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O Gato de Sfar

Tal como aqui referi na semana passada, há que estar atento à colecção “Os Incontornáveis da Banda Desenhada”, actualmente em distribuição nos quiosques. A prová-lo está este 2º volume, que recolhe três álbuns da série “O Gato do Rabino”, de Joann Sfar.
Um dos mais prolíficos criadores da BD europeia, Sfar tem uma produtividade inacreditável, acumulando uma vasta actividade como argumentista e desenhador, com incursões ocasionais noutras áreas, como o cinema, onde se estreou com o magnífico “Gainsbourg, Vie Heroique”, uma biografia em tom de fábula do cantor francês Serge Gainsbourg, que passou de forma discreta nos cinemas portugueses (em Coimbra, passou apenas durante a Festa do Cinema Francês), estando a trabalhar neste momento num filme de animação baseado precisamente nesta série “O Gato do Rabino”, de que já circulam algumas imagens.

Com excepção da série “Donjon”, escrita a meias entre Sfar e Trondheim, e dos álbuns “O Principezinho” e “A Filha do Professor”, não há muita coisa de Sfar editada em Portugal, o que dá uma importância ainda maior a esta edição, que recolhe os 3 primeiros álbuns de uma das séries mais emblemáticas de Joann Sfar, que se devia chamar, não o gato do rabino, mas “o Gato da Filha do Rabino”, pois a dona do gato é a bela Zlabya, filha do Rabino.

Ambientada na comunidade judia sefardita da Argélia dos inícios do século XX e protagonizada por um gato que ganha o dom da palavra depois de comer um papagaio, a série é uma divertida e sensível análise às questões da religião, servida por diálogos deliciosos (veja-se a conversa entre o gato, que quer fazer o “Bar-Mitzvá”, e o rabino do rabino). Sfar desenha tão depressa como escreve, mas o seu traço, mais caligráfico do que ilustrativo, é de uma eficácia surpreendente, sendo excelente em termos de criação de ambientes e na forma como retrata as poses do gato (o que nem deve ter sido difícil, pois foi um dos gatos de Sfar que serviu de modelo para o gato do Rabino).

O único problema desta edição, é que deixa de fora, os 2 últimos álbuns da série: “Le Paradis Terrestre” e “Jerusalém d’Afrique”, em que, depois de uma viagem a Paris, que não entusiasmou o Rabino, a família regressa a África. O que, não havendo garantias de que a Asa prossiga a série, deixa os leitores que queiram saber o que acontece a seguir, condenados a recorrer às edições de língua francesa ou inglesa.

(“Os Incontornáveis de Banda Desenhada 2: O Gato do Rabino”, de Joann Sfar, Edições ASA/Público, 144 pags, 7,40 €)

Asa e Público Lançam os Incontornáveis da BD

As edições Asa prosseguem a sua colaboração com o jornal Público, lançando uma nova colecção de Banda Desenhada, “Os Incontornáveis da BD”, cujo primeiro volume chegou às bancas, esta quarta-feira, dia 2 de Maio. Depois de uma última colecção centrada numa única série, de um só autor – o genial “Gaston Lagaffe”, de Franquin – voltamos às antologias colectivas, na linha de edições como “Grandes Autores de BD”, ou Clássicos da revista Tintin”.
No caso desta nova colecção, composta por 12 álbuns duplos, nem todos os títulos escolhidos merecerão o epíteto de “incontornáveis”, mas há vários volumes a não perder, começando já na próxima semana, com “O Gato do Rabino”, de Sfar.

“Gato do Rabino” que, com “IRS”, de Desberg e Vrancken, “O Buda Azul”, de Cosey e, parcialmente, “Max Fridman” (o episódio publicado nesta colecção, embora inédito em álbum, já tinha saído no “Jornal da BD”), de Giardino e “XIII Mystery”, representam séries que se estreiam em Portugal nesta colecção, sendo a maioria dos títulos constituídos por episódios inéditos de séries de que já foram publicados em Portugal alguns volumes, seja pela Asa, seja pelas extintas Meribérica e Booktree.
Ou seja, sendo uma grande misturada – de géneros, de autores, de estilos – esta colecção tem ainda assim, o grande mérito de permitir aos leitores portugueses continuar algumas colecções de séries de interesse, que tinham ficado paradas, algumas há mais de 2 décadas, como é o caso de “O Vagabundo dos Limbos”, de Godard e Ribera. E aí, há coisas bastante recomendáveis, como “Murena”, de Dufaux e Delaby, “Em Busca do Pássaro do Tempo”, “O Assassino”, de Jacamon e Matz, “Largo Winch”, de Francq e Van Hamme (que já tinha sido publicada pela Bertrand e Gradiva, sem grande continuidade) e “Adèle Blanc-Sec”, de Tardi, cujo 3º álbum surge nesta colecção acompanhado por “O Demónio dos Gelos”, uma história solta de Tardi, com uma ligação bastante mais ténue com a série “Adéle Blanc-Sec” do que, por exemplo, “Adieu Brindavione”, esse sim, uma escolha bastante mais lógica, tanto mais que Brindavoine é personagem recorrente das aventuras de Adèle, a partir do 5º álbum da série.
O 1º álbum da colecção, dedicado à série “Valerian e Laureline”, também é paradigmático das peculiaridades da edição em Portugal, pois recolhe os volumes 19 e 21 da série, que assim fica completa em Portugal. Se há que louvar a Asa por corrigir um erro antigo, quando lançou o 20º volume, “A Ordem das Pedras”, sem que o volume anterior tivesse sido alguma vez publicado em Portugal, a verdade é que, quem comprar este 1º álbum, terá que forçosamente comprar a “Ordem das Pedras”, de modo a perceber os capítulos finais da saga cósmica de Christin e Mèzieres…

Um pouco o que acontece com o volume dedicado á série “XIII Mystery”, que dá destaque a personagens secundários da série “XIII”, remetendo para álbuns da série principal, que nunca saíram em Portugal. Ou seja, apesar de uma selecção discutível (no geral como no particular), há que estar atento a esta nova colecção de Banda Desenhada que durante 12 semanas vai invadir as tabacarias e quiosques.

(“Os Incontornáveis de Banda Desenhada 1: Valerian e Laureline”, de Christin e Mézières Edições Asa/Público, 72 pags, 7,40 €. Todas as semanas em distribuição conjunta com o jornal “Público”, entre 2 de Março e 18 de Maio de 2011)

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“A liberdade de expressão está posta em causa em França”

Afirma Joann Sfar, devido ao processo contra a revista “Charlie Hebdo” por ter publicado as caricaturas dinamarquesas de Maomé, cuja sentença é conhecida hoje; Autor transcreveu em BD tudo o que se passou em tribunal; Livro chegou ontem às livrarias francesas

A 7 de Fevereiro de 2006, a revista satírica “Charlie-Hebdo” publicava três das polémicas caricaturas dinamarquesas de Maomé, tendo, na capa, um desenho de Cabu, no qual o profeta, com as mãos na cabeça, afirmava “Só sou amado por idiotas”. A revista seria processada pela Grande Mesquita de Paris e pela União das Organizações Islâmicas de França, cujos autos decorreram a 7 e 8 de Fevereiro. A eles assistiu Joann Sfar, autor de BD com 35 anos e quase uma centena de álbuns, que anotou tudo o que se passou no tribunal, saindo de lá “com a mão desfeita”, para o relatar num álbum de BD, intitulado “Greffier” (que tanto pode significar “escrivão” como “gato”), editado pela Delcourt.

Isto porque “este não é um processo qualquer; é um processo feito a desenhadores que admiro e com os quais trabalhei”, justificou Sfar em declarações ao Jornal de Notícias. “Defendo-os com os meus meios: o desenho. Mas, mais do que fazer desenhos militantes, prefiro contar os debates do tribunal, para que o livro tenha um efeito pedagógico. Não pretendo afrontar ninguém, só explicar o que está em jogo”.

A leitura da sentença está marcada para hoje, mas a obra, o sexto caderno autobiográfico de Sfar, com 240 páginas, criadas ao correr da pena, com um traço espontâneo, muitas vezes próximo do simples esboço, outras mais trabalhado, numa diversidade de estilos que, não retiram ritmo, vivacidade nem legibilidade ao conjunto, que revela uma excepcional capacidade comunicativa, chegou ontem às livrarias francesas porque “queria fazer compreender que, quando assistimos a este género de processos, não conhecemos a sentença de imediato. Por outro lado, o livro é eminentemente político e eu quero que ele alimente o debate público que neste momento tem lugar em França”.

Assumindo que, ao contrário de um escrivão, tem “uma visão obviamente subjectiva”, Sfar declara-se “abertamente um defensor da liberdade de expressão e um inimigo irredutível dos que gritam: blasfémia!”. No entanto, “esforcei-me por contar integralmente os debates”.

Não conseguindo sequer imaginar “que a Charlie-Hebdo perca, porque isso colocaria em causa os ideais de liberdade que a França sempre defendeu”, conclui: “actualmente pede-se aos jornalistas e à imprensa para serem comedidos, para se controlarem; é terrível. É a liberdade de expressão que é posta em causa. É preciso batermo-nos contra isso”.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

Publicação

Jornal de Notícias