Categoria: Recortes

Maia BD traz Georges Bess e Canizales a Portugal

Filipe Melo, Nuno Markl e Luís Louro também estarão presentes

Apresentado oficialmente ontem à noite, numa sessão que contou com a exibição dos filmes portugueses que estiveram pré-nomeados para os Óscares, o Maia BD, promete um programa sólido e nomes sonantes para a sua primeira edição, que vai decorrer de 16 a 18 de Junho, no Fórum da Maia.
A organização garantiu a presença de cerca de duas dezenas de autores nacionais de BD, desde nomes ligados à BD mais popular para um público mais alargado, como Luís Louro, Filipe Melo ou Nuno Markl, até autores mais alternativos e independentes para um público mais especializado, entre os quais se destaca Marco Mendes, autor do cartaz desta primeira edição do festival.
Para além deles, como cabeças de cartaz, surgem dois autores estrangeiros de créditos firmados. Um deles é o francês Georges Bess, autor de uma poderosa adaptação do “Drácula” (edição portuguesa de A Seita, 2021), de Bram Stocker, depois de anos de colaborações regulares com Moebius ou Jodorowski, em séries como “O Lama Branco” ou “Juan Solo”. No Maia BD será lançado o seu novo álbum em Portugal, uma adaptação de “Frankenstein” de Mary Shelley.
Quanto ao segundo autor é o colombiano Canizales que, embora mais identificado com a ilustração infantil, desenhou a adaptação de “Os Maias”, de Eça de Queirós (Levoir/RTP, 2021), integrada na colecção “Clássicos da Literatura em BD”.
No que respeita a lançamentos ou apresentações, o Maia BD, uma iniciativa da Câmara Municipal da Maia através do Pelouro da Cultura, com organização da cooperativa editorial A Seita, confirmou já o “Auto da Barca do inferno” (Levoir), de João Miguel Lameiras e de Joana Afonso, a partir da obra de Gil Vicente; “Manual de Instruções” (Iguana), de Nuno Markl e Miguel Jorge; “O mangusto” (A Seita), de Joana Mosi; “O Corvo: Laços de família”, de Nuno Markl e Luís Louro; “Umbigo do Mundo II” (A Seita) de Penim Loureiro e Carlos Silva; “Dog Mendonça e Pizza Boy – edição integral” (Companhia das Letras) de Filipe Melo e Juan Cavia.
Com excepção deste último, todos os autores citados estarão presentes, tal como André Lima Araújo, André Diniz ou Bernardo Majer, o vencedor no ano passado do Prémio para Melhor Álbum Nacional no Amadora BD.
De 16 a 18 de Junho, no Fórum da Maia, será possível apreciar originais de Joana Afonso, Juan Cavia e Joana Mosi, estando em fase de negociação com Georges Bess a exposição de pranchas dos seus livros. Os originais de “Juventude”, de Marco Mendes, estarão patentes de 6 a 30 de Junho na Biblioteca Municipal Doutor José Vieira de Carvalho, também na Maia.
A programação do festival inclui igualmente uma Feira do Livro de BD, conversas com alguns dos autores convidados, um painel sobre as adaptações de clássicos da literatura portuguesa na colecção da Levoir e da RTP, sessóes de autógrafos, apresentação e lançamento do projecto BD PALOP, um projecto ProCultura, promovido pelo Instituto Camões com fundos da UE, do qual serão apresentados os sete primeiros livros, um concurso de Cosplay, workhops de BD para vários públicos, orientados por alguns dos maiores nomes da BD nacional, exibição de filmes de animação, participação do colectivo Urban Sketchers, uma comunidade de artistas que desenham ao ar livre, e a presença da Rebel Legion, uma organização internacional de voluntariado dedicada ao Universo da Guerra das Estrelas.


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F. Cleto e Pina

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Manual de Instruções para a vida em família

Nuno Markl regressa à banda desenhada com narrativa semi-biográfica
Protagonista é o ‘melhor escritor do mundo’… de manuais de electrodomésticos

Julgar alguém por um rótulo é sempre perigoso ou, no mínimo redutor. Alberto, protagonista de “Manual de Instruções”, edição recente da Iguana é, reconhecidamente, o “melhor escritor no seu género”. Se ao apresentar-se assim, cria fundadas expectativas, elas são completamente goradas quando explica a que género se dedica: ‘Manuais de instruções para electrodomésticos’…
Mas, louvado pelo patrão, invejado pela concorrência, Alberto tem como limite o céu… dos manuais. Infelizmente, a sua dedicação à escrita – às obras da sua vida… – afastam-no do que esta tem de bom e importante e o génio das descrições, funcionamento e possíveis avarias, descobre que o seu casamento está danificado e prestes a perder a validade e que desconhece ou conhece muito pouco das rotinas da (bela) esposa e dos dois filhos pequenos…
Pequeno teatro de situações, com elenco limitado, que espelha tantos quotidianos que conhecemos, “Manual de Instruções”, inicialmente argumento para filme não concretizado, foi escrita por Nuno Markl que, no prefácio, a reconhece como uma das suas “histórias mais pessoais, uma reflexão sobre o fim do casamento e a falta de equilíbrio entre trabalhar e viver”, baseada naquilo que ele próprio experienciou a certa altura. Talvez por isso, a par do esperado registo paródico caro a Markl, “Manual de Instruções” assume também um tom sincero e humano, com o absurdo de algumas das soluções – como as amizades com o assaltante ou a prostituta – a contrastarem com o desejo sincero de mudar de vida e de objectivos que a partir de certo ponto Alberto assume.
Ao lado de Markl, surge Miguel Jorge, de quem conhecíamos relatos realistas de cariz histórico, que aqui assume um traço caricatural, fino e detalhado, que se abusa um pouco da repetição de poses e expressões, consegue conjugar e dar expressão aos seus pontos fortes: o humor, a ternura e a humanidade de situações e personagens.
História bem ritmada, com uma planificação tradicional mas variada, que em determinadas cenas marca os tempos em função do número de vinhetas por página, este livro é, afinal, uma chamada de atenção para aquilo que valorizamos e para as perdas que as nossas escolhas acarretam, porque a vida verdadeira, aquela do dia-a-dia, não traz manual de instruções…

Manual de Instruções
Nuno Markl e Miguel Jorge
Iguana
128 p., 18,85 €


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F. Cleto e Pina

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Maia BD traz banda desenhada de volta ao Norte do país

Primeira edição do festival decorre de 16 a 18 de Junho

A primeira edição do Maia BD, que vai decorrer de 16 a 18 de Junho, no Fórum da Maia, promete trazer ao Norte do país o melhor da banda desenhada.
Iniciativa da Câmara Municipal da Maia através do Pelouro da Cultura, com organização da cooperativa editorial A Seita, anunciou já três das exposições que vão estar patentes: uma retrospectiva de “As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizza Boy”, de Filipe Melo e Juan Cavia, cuja edição integral, pela Companhia das Letras, deverá chegar às livrarias em meados de Junho; “Auto da Barca do Inferno”, de Joana Afonso, que a Levoir lançará na sua colecção “Clássicos da Literatura em BD” ainda este mês; “Juventude”, de Marco Mendes, que, ao contrário das outras duas, estará de 6 a 30 de Junho na Biblioteca Municipal Doutor José Vieira de Carvalho, também na Maia.
A organização garante ter em agenda cerca de vinte autores convidados, incluindo nomes internacionais relevantes, tendo confirmado numa primeira fase a presença de Filipe Melo, Joana Afonso e Marco Mendes.
Numa espécie de aquecimento para o Maia BD, no próximo dia 18 de Maio, às 21h30, o público vai ter a oportunidade de conhecer em primeira mão a programação do festival, no Grande Auditório do Fórum da Maia. A seguir a essa apresentação, serão exibidas as três curtas-metragens nacionais que fizeram parte da short list para os Óscares da Academia de 2023, “Ice Merchants” de João Gonzalez, “O Homem do Lixo” de Laura Gonçalves e “O Lobo Solitário” de Filipe Melo. Os dois primeiros estarão presentes para uma conversa moderada por Elsa Cerqueira, seguida por uma sessão de perguntas e respostas com o público.
O Maia BD, de entrada gratuita e aberto ao público de todas as idades, incluirá lançamentos de novidades editoriais, exposições, cinema de animação, ilustração, cosplay, workshops e feira do livro, marcando assim o regresso de um grande evento de BD ao Norte de Portugal.
Aliás, antes do Amadora BD, do Festival Internacional de Beja e da Comic Con, o Salão Internacional de Banda Desenhada do Porto foi pioneiro na organização de um grande certame do género no nosso país. Fundado pelo Projecto Comicarte, que depois se associou à Comissão de Jovens de Ramalde, antes de dar origem à Associação do Salão Internacional de BD do Porto (ASIBDP), o evento portuense teve dez edições, anuais entre 1985 e 1989 e bienais entre 1991 e 1999, tendo por elas passado grandes nomes da BD mundial, como Miguelanxo Prado, Dave McKean, Ed Brubaker, Marjane Satrapi, François Schuiten, Benoît Peeters ou Don Rosa.


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F. Cleto e Pina

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A nova BD infantil

Obras para os mais novos despertam interesse crescente

Adéle, Ariol, Olívia, Bia… são alguns dos heróis e heroínas da nova BD infantil.
Longe vai o tempo em que os mais pequenos começavam pelas revistas Disney ou da Turma da Mônica, que pululavam nos quiosques portugueses. A última experiência com a BD Disney em português terminou em 2018, com a insolvência da editora Goody e, se as revistas de Maurício de Sousa continuam a chegar a Portugal, têm distribuição limitada e os mais novos não se sentem à vontade com a língua brasileira. Por isso, tal como os adultos, os pequenos leitores de BD – ou os pais por eles – têm que recorrer aos álbuns.
Filipa Casqueiro, responsável pela área infanto-juvenil da Penguin Ramdom House portuguesa, lembra que “a banda desenhada sofreu durante muito tempo com o preconceito de ser leitura menor”; com as actuais apostas, a editora pretende “mostrar precisamente o contrário; são leituras divertidas e de qualidade, que podem atrair crianças menos motivadas para a leitura e desenvolver novos leitores”. Rita Moura, da Jacarandá, acrescenta que “as bandas desenhadas para os mais novos têm tido um interesse crescente”, o que é complementado por Ana Pais, da Bertrand, ao afirmar que a editora “tenta acompanhar os sucessos e tendências internacionais nas áreas do livro infanto-juvenil”.
Isso explica a escolha de “A Incrível Adéle”, sucesso de vendas e de público infantil em França, devido ao “perfil irreverente e inovador da sua protagonista”, retrato perfeito da criança terrível e provocadora, sempre à procura do próximo disparate ou da resposta desafiadora seguinte. Noutro registo, ancorado no quotidiano infantil real, com a escola, as amizades, as paixões infantis, os pais divorciados ou as férias, surge “Ariol”, aposta recente da Jacarandá, “uma personagem muito simpática e universal” que, como reflexo da atenção que os mais novos têm no mercado francófono, tem argumento de Emmanuel Guibert, distinguido com o Grande Prémio de Angoulême, em 2020.
Quanto a Olívia, colecção completa em quatro volumes com a chancela da Booksmile, combina o imaginário infantil, animais falantes e magia, com questões mais candentes, como a defesa do planeta ou a união familiar.
Se todas estas propostas são mais vocacionadas para crianças a partir dos 7 anos, tal como “Bia e o Unicórnio”, para referir uma das paixões mais fortes das meninas, ou “Big Nate” e “Loud em Casa”, vocacionadas para rapazes, o catálogo da Penguin Random House também contempla “as primeiras leituras”, lembra Filipa Casqueiro. É o caso de “Narval e Alforreca”, “Flora e Bambu” ou “Raposa e Coelho” que, a par de um grafismo atractivo e uma planificação menos sobrecarregada, propõem histórias com algum humor e argumentos simples e facilmente compreensíveis, revelando-se “ferramentas úteis e valiosas para os primeiros leitores, já que este género pode contar histórias e transmitir valores importantes”.
Na oferta para os mais novos, destacam-se outros títulos, com características diferentes. “Homem-cão”, protagonizado por um ser metade homem, metade cão, que combate o crime, surgido na senda do sucesso do “Capitão Cuecas”, do mesmo autor, Dav Pilkey. Já as aventuras de “Ideiafix e os Irredutíveis”, que colocam o cão gaulês e outros animais, em Lutécia, tentam replicar o sucesso de Astérix e Obélix, piscando assim o olho também aos pais e fazendo a ponte com a versão animada, como tantas vezes acontece com as propostas para estas idades.
Com a certeza de novos volumes de algumas destas séries e de outras novas, nos próximos meses, o importante é manter os mais novos entretidos, com um livro nas mãos.


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F. Cleto e Pina

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Rossano Rossi: “Tex é acima de tudo uma paixão e uma escola de vida”

Autor italiano que esteve na 8.ª Mostra do Clube Tex Portugal, em Anadia, desenha Tex há 20 anos

Chama-se Rossano Rossi, é desenhador e foi uma das estrelas da 8.ª Mostra do Clube Tex Portugal que decorreu no passado fim-de-semana na Anadia.
Natural de Arezzo, em Itália, onde nasceu em 1964, apesar de muito solicitado pelos fãs e admiradores, arranjou tempo para uma conversa exclusiva com o Jornal de Notícias, em que confessou que “Tex foi sempre importante” na sua vida”. Lê-o “desde criança” e sempre foi um dos seus “fumetti [designação italiana para a BD] favoritos”. Por isso, naturalmente, quando começou a desenhar “ainda miúdo, os temas preferidos eram os cowboys e os índios”. E nunca imaginou que “tantos anos depois, seria um dos desenhadores da personagem que admirava desde a infância”. Se esse facto representa “uma grande satisfação profissional, é também uma grande responsabilidade e uma honra poder representar graficamente Tex e o seu universo”.
E prossegue: “Há quase 20 anos que desenho histórias do Tex, mas isso nunca cansa: há sempre algo novo para representar, há sempre algo para aprender. Tex não é apenas um trabalho, mas acima de tudo uma paixão e uma escola de vida”.
Mas afinal, o que torna Tex diferente dos outros western e de outros heróis dos quadradinhos? Rossano Rossi não hesita: “Publicado continuamente desde há 75 anos e o fumetti mais vendido em Itália, Tex ainda goza de muita consideração. Já não é simplesmente uma banda desenhada, mas sim um ícone que entrou na memória colectiva dos italianos e não só, já que em Portugal também é muito apreciado”. E continua com entusiasmo: “Tex é aquele que cada um de nós gostaria de ser, um campeão da justiça, um defensor dos fracos, dos oprimidos, um herói que também está disposto a ir além das regras quando é necessário. Tex é diferente de outros quadradinhos, simplesmente porque ele é muito mais que isso”.
Quanto à Mostra do Clube Tex Portugal, que decorreu no passado fim-de-semana no Museu Vinho Bairrada, na Anadia, confirmou ser “um evento muito interessante e de sucesso, como tinham dito os autores que nela participaram nos anos anteriores”. E conclui, salientando um dos pontos fortes do evento, o convívio entre apaixonados pelo mesmo tema, referindo “o prazer de rever velhos amigos do Clube Tex Portugal e conhecer muitos novos!!”.


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Idealismo e utopia em trinta anos de História

Paixões e companheirismo arrastam Mattéo ao longo de meia Europa
Chega ao fim um longo e inebriante fresco histórico traçado com virtuosismo por Jean-Pierre Gibrat

Com a recente publicação pela Ala dos Livros da sua “Sexta época”, “Mattéo” é mais uma série de banda desenhada integralmente editada em português.
Com algumas atribulações, é verdade, a exemplo da vivência agitada do seu protagonista, uma vez que, depois de iniciada pela Vitamina BD em 2009, só seria retomada uma década mais tarde, pela Ala dos Livros, mas ainda a tempo de acompanhar o volume final francês.
Percorrendo 30 anos da História europeia, “Mattéo” acompanha os grandes momentos da Primeira Guerra Mundial, da revolução socialista na Rússia e da Guerra Civil espanhola, para terminar em plena Segunda Grande Guerra. Ao longo desses anos conturbados, seguimos o protagonista que dá nome à série, muitas vezes simples peão no meio de acontecimentos imparáveis com ritmo próprio ou companheiro (sempre) fiel dos amigos que a vida lhe foi propondo, tanto movido pelas utopias que embalaram alguns daqueles movimentos, quanto pelos seus interesses pessoais. Leia-se aqui as paixões que foi vivendo, como as belas Juliette e Amélie, ou as deslocações forçadas pela fuga às autoridades ou ao invasor. Pagando cara a sua impulsividade, entregando-se completamente em nome da amizade ou das crenças comuns, crente num mundo melhor e mais equitativo com igualdade e justiça para todos, mas sucessivamente traído e desiludido pela realidade que abafou utopias e amanhãs cantantes, Mattéo percorreu meia Europa, vendo e vivendo de perto o crescimento de utopias e assistindo desolado ao seu estrepitoso tombar.
Nesta sexta época, com o seu mundo a desmoronar-se devido à ascensão da Alemanha Nazi após a vitória de Franco em Espanha, Mattéo, de volta ao ponto de partida, embora sofra na vida e na pele as consequências do conflito e da invasão da França, vai passar ao lado dos acontecimentos, impulsionado mais uma vez por interesses pessoais: a procura do filho que o desconhece como tal. Desta forma, termina, sem ficar fechado, um longo e inebriante fresco histórico traçado com mestria, delicadeza e virtuosismo por Jean-Pierre Gibrat, de um modo inesperado mas coerente, que vinca a importância do ser humano sobre as ambições de alguns e a predominância de valores como o companheirismo, a solidariedade, a dedicação e a entrega em prol dos outros.

Mattéo: Sexta época (2 de Setembro de 1939 – 3 de Junho de 1940)
Jean-Pierre Gibrat
Ala dos Livros
80 p., 22,90 €


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F. Cleto e Pina

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Os horríveis anos oitenta…

Música, drogas e seitas numa a ficção sociológica de tom policial
Ed Brubaker e Sean Phillips levam-nos a 1985, numa história violenta e sórdida

“Amigo do Diabo”, segundo volume da série “Reckless”, acabado de editar em português pela G. Floy, de alguma forma combina a autobiografia, por força do regresso do argumentista Ed Brubaker às suas próprias recordações, com a ficção sociológica de tom policial, devido ao mergulho num passado colectivo que pertence a todos os que viveram os horríveis anos 80…
A música (sem a adequada adjectivação…) com “grandes cabeleiras, teclados barulhentos e caixas de ritmos”, as “drogas rascas”, a violência skinhead, as seitas, os cultos… atropelam-se naturalmente num relato que, pela forma como está construído, num discurso em voz off do protagonista, estabelece laços connosco, leitores, e leva a que nos embrenhemos nele, sentindo-nos parte integrante do mesmo, ainda que apenas como meros espectadores… ou voyeurs.
Ao lado de Brubaker, um dos melhores escritores de policiais aos quadradinhos da sua geração, está de novo, inevitavelmente, Sean Philips, mas desta vez o seu traço realista característico surge mais descuidado no tratamento da figura humana, mas continua a servir de base para um retrato duro e credível de uma época que Brubaker aponta como inútil e “uma fase horrível para (…) o mundo à nossa volta”.
Isso não impede que a leitura seja aliciante, ritmada e entranhável pelo modo como os capítulos se sucedem, com os respectivos títulos de alguma forma a surgirem ‘naturalmente’ nas pranchas, eliminando os hiatos – físicos e temporais – entre as cenas, quase nos levando a acreditar que, se fosse cinema, era narrado num único take.
E, na verdade, é (também) de cinema que “Amigo do Diabo” trata, pois é nele e devido a ele que tudo começa e termina – enquanto somos levados pelo protagonista na busca de uma jovem desaparecida anos antes nos palcos de Hollywood e nos seus cantos mais esconsos, entre sonhos de grandeza no grande ecrã e o choque frontal com a realidade de um mundo feito de ilusões e pródigo em destruí-las.
E com Ethan Reckless, mais uma vez em busca de auto-redenção e de fazer a diferença para alguém, a sentir-se obrigado a ser protagonista activo no desfecho final que apenas exacerba a violência física e psicológica que perpassa por todo o relato.

Reckless #2: Amigo do Diabo
Ed Brubaker e Sean Phillips
G. Floy
144 p., 20,00 €


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F. Cleto e Pina

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João Amaral: “As personagens femininas são mais interessantes e menos contraditórias que as masculinas”

Autor português lança “A Oeste” amanhã em Anadia, na 8.ª Mostra do Clube Tex Portugal

“A Oeste” é o novo álbum do autor português João Amaral, que é lançado amanhã, domingo, às 16 horas, em Anadia, na 8.ª Mostra do Clube Tex Portugal, pela editora Escorpião Azul.
Nascido em 1966, João Amaral, que confessa sentir “o western nos genes”, apresenta-se como “admirador e leitor de Tex desde a juventude”, de regresso a um local onde se sente “entre amigos que apoiam e incentivam”. No ano passado, apresentou em Anadia “Rattlesnake”, “um western que, por isso, fazia todo o sentido que fosse lançado lá e que teve um acolhimento fantástico”. Para além disso, a Mostra do Clube Tex “permite sempre ter dois dedos de conversa com os desenhadores convidados, sobre os desafios que esta arte coloca”.
Este ano, “apesar de “A Oeste” não pertencer propriamente ao género western, no modo como é narrada é uma espécie de homenagem a essa forma de contar histórias”
Sobre este novo projecto, confidencia que, curiosamente, foi “concebido antes de “Rattlesnake”, e decorre no Portugal do século XIX, que tem muitos elementos que dão para construir verdadeiros westerns, incluindo uma guerra civil!”. E prossegue: “é uma história que reflecte um pouco sobre como o fanatismo pode deturpar uma ideologia, como os radicalismos podem acabar por matar um ideal, por muito válido que ele seja”. Centrado “no conflito entre republicanos e monárquicos”, implicou “uma pesquisa prévia sobre aquela época” e conseguir estabelecer “uma relação entre a realidade e a ficção”.
Como ponte entre “Rattlesnake” e “A Oeste”, fica a entrega do protagonismo a duas mulheres “pois as personagens femininas são muito mais interessantes e menos contraditórias que as masculinas” explica o autor, que admite algum fascínio “por mulheres guerreiras que lutam um pouco contra as injustiças que as rodeiam”.
Em mãos, João Amaral tem já “o segundo tomo de “Rattlesnake”, em que os leitores irão saber mais qualquer coisa sobre a protagonista”, uma vingadora de saias, que enfrenta as injustiças no velho Oeste.
A 8.ª Mostra do Clube Tex decorre este fim-de-semana no Museu Vinho Bairrada, em Anadia e, para além de João Amaral, conta com a presença de dois desenhadores de Tex, os italianos Dante Spada e Rossano Rossi.


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Tex de regresso a Anadia

Autores italianos Rossano Rossi e Dante Spada e o português João Amaral, são os destaques

O Museu Vinho Bairrada, em Anadia, acolhe este fim-de-semana a 8.ª Mostra do Clube Tex Portugal, dedicada ao western aos quadradinhos há mais tempo em publicação ininterrupta.
Durante dois dias, os fãs da personagem em particular e os apreciadores do género em geral, convergem para aquela cidade, vindos de todo o país e também do estrangeiro, uma vez que o Clube, único no seu género, “tem sócios em países como o Brasil, Itália, Espanha e França”, revelou ao JN Mário João Marques, um dos seus responsáveis.
Este ano, o principal destaque “é a presença de dois autores italianos Dante Spada e Rossano Rossi, com exposições, conferências e desenho ao vivo”. Mas a Mostra também fala português, com o lançamento pela Escorpião Azul de “A Oeste”, a mais recente obra de João Amaral, “que também terá exposição e encontro com os leitores”.
A ideia de criar no nosso país um evento dedicado a uma personagem italiana “surgiu no seguimento da criação do Clube Tex Portugal” com o intuito de “reunir apaixonados da personagem”. Já existindo “noutros países, nomeadamente em Itália, tentou-se o mesmo modelo em Portugal, onde não existia nada semelhante”. Com “o apoio da Câmara Municipal de Anadia, do Museu do Vinho Bairrada e da Sergio Bonelli Editore, foi criado este projecto, que hoje é único e uma referência no nosso país” e transformou “Anadia na capital portuguesa do Tex”.
O ranger “é uma personagem carismática e única, que representa a eterna luta entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, através de um conjunto de valores que todos devíamos abraçar: ética, moral, honestidade, levando-o a enfrentar poderes instituídos e gente corrupta”.
Este ano, pela primeira vez, a Mostra do Clube Tex promove, no domingo de manhã, “uma Oficina de Artes, com o apoio da Associação dos Artistas Plásticos da Bairrada, para crianças e jovens dos 6 aos 15 anos, uma oportunidade para os mais novos se iniciarem no mundo da BD e das personagens associadas a Tex”.
A entrada no Museu Vinho Bairrada, que tem em permanência uma galeria dedicada a Tex, é gratuita.


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BD sobre a PIDE para celebrar Abril

Obra do italiano Giorgio Fratini é “uma metáfora sobre a perda da memória”; Lisboa dos anos 70 é testemunha muda da actuação da polícia política

Para assinalar o 34º aniversário da Revolução dos Cravos, a Campo das Letras acaba de editar “As paredes têm ouvidos – Sonno Elefante”, um romance gráfico cuja acção decorre a dois tempos, nos últimos anos da ditadura e em 2006, centrada no edifício da R. António Maria Cardoso que serviu de sede à PIDE, e que retrata, de forma contida mas realista, alguns métodos dos seus agentes – “que não investigam antes de prender, prendem para investigar”, lê-se a certa altura.
Esta banda desenhada nasceu de uma notícia sobre a transformação daquele edifício num condomínio de luxo, e é “uma metáfora sobre a perda da memória de um lugar, logo de um pedaço da História”, revelou ao JN o autor, aquando da edição italiana do livro, no início de 2008. Isto porque, curiosamente, esta é uma obra de um italiano, Giorgio Fratini, que conheceu Portugal em 2000, ao abrigo do programa Erasmus.
Ou talvez não, se pensarmos que os quadradinhos nacionais raramente abordaram o meio século de ditadura salazarista, embora não seja “exclusiva da BD esta cegueira criativa e libertária em relação a um período tão rico (para o melhor e para o pior)”, como refere João Paulo Cotrim, argumentista de “Salazar – Agora na hora da sua morte” (2006), um outro romance gráfico situado na mesma época, que humaniza o mito do ditador, como forma de o desmistificar. E acrescenta: “caiu sobre o período da ditadura um véu politicamente correcto que não permitiu que o olhar da criação, cujo pressuposto é a absoluta liberdade, iluminasse o período do regime para além do (que parece) bem e mal”.
Para além de “Salazar…”, algumas das excepções mais relevantes são “As pombinhas do Sr. Leitão” (1999), de Miguel Rocha, ou “Operação Óscar” (2000), de José Ruy, a par de alegorias mais datadas como “Kolanville” (1974), de Duarte, “O País dos Cágados” (1989), de Artur Correia e Gomes de Almeida ou “Wanya” (1973; reedição Gradiva, 2008), de Nelson Dias e Augusto Mota, embora, “paradoxalmente, algumas das mais interessantes produções recentes” – muitas delas “perdidas” em jornais e revistas – “se incluam nesta vertente da BD de cariz histórico”. E isto apesar de a banda desenhada “ter sido uma linguagem bastante usada pelas propagandas da ditadura”, conclui Cotrim.
“As paredes têm ouvidos”, cuja acção decorre também nas ruas inclinadas e nas tabernas típicas de Lisboa, cujas casas e prédios são testemunhas mudas dos medos e mordaças que então imperavam, traça igualmente o percurso de cinco amigos, cujas vidas são profundamente afectadas pela actuação da polícia política, “entre os quais há quem se oponha, quem traia, quem colabore, quem se anule e quem morra”.


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