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Fabcaro: “Quis escrever um Astérix que Goscinny e Uderzo pudessem apreciar”

40.º álbum de Astérix chega hoje às livrarias nacionais

Chega hoje às livrarias de meio mundo, “O Lírio Branco”, o 40.º álbum das aventuras de Astérix o gaulês.
Como habitualmente, a ASA acompanha a edição internacional do álbum, cuja tiragem, em 20 línguas e dialectos, atingirá os 5 milhões de exemplares.
A principal novidade deste álbum é a estreia do argumentista Fabcaro, que acompanha Didier Conrad, o desenhador de serviço nos últimos seis álbuns.
Como já tinha sido noticiado, em “O Lírio Branco”, a desordem que geralmente reina na aldeia gaulesa vai ser afectada pela chegada de um romano, Palavreadus, inventor da filosofia de pensamento positivo que dá título ao álbum e tem o condão de tornar pacatos e indiferentes todos os que a ouvem.
Para aprofundar um pouco a génese da nova aventura, o JN conversou em exclusivo com os autores.
Fabcaro, humorista francês de 50 anos, revelou que “mais do que um sonho, escrever Astérix foi algo de surrealista”. E adiantou que aprendeu “a ler com Astérix”, que essa foi a sua primeira BD e que “conhecia muito bem esse universo”, por isso, nem precisou “de reler os álbuns; tinha medo de ficar preso ao que já estava feito”. A solução foi “deixar a imaginação trabalhar”. E acrescenta: “Manter a fidelidade a Goscinny, foi uma obsessão, sentia pavor de trair a obra dele e de Uderzo, mas ao mesmo tempo queria trazer algo de novo, escrever um Astérix que eles pudessem apreciar”.
Nesta estreia, o trabalho conjunto com Conrad e o editor foi fundamental, “colocaram um certo travão ao absurdo e deram conselhos ao nível da estrutura, do ritmo e da planificação”. O desenhador corrobora: “Não houve muitas mudanças, tornaram-se os textos mais curtos, foram feitos pequenos ajustes para que o álbum possa ser lido por todos, Astérix é lido por várias gerações e tem de ser acessível a todos. É preciso muita atenção aos detalhes”. E vai mais longe: “Em Astérix, tens de ter sucesso; estás ao serviço de um universo que já existe, que todos conhecem desde a infância, com quem têm um grande laço afectivo, que faz parte da família”.
Os dois elegem “A Zaragata” como álbum preferido, mas em termos de personagens, enquanto o argumentista elege “Obélix, porque tudo o que é divertido pode passar por ele, é uma personagem de comédia extraordinário”, Conrad inclina-se para “Astérix e Panoramix… e Falbala, que nunca desenhei!”.
Em “O Lírio Branco” são identificáveis cenas que parecem extraídas de outros álbuns. Fabcaro assume que “quis seguir a estrutura dos meus álbuns preferidos, como “A Zaragata”, “O Adivinho” ou “Obélix & C.ª” em que alguém chega de fora e abala a estrutura da aldeia” mas também o fez para “homenagear os álbuns anteriores de Astérix. Usar a mesma base e fazer diferente, introduzir pequenas alterações, surpreender o leitor a cada passo, embora mantendo um contexto familiar, fazer rir, sem subverter os códigos, sem os trair, apenas em jeito de homenagem.” Conrad subscreve: “Em “O Grifo” não havia qualquer referência a álbuns mais antigos, foi bom neste revisitar tantas memórias”.
Palavreadus, o vilão de serviço, graficamente assemelha-se a Bernard-Henri Lévy e Dominique de Villepin e os seus aforismos foram inspirados no brasileiro Paulo Coelho. Fabcaro assume que “foi muito divertido escrevê-los, combinando referências políticas, filosóficas, citações de filmes…” Atendendo aos seus efeitos sobre gauleses e romanos, num tom mais sério vinca que “houve sempre uma parte da população mais frágil, mais manipulável. Nos nossos dias não foram as pessoas que mudaram, foi a facilidade de o fazer através das redes sociais”.
O desenhador confessa que nunca terá “ o controle completo deste universo; o estilo de Uderzo era muito pessoal e eu não sou Uderzo. o meu desenho não é uma cópia, é obrigatoriamente diferente, desenho como sinto. Manter uma certa linha gráfica, exige esforço, mas é isso que torna o desafio interessante”. E remata, com uma gargalhada: “desenhar árvores, folhas, pedras, não custa nada! O resto é que é difícil!”
Uma das novidades do novo livro é que “é uma história híbrida, metade na aldeia, metade fora, embora a viagem até Lutécia seja curta. Foi a forma de fugir um pouco à linha condutora de “O Adivinho” ou “A zaragata”. Alternar aventuras na aldeia com outras em cenários mais distantes, é uma tradição mas não uma regra.”
Se Jean-Yves Ferry, o argumentista dos cinco álbuns anteriores, decidiu parar para se dedicar a projectos pessoais, Conrad revela-se “muito satisfeito com Astérix. O tempo necessário para desenhar cada álbum é muito longo, muito exigente. Não há tempo para pensar em mais nada”.
Quanto a Fabcaro, sabe que foi “ contratado para escrever um álbum; se Ferry voltar, o lugar é dele”. Mas deixa escapar que “ficaria encantado se pudesse escrever outro”.

6 milhões de álbuns no nosso país
Portugal foi o primeiro país não francófono a descobrir Astérix. Aconteceu em 1961, no número inicial da revista “O Foguetão”, tendo o herói passado depois pelas páginas do “Zorro”, “Tintin” ou “Flecha 2000”, entre outras.
Em álbum, a Íbis abriu o baile em 1966 com “Astérix, o gaulês”, tendo as suas aventuras passado depois pelos catálogos da Livraria Bertrand, Verbo, Meribérica e ASA, onde ainda se encontra. Ao JN, esta editora revelou que “O Lírio Branco” terá uma tiragem de 45 mil exemplares, sensivelmente o mesmo que vendeu o título anterior, “Astérix e o Grifo”. No nosso país já foram vendidos mais de seis milhões de álbuns de Astérix, uma gota de água face as 393 milhões já vendidos em todo o mundo.

Homenagem bem-disposta à herança de Goscinny
A estreia de um novo argumentista, Fabcaro, fez aumentar as expectativas em relação ao novo álbum. A primeira constatação, é a subversão da regra implícita que ‘obriga’ a alternar uma aventura caseira com uma aventura exterior. “O Lírio Branco” arranca na aldeia gaulesa, mas a certa altura a acção desloca-se para Lutécia.
Outra característica da nova história, é que evoca, em jeito de homenagem, cenas de álbuns anteriores, da fase Goscinny. Lendo-o, é impossível não lembrar, por exemplo, a viagem para as termas para curar o chefe Matasétix, em “O Escudo de Arverne”, a corrida desenfreada pelos corredores da pirâmide em “Astérix e Cleópatra”, ou “A Zaragata” e o intriguista Tulius Detritus, embora onde aquele semeava a discórdia, no presente álbum Palavreadus prega a harmonia e a paz a todo o custo.
Médico-chefe dos exércitos romanos, o vilão de serviço pelo período deste álbum, defende o Lírio Branco, uma corrente de pensamento positivo, disparando aforismos bacocos a torto e a direito, como “Um problema deixa de o ser quando tem solução” ou “Todos os caminhos são bons, pois todos levam a algum lado”.
Assumidos geralmente como grandes princípios de vida – o que não abona muito a favor dos seus ouvintes, sejam eles romanos ou gauleses – são a crítica mais forte e mordaz aos dias de hoje num relato que também refere a praga das trotinetes (numa sequência pouco feliz), a necessidade de exploração dos recursos locais, a questão da igualdade de género (no banquete final), a nouvelle cuisine ou as modas que põem “metade a fazer exercício físico e a outra metade a comer sementes e peixe”.
Na primeira parte da história, principalmente, Fabcaro apresenta alguns trocadilhos bem conseguidos e uma série de provocações inteligentes às próprias referências imutáveis da série, que dispõem bem, mas a narrativa arrasta-se um pouco na segunda parte, quando se centra nos problemas de relacionamento do chefe e da esposa, Boapinta.
Graficamente, tal como já evidenciava o álbum anterior, Didier Conrad, sem ter provocado qualquer corte com a herança de Uderzo, já a converteu ao seu estilo próprio, dinâmico e expressivo e as diversas soluções que utiliza são eficazes em termos narrativos.
De leitura bem-disposta, mas sem igualar a herança de Goscinny, “O Lírio Branco”, tem o mérito de recordar alguns dos álbuns basilares da série e de nos transportar mais uma vez até à aldeia dos loucos, perdão “das pessoas diferentes de nós devido ao seu comportamento imprevisível”, como diz Palavreadus.

Astérix: O Lírio Branco
Fabcaro e Didier Conrad
ASA
48 p., 11,50€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Os 5 melhores álbuns de Astérix

“O Lírio Branco” é o título do 40.º álbum de Astérix que chega amanhã às livrarias nacionais, em simultâneo com a edição internacional.
Quando o criaram para o primeiro número da revista “Pilote”, que foi para bancas e quiosques franceses a 29 de Outubro de 1959, à pressão, para substituir uma versão aos quadradinhos de “Le roman de Renard” que tinham imaginado, por já existir outra BD baseada na mesma obra, René Goscinny (1926-1977) e Albert Uderzo (1927-2020) estavam longe de imaginar o sucesso do pequeno guerreiro gaulês nascido para parodiar a essência dos franceses.
Se do primeiro álbum, “Astérix, o gaulês”, foram feitas apenas 6 mil cópias, “O Lírio Branco” conta com uma tiragem de cinco milhões de livros, em 20 línguas e dialectos, que se vêm juntar aos 393 milhões já vendidos em todo o mundo.
Para alcançar este sucesso, Astérix, Obélix e os restantes gauleses tiveram de percorrer muitos quilómetros na sua Gália natal e por vários continentes, distribuir generosamente tabefes pelos romanos (e não só), devorar centenas de javalis e participar nas memoráveis cenas de pancadaria na aldeia, quase tão míticas como os banquetes que encerram cada aventura.
Com 40 aventuras em 64 anos, torna-se difícil escolher as melhores. Embora seja pacífico que todos se encontram entre os 24 assinados pelos seus criadores originais, entre 1959 e 1977, o momento de leitura, a sensibilidade para com os temas abordados e a enorme qualidade de quase todos faz com que as opiniões se dividam.
Sem outra hierarquia do que a data de publicação original, aceitando que as visitas aos godos, aos helvécios, aos normandos ou aos corsos também podiam figurar nela, segue-se uma das listagens possíveis dos melhores 5 álbuns de Astérix.

Astérix Legionário
Goscinny e Uderzo
1967

Uma sátira impiedosa à instituição militar, do incorporamento à recruta, passando pela vida na caserna, em que Astérix e Obélix se juntam ao exército romano para salvarem o prometido da bela Falbala.

Astérix e Cleópatra
Goscinny e Uderzo
1965

Pelos cenários imponentes, o ritmo narrativo, um sentido de humor superlativo e o belo nariz da rainha Cleópatra, podendo não ser a “maior aventura que jamais foi desenhada” a viagem de Astérix ao Egipto é um dos mais conseguidos álbuns das aventuras do pequeno guerreiro gaulês.

A Zaragata
Goscinny e Uderzo
1970

A chegada à aldeia do intriguista Tulius Detritus, deixa à solta a praga verde da discórdia, pondo em causa a unidade e a invencibilidade dos gauleses, até Astérix lhe responder na mesma moeda, com a célebre “guerra psicológica”.

O Adivinho
Goscinny e Uderzo
1972

A crendice, a religiosidade e a superstição abordadas com olhar crítico e imenso humor, quando um adivinho se instala perto da aldeia gaulesa e explora os seus habitantes para levar uma vida regalada.

Obélix e Companhia
Goscinny e Uderzo
1976

Um mergulho sarcástico nas especificidades do mundo dos negócios e da economia global, em que Obélix se transforma num magnata dos menires e no homem mais importante da aldeia.


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F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Um álbum menor

Escolha óbvia em ano olímpico para base do terceiro filme de Astérix de imagem real – e também porque muitos títulos, satirizando outros povos, não são opção neste tempo em que impera um cada vez mais doentio politicamente correcto – “Astérix nos Jogos Olímpicos” até é um dos álbuns menores da era Goscinny.
Criado no também olímpico ano de 1968, acompanhando a actualidade, como era hábito dos autores, tem um argumento demasiado espartilhado pelo tema base, que embora arrancando bem, acaba por se perder num excesso de descrições que lhe retiram ritmo, não sendo feliz o esquema que conduz Astérix à palma olímpica e que origina o primeiro caso (múltiplo!) de doping dos jogos.
Isto não quer dizer que o álbum – reeditado pela ASA com nova capa e marcado pela estreia do ancião Decanonix – não contenha algumas cenas de antologia, como a discussão gastronómica sobre os cogumelos ou a involuntária interrupção do treino do campeão romano por Astérix e Obélix, capazes de arrancar sonoras gargalhadas ao leitor.

Astérix nos Jogos Olímpicos
Goscinny (argumento) e Uderzo (desenho)
Edições ASA


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F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

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Com D grande

Está nas livrarias o segundo álbum de Astérix em mirandês, “L Galaton” (“O Grande Fosso”), a história de uma aldeia dividida ao meio por uma querela. Se a notícia para a maior parte dos leitores de BD, vale só pela curiosidade, merecerá mais atenção se acrescentar que a edição inclui um segundo caderno que reproduz a mesma história (em francês, vá-se lá compreender porquê…), a preto e branco, no formato italiano, a meia prancha por página, 35% maior que a versão colorida, o que permite admirar pormenorizadamente o excelente trabalho de Uderzo.

Se em “Astérix, o gaulês”, estreado em Outubro de 1959 na “Pilote”, o traço era algo agreste, de contornos rígidos e, por vezes, mostrava algumas dificuldades em representar movimento, uma análise mais cuidada revelava, ainda “em bruto”, alguns dos principais méritos do desenhador que tanto contribuíram para o êxito da série: bom domínio da planificação, do ritmo e do sentido de leitura. E se ao longo do álbum era notória já uma evolução assinalável, seria preciso esperar até “Astérix e os Normandos” (1967) para que as suas potencialidades se revelassem em todo o esplendor, confirmando Uderzo como um grande desenhador, muitas vezes imitado mas nunca igualado, no seu traço suave, vivo e dinâmico, nos seus heróis de formas arredondadas e grandes narizes e pela sublimação das outras qualidades já referidas.


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F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias