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O lado sério da vida universitária

Retrato jovem e com humor das últimas décadas do século passado. Dos jornais e fanzines ao livro colorido, obra também ilustra percurso pessoal de Derradé.

Quem viveu por dentro do mundo da banda desenhada nos anos 1980 e 1990, antes do aparecimento das tecnologias que revolucionaram também a impressão, e tinha aspirações a ser autor, inevitavelmente pelos fanzines, ou seja pelas edições amadoras.
É o caso de Dário Duarte, aliás Derradé que, entre os jornais em que colaborou, os fanzines que auto-editou e algumas edições um pouco mais profissionalizadas em que publicou, foi traçando um retrato do mundo jovem e universitário em que vivia então, que obviamente era também um retrato de um certo Portugal. Entre as suas criações da época, destaca-se Bubas, um adolescente tardio em que se adivinham apontamentos auto-biográficos, perdido num mundo ao qual apontava mais defeitos do que qualidades, e que procurava em muito álcool, pouca droga, algum romance e quase nenhum sexo, respostas para a vida que, afinal, surgiam principalmente nas amizades.
São essas histórias, primeiro no formato de tira de jornal e mais tarde como histórias curtas, que foram agora compiladas no volume “Bubas – Addicted to love”, pela Polvo. Como sinal dos tempos, evidentes também na progressão da personagem, as aventuras e desventuras de Bubas surgem agora coloridas por Beatriz Duarte, filha de Derradé, num convite a voltar ao passado, mas revisto agora com um olhar diferente, costuma dizer-se mais maduro, para redescobrir um Portugal ainda mal refeito e ciente das possibilidades que Abril abriu, mas em que então, como agora, os jovens viam principalmente pontos de interrogação, dúvidas e incertezas no seu futuro.
Como em todas as suas obras, o olhar que Derradé propõe vem filtrado por um humor cáustico para com a sociedade, impiedoso para si próprio e muitas vezes desencantado, mas que ajuda a moderar a sua visão de uma época e das vivências que narra.
Se na primeira parte deste “Bubas – Addicted to love”, correspondente às tiras, impera o humor, a segunda parte revela um autor mais completo e consciente da especificidade da narrativa em BD que, sem alterar a temática de base, ao focar o quotidiano de Bubas na questão da sempre adiada primeira relação com a namorada, que quer esperar pelo momento certo, permite uma leitura mais adulta e estimulante que, depois de seduzir o leitor, o deixa pendurado perante um final em aberto que pede uma continuação.

Bubas – adicted to love
Derradé com Beatriz Duarte
Polvo
68 p., 13,90 €


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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O tamanho não tem importância

Os autores Álvaro e Dearradé são os protagonistas
Reflexão sobre a importância do humor, centrada na realidade da BD nacional

Na banda desenhada – como nos perfumes, os chocolates… – o tamanho não tem importância. Que é como quem diz, a qualidade de uma obra não se afere pelo seu número de páginas, mas sim pelo que ela conta e/ou pelo modo como o conta.
Vem este intróito a propósito de “Há quem queira que a luz se apague”, uma singela edição da Kingpin Books com apenas 16 páginas, escrita por Mário de Freitas, desenhada por Derradé e com cores de Beatriz Duarte, que reflete sobre a importância do humor, tendo por base dois autores nacionais, raros exemplos de cultores do género na BD portuguesa contemporânea.
São eles Derradé – criador de “A loja” (editada pela Polvo) ou “O fogo sagrado” (Escorpião Azul) – e Álvaro – “Conversas com os putos” ou “Porra… voltei!”, em auto-edições com a chancela Insónia – que surgem agora também como protagonistas deste opúsculo, envelhecidos e com limitações físicas.
Surgindo de alguma forma na esteira de “O fogo sagrado”, uma reflexão pós-apocalíptica sobre a imperatividade íntima do seu autor, Derradé, se dedicar à banda desenhada, “Há quem queira que a luz se apague”, que se auto-define como “uma visão apocalíptica-realista de um mundo que não se avizinha para graças”, também surge ambientada num futuro indefinido, que assustadoramente não parece muito distante, em que os praticantes do humor estão a ser detidos e reprogramados, sob a égide de um desconhecido “Supremo Líder”. O último “terrorista do humor ainda a monte” é Derradé que, uma vez capturado, vai ser confrontado com uma chocante revelação.
Embora “Há quem queira que a luz se apague” esteja de algum modo centrada na realidade da BD nacional, podendo por isso ser melhor fruída por quem a conhece e/ou frequenta, a verdade é que a reflexão que suscita sobre a possibilidade de rir e fazer rir e sobre olhar crítico que isso implica, é facilmente aplicável a qualquer outro meio ou forma de expressão, num tempo em que, infelizmente, cada vez mais o humor, o pensamento inteligente e o sentido crítico são postos em causa continuamente pelo enjoativo politicamente correcto que domina crescentemente e tenta nivelar por baixo, fazendo prevalecer a estupidez e a imbecilidade.

Há quem queira que a luz se apague
Mário Freitas, Derradé e Beatriz Duarte
Kingpin Books
16 p., 6,50€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias

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