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Os Irmãos Mais Novos de Tintin

Joana, João e o Macaco Simão foram criados por Hergé há 75 anos

Corria o ano de 1936. O sucesso de Tintin – então a viver a sua sexta aventura, “O Ídolo Roubado” – era crescente, mas não fazia a unanimidade. A prová-lo, chegava a Hergé uma carta da revista católica francesa “Coeurs Vaillants”, onde se lia que o herói “não ganha a sua vida, não vai à escola, não tem pais, não come, não dorme… Isso não é lógico”. E, em jeito de encomenda, desafiava Hergé a criar alguém “cujo pai trabalhe, que tenha uma mãe, uma irmã mais nova, um animal de estimação”, contou o desenhador numa entrevista a Numa Sadoul.
Recuperando personagens de um trabalho publicitário Hergé criou assim Jo, Zette e Jocko (rebaptizados em Portugal como Joana, João e o Macaco Simão), estreados há 75 anos, a 19 de Janeiro de 1936, e que viveriam três aventuras a preto e branco, (remontadas e) divididas por cinco álbuns quando foram coloridas, nos anos 1950. Os seus protagonistas eram os irmãos Joana e João, o pai, o engenheiro Legrand, a mãe, doméstica, e Simão, um macaco, o tal animal de estimação da “encomenda”.
O traço e a estrutura narrativa estavam próximos dos utilizados em Tintin, com bastante humor e uma boa dose de ficção-científica, fruto da ocupação do pai. Em cada aventura, a célula familiar desfazia-se rapidamente porque, enquanto os miúdos se metiam em alguma enrascada, o pai e a mãe ficavam em casa, aflitos e expectantes, aguardando o seu regresso do destino distante e exótico para onde os tinham conduzido as aventuras ingénuas e rocambolescas.
Em Portugal, estes “irmãos mais novos” de Tintin estrearam-se em 1964 na revista Zorro, passando pelo suplemento “Quadradinhos” de “A Capital”, antes da edição em álbum, pela Editorial Verbo, em 1982. A ASA, que actualmente está a reeditar As Aventuras de Tintin, ainda não agendou a reedição desta série, recuperada pela Casterman num único volume em 2008.

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Tintin e o ecrã: uma relação atribulada

A relação de Tintin com o cinema é bem anterior ao desejo de Spielberg de levar o herói de Hergé ao cinema. Logo nos anos 30 do século passado, pequenos filmes foram difundidos, tendo por base imagens fixas retiradas dos álbuns, comentadas no momento pelo projectista, e, em 1947, Claude Misonne e João Michiels realizaram uma versão de “O caranguejo das tenazes de ouro”, com marionetas animadas.

Em 1957, a Belvision, de Raymond Leblanc, editor da revista “Tintin”, produziu para televisão algumas dezenas curtas-metragens de animação com Tintin. O relativo êxito alcançado, devido mais à popularidade do herói do que à qualidade da animação, permitiu-lhe avançar, em 1969, para a longa-metragem “Le temple du Soleil” (que contou com um original de Jacques Brel na banda sonora), (fraca) adaptação do díptico “As 7 bolas de Cristal”/”O Templo do Sol”, e, em 1972, para “Le lac aux requins”, a partir de um (desinteressante) argumento original de Greg. Esta história foi adaptada em BD, com base nos fotogramas do filme, existindo igualmente pelo menos duas versões piratas desenhadas.

Mas antes disso, em 1960 e 1964, foram levadas ao grande ecrã duas histórias originais – “Le mystère de la Toison d’Or” e “Tintin et les oranges blues” – com actores de carne e osso: Jean-Pierre Talbot como protagonista e George Wilson como Capitão Haddock.

Os anos 90 viram uma nova série animada, mais cuidada e competente, mas menos fiel aos álbuns do que o desejado, que teve, pelo menos, o mérito de apresentar um herói sexagenário a uma nova geração mais próxima da tv do que da BD.

Para além do facto de “Tintin não ter no ecrã a mesma voz que nos álbuns”, como disse um miúdo à saída de um dos filmes, um ponto é comum a todas estas adaptações: a ausência do ritmo desenfreado e do verdadeiro espírito das aventuras de Tintin. Por isso, muitos consideram que Spielberg já concretizou este seu sonho há muito: nas aventuras de Indiana Jones.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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