasta conscientemente o progresso da acção para acentuar o clima tenso e opressivo que perpassa por todas as páginas, reforçado pelo traço realista e rico de contrastes de Cuzor.
Mas, apesar dos momentos de ilusão e de afirmação do valor dos negros, independentemente do sucesso ou não da sua missão, que deixo aos leitores descobrirem, a mensagem que permanece é a mesmo que ecoa ainda nos nossos dias: por mais que as estrelas negras brilhem, o seu presente pouco importa e pouco difere do seu passado…

Uma estrela de algodão preto
Yves Sente e Steve Cuzor
Ala dos Livros
192 p., 35,00€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Blake, Mortimer e William Shakespeare

Está desde ontem disponível em português “O testamento de William S.”, a nova aventura de Blake e Mortimer, os heróis criados por Edgar P. Jacobs em 1946, no número de estreia da revista “Tintin” belga.

Lançada em França há menos de um mês, tem autoria de Yves Sente, no argumento, e Andre Juillard, no desenho, uma dupla que assina aqui o seu sétimo álbum na série.

Nele, o professor e cientista Philip Mortimer e o capitão Blake, dos serviços secretos britânicos, terão de descobrir quem foi realmente William Shakespeare, ao serem apanhados entre duas sociedades, uma que defende o grande dramaturgo inglês e outra que afirma que a sua obra teve várias origens e que ele não existiu realmente. Ao mesmo tempo, Blake, investiga uma série de roubos violentos cometidos em Londres, numa história que decorre entre Inglaterra e Itália e onde uma vez mais se verão a braços com o seu velho inimigo, o coronel Olrik.

Fiel ao estilo narrativo e ao traço de Jacobs, Sente e Juillard mimetizam o estilo original, com texto abundante e um desenho clássico sóbrio, embora incluam também diversas personagens femininas, uma delas como co-protagonista, o que não acontecia nos álbuns originais.

Apesar disso, como tem acontecido nos últimos anos, em termos temáticos a antecipação científica está cada vez mais longe, assumindo as histórias um tom mais policial ou a investigação de temas clássicos como Shakespeare no presente álbum ou os trinta denários que Judas terá recebido por trair Jesus no díptico anterior.

A edição portuguesa da ASA está disponível com duas capas diferentes, a normal, similar à franco-belga, e uma exclusiva para o nosso país, à venda apenas numa cadeia de livrarias.


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F. Cleto e Pina

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Blake e Mortimer a caminho do grande ecrã

Blake e Mortimer a caminho do grande ecrã
Alex de la Iglesia vai adaptar ao cinema “A Marca Amarela”, o mais famoso álbum da fleumática dupla britânica

Várias vezes anunciada, a adaptação ao grande ecrã de Blake e Mortimer, a fleumática dupla britânica, parece finalmente bem encaminhada, tendo Alex de la Iglesia (“Crimen ferpecto”, “The Oxford Murders”) sido escolhido para a realizar. Anteriormente tinha circulado o nome de James Huth, mas este está actualmente empenhado em fazer Lucky Luke regressar ao grande ecrã com actores reais, com Jean Dujardin no principal papel, já em 2009. O “cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra” já foi interpretado no cinema por Terence Hill, que também dirigiu o filme, em 1991.
“As aventuras de Blake e Mortimer”, uma hábil combinação de ficção-científica e mistério – ou não fosse o primeiro um agente da Scotland Yard e Mortimer um cientista – foram criadas por Edgar P. Jacobs em 1946, para o primeiro número da revista Tintin belga, de que se tornaram rapidamente um dos pilares. Apesar de contar apenas oito histórias em onze álbuns, Blake e Mortimer são um dos grandes clássicos da banda desenhada franco-belga, e, depois da morte do seu criador, em 1987, foram retomados por diversas duplas de autores, tendo sido objecto também de uma versão animada.
O emblemático “A Marca Amarela”, datado de 1953, especula em torno do controle da mente para dotar o ser humano de poderes especiais e é considerada por muitos o álbum perfeito, devido ao opressivo ambiente de suspense, ao famoso M estilizado com que o vilão Olrik assina as suas proezas criminosas e à forma hiper-realista como Jacbs recriou as nevoentas docas londrinas. Uma das suas sequências mais famosas, a invasão do apartamento dos dois heróis por Olrik, foi recriada, em jeito de homenagem, no mais recente álbum da dupla, “O santuário de Gondwana” (ASA), assinado por Yves Sente e André Juillard.
Já orçado em cerca de 22 milhões de euros, o filme será falado em inglês e deverá estrear ainda em 2008, isto apesar de ainda não haver qualquer indicação quanto ao seu elenco. Mas Alex de la Iglesia, que também escreverá o argumento, já afirmou que imagina “Kevin Kline, com 40 anos, no papel de Olrik, Jude Law como Blake e Clive Owen como Mortimer… Mas como dizia Hitchcock, se tiveres um bom vilão, tens boas hipóteses de teres um bom filme”.


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F. Cleto e Pina

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Novo álbum de Blake e Mortimer tem estreia mundial em Portugal

Começada nos anos 70, é agora editada em versão aumentada no mercado francês; “Maus” valeu ao autor o único Prémio Pulitzer concedido a uma obra em quadradinhos

Foi lançado ontem, dia 19, em França o livro “Breakdowns, Portrait de l’artiste en jeune !@#S%*!” (Casterman), a autobiografia de Art Spiegelman, o autor do célebre romance aos quadradinhos “Maus” (edição portuguesa da Difel, em dois volumes), que lhe valeu o Prémio Pulitzer, em 1992, na única vez em que ele foi atribuído a uma obra em banda desenhada.
O álbum encontra-se dividido em três partes. A primeira, a mais recente, foi realizada nos últimos dois anos e é nela que Spiegelman mergulha mais profundamente no seu passado. A segunda, é a reprodução fac-similada de “Breakdowns”, o seu primeiro álbum profissional editado em 1978, nos EUA, com uma tiragem bastante reduzida, no qual, em quinze relatos curtos, lançava as bases do seu percurso inovador e experimentalista, que viria a transformar o conceito de romance gráfico. Finalmente, a terceira parte é um curto ensaio ilustrado no qual apresenta as razões que o levaram a conceber esta obra.
A edição francesa surge seis meses antes do seu lançamento nos Estados Unidos, e Spiegelman fez questão de acompanhar ao pormenor toda a produção, desde a legendagem (totalmente manual!) até à cuidada execução gráfica. O seu lançamento é um dos momentos altos do Salão do Livro de Paris.
Para além de “Maus”, que o ocupou durante 13 anos, uma biografia ficcionada da experiência vivida pelo seu pai nos campos de concentração nazis e da forma como ela afectou profundamente a relação entre os dois, Spiegelman, nascido a 15 de Fevereiro de 1948, um dos mais influentes criadores de BD da actualidade, é autor também de “In the Shadow of No Tower”, no qual narra como viveu o 11 de Setembro de 2001, a poucas centanas de metros das Torres Gémeas, em que crítica a política dos EUA e pisca o olho aos pioneiros norte-americanos de BD, para além de ter dirigido a revista experimental “Raw” e de ter sido ilustrador do “The New Yorker” entre 1993 e 2002.


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F. Cleto e Pina

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Tal pai…

Sem dúvida um dos melhores argumentistas franco-belgas das últimas décadas, Jean Van Hamme, anunciou há meses o desejo duma (merecida e) descansada reforma, tendo por isso decidido abandonar as várias séries que criou, com excepção de Largo Winch. Aos seus desenhadores, deu toda a liberdade para encontrarem substitutos, o que fez Rosinski, buscando em Yves Sente, argumentista de Blake e Mortimer, quem, após 29 álbuns, continuasse com as aventuras de Thorgal, ou melhor, de Jolan, numa invulgar sucessão dinástica, que é caso raro nos anais da BD, embora aquele possa ser sempre presença recorrente.
Por isso, “Moi, Jolan” (Le Lombard), em que Rosinski explana de novo a sua técnica de cor directa com a qual nos proporciona belíssimas imagens, alterna entre a busca iniciática empreendida pelo filho do vicking das estrelas, “deixando definitivamente a sua infância” para “se tornar um homem” como o seu pai, e a nova vida deste e da sua família, fazendo assim a ponte entre o passado da série e o seu novo rumo.
Num álbum de transição, Jolan encontra um grupo de (inicialmente) concorrentes, com quem aprende a compartilhar experiências e que, possivelmente, protagonizará com ele as futuras aventuras que Sente promete já ao leitor, neste aperitivo bem escrito e construído, no qual deixa adivinhar promissores e surpreendentes desenvolvimentos, relacionados com o passado, a diversos níveis.


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F. Cleto e Pina

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