Categoria: Recortes

Cancro da mama

“Comment le cancer m’a fait aimer la télé et les mots croisés” (Delcourt), é o diário da convivência da norte-americana Miriam Engelberg, com o seu cancro da mama, desde a sua descoberta, passando pelas diversas fases subsequentes: estados de depressão, desânimo, negação, raiva, operação, radioterapia, quimioterapia, etc.
O que surpreende nesta obra, servida por um desenho pouco menos do que incipiente, mas de leitura fácil e fluente, é a exposição total de Miriam, com os seus temores e as suas ansiedades, perdida perante a reviravolta que a doença provocou na sua vida, como numa primeira fase tentou ignorar a incontornável nova realidade, através de técnicas de “esvaziamento mental” (palavras cruzadas, consumo obsessivo de televisão) – e como viria a encontrar a via “salvadora” na realização de BD, quer enquanto terapia, quer enquanto realização de um sonho de sempre – a rejeição sistemática à religião (e principalmente aos “religiosos”), e expondo questões como o desconforto da operação, os vómitos, o (difícil) relacionamento com os outros, as relações sexuais, a escolha de uma peruca, etc. Ao mesmo tempo, o tom da abordagem é cáustico e irónico, de um humor desconcertante, atenuando o peso do drama, sem, no entanto, lhe retirar o seu lado emocional e extremamente doloroso.
Miriam Engelberg faleceu em 2006 após a publicação do livro nos Estados Unidos.


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

Contar

Christophe Blain, como outros autores da sua geração (Sfar, Guibert…). encara a BD, antes de tudo, como um meio para contar histórias. Isso era já notório em “Le Réducteur de Vitesse”, com que se revelou em 1999, ou em “Isaac, o pirata”, de que a Polvo editou em português três tomos.

E é visível também, agora, em “Gus, #1 – Nathalie” (Dargaud), um western, desconcertante e atípico (no bom sentido), que poderia igualmente ser um conto medieval, actual ou de ficção-científica, pois o seu propósito é divagar sob a forma como os homens se relacionam (ou não…) com as mulheres. Para isso, apresenta-nos Gus, Clem e Gratt, três salteadores (pontualmente xerifes!) bem sucedidos na sua vida de pilhagens, mas insatisfeitos na busca das suas “almas gémeas”.

Numa história sensível mas irónica (que se adivinha) nascida ao correr da pena, que combina habilmente o real com os pensamentos, sentimentos e desejos dos intervenientes, Blain concede-se (e a nós) uma imensa liberdade gráfica, esquecendo questões “clássicas” como as proporções do corpo humano ou a constância da aparência das personagens, para colocar o seu traço simples e nervoso, parco em pormenores mas admiravelmente expressivo, sensual no tratamento das personagens femininas e capaz até de ser evocativo, ao serviço de uma total eficácia narrativa, que prende e carrega o leitor até à última e significativa prancha.


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F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

Transatlântico

O propósito da colecção: Marvel Transatlântico é levar aos leitores tradicionais europeus os super-heróis Marvel, no formato que melhor conhecem (álbum a cores, cartonado), pelos autores que mais apreciam; para estes há o aliciante de poderem tornar a sua arte conhecida dos leitores habituais de comics americanos.

O primeiro volume da colecção é “Wolverine – Saudade”, de Jean-David Morvan e Philippe Buchet, que a novel editora BdMania (nascida no seio das lojas especializadas heterónimas) fez chegar às livrarias portuguesas em simultâneo com a edição original francesa.

Diferenças entre os comics tradicionais e este “comic europeu” (que deturpa a definição de saudade)? Para além do formato (que influencia também a planificação), uma história mais consistente, que combina a temática super-heróis com lendas (e realidades) do local onde a trama se ambienta, no caso o Brasil. E também um desenho mais violentamente realista, ou não houvesse na narrativa a participação dos esquadrões da morte brasileiros, assassinos de crianças, e não mostrasse Buchet os efeitos de corte múltiplo das garras de Wolverine, em armas aos bocados ou braços às fatias…

Os próximos volumes (a ler também em português) serão uma história do Demolidor com o Capitão América, por Claudio Villa e Tito Faraci e outra com as mulheres dos X-Men, escrita por Chris Claremont e desenhada por Milo Manara.

A promoção fica a cargo do autor, que terá de encomendar todos os exemplares que quiser para este ou qualquer outro fim; ao longo de todo o processo nunca existem stocks e o autor, em qualquer momento pode retirar a obra do site ou fazer as alterações ou correcções que ache necessárias.


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F. Cleto e Pina

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Jornal de Notícias

Desenhadores portugueses procuram alternativas editoriais

“Printed on demand” foi opção de Carla Pott e Luís Peres; novo sistema em voga na net elimina investimento inicial e stocks

Face à crise que reina no sector da edição em Portugal, que se tornou especialmente visível no que à BD diz respeito durante 2006, os autores, tentando que as suas criações continuem a chegar ao público, têm procurado alternativas aos editores tradicionais. A edição de autor ou as pequenas editoras eram até agora as primeiras escolhas, potenciadas até pelo facto de a impressão digital permitir, actualmente, edições na ordem dos 200 exemplares. No entanto, um novo sistema, o “printed on demand” (POD, algo como “impressão por pedido”) está a despontar na internet, e apresenta desde logo algumas vantagens: não implica investimento financeiro, não gera qualquer tipo de stock e permite ao autor publicar o que quiser, na forma que desejar (ver caixa).

No site lulu.com, um dos que se especializou no POD, encontramos obras de dois autores portugueses, um caderno de apontamentos, profusamente ilustrada por Carla Pott, e o álbum de BD “As aventuras do Príncipe Ziph”, de Luís Peres, uma saga galáctica que narra, com humor e muitas surpresas, a busca de um livro mágico que permite manter a paz entre os diversos povos do planeta Marte, há muitos anos atrás.

Carla Pott, que tem feito ilustração para jornais, revistas e livros infantis, conta que tomou “conhecimento do sistema através de um mail dos EUA, em resposta a um post do meu blog em que eu discordava do design que uma editora tinha escolhido para um dos meus livros infantis”. Após ler “um artigo no “New York Times” sobre o assunto, decidi usá-lo para publicar com a liberdade que desejo e sem esperar que as editoras aceitem ou não. Assim, o público é quem decide”. Para ela, “o sistema POD foi a primeira opção; numa editora os projectos demoram muito tempo na gaveta”.

Razões semelhantes são apontadas por Luís Peres, designer há 14 anos, no desemprego há dois, o que lhe permitiu pôr no papel as histórias que o acompanhavam há muito. Para ele, a escolha do POD surgiu “porque gosto da ideia de independência. o POD é um instrumento fantástico pois permite apresentar um trabalho com qualidade profissional logo à partida e ver se a receptividade justifica o investimento na continuidade”.

Financeiramente, “a opção não é dispendiosa, só necessito de fazer o trabalho e não tenho custos”, realça Carla Pott. Concordando, Luís Peres aponta alguns aspectos negativos do POD: “Temos de ser nós a fazer toda a promoção, se queremos dar a conhecer o trabalho; em termos de BD, o lulu.com apenas trabalha com o formato americano (o que me obrigou a adaptar as minhas pranchas), com capa brochada, não cartonada, e agrafada, logo sem lombada”.

Estando as duas obras há venda há poucas semanas, ambos os autores estão ainda na expectativa de saber até onde elas poderão ir.

Machado Dias, responsável da Pedranocharco Edições, que edita o “BDJornal”, confessando-se “entusiasmado com o POD”, no entanto vê “pouca gente parece interessada em fazer encomendas via net “. Por isso não acredita “que o sistema vá afectar ou substituir os editores tradicionais (de BD ou não) num futuro, mesmo distante”. Marcos Farrajota, há muito ligado à edição independente e a fanzines como o “Mesinha de Cabeceira”, alinha pelo mesmo diapasão: “o POD não vai mudar muito, só vai tornar as coisas mais eficientes”. E reconhece que “para um autor será mais fácil editar mas enfrentará os mesmos problemas de distribuição e promoção”.

O que é o sistema pod?

Disponível para qualquer tipo de obra – o site lulu.com lista quase 35.000 títulos, entre livros, comics, calendários, imagens, CDs, vídeos e DVDs – o sistema “printed on demand” (POD) assenta num princípio simples: o autor entrega a obra acabada em formato Pdf ao site que a coloca disponível para venda on-line, só fabricando cada exemplar quando tem uma encomenda. O preço de custo é calculado antecipadamente, a partir das tabelas disponíveis no site, de acordo com as características da obra, definidas pelo autor. Este, escolhe depois a margem de lucro que deseja, sendo que, em cada venda, uma percentagem desta (entre os 10% e os 25%) reverte para o site; o restante é entregue ao autor que a qualquer momento pode consultar na sua área pessoal do site quantos exemplares já foram vendidos. O cliente encomenda on-line e passados alguns dias (dependendo da urgência de entrega escolhida) recebe em sua casa, devidamente acondicionada, a obra. No caso do lulu.com, a existência de uma filial espanhola, a Publicaciones Digitales, S.A., reduz bastante os prazos indicados para entregas na Europa.

A promoção fica a cargo do autor, que terá de encomendar todos os exemplares que quiser para este ou qualquer outro fim; ao longo de todo o processo nunca existem stocks e o autor, em qualquer momento pode retirar a obra do site ou fazer as alterações ou correcções que ache necessárias.


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F. Cleto e Pina

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