Categoria: Recortes

Art Spiegelman: autobiografia em BD

Começada nos anos 70, é agora editada em versão aumentada no mercado francês; “Maus” valeu ao autor o único Prémio Pulitzer concedido a uma obra em quadradinhos

Foi lançado ontem, dia 19, em França o livro “Breakdowns, Portrait de l’artiste en jeune !@#S%*!” (Casterman), a autobiografia de Art Spiegelman, o autor do célebre romance aos quadradinhos “Maus” (edição portuguesa da Difel, em dois volumes), que lhe valeu o Prémio Pulitzer, em 1992, na única vez em que ele foi atribuído a uma obra em banda desenhada.
O álbum encontra-se dividido em três partes. A primeira, a mais recente, foi realizada nos últimos dois anos e é nela que Spiegelman mergulha mais profundamente no seu passado. A segunda, é a reprodução fac-similada de “Breakdowns”, o seu primeiro álbum profissional editado em 1978, nos EUA, com uma tiragem bastante reduzida, no qual, em quinze relatos curtos, lançava as bases do seu percurso inovador e experimentalista, que viria a transformar o conceito de romance gráfico. Finalmente, a terceira parte é um curto ensaio ilustrado no qual apresenta as razões que o levaram a conceber esta obra.
A edição francesa surge seis meses antes do seu lançamento nos Estados Unidos, e Spiegelman fez questão de acompanhar ao pormenor toda a produção, desde a legendagem (totalmente manual!) até à cuidada execução gráfica. O seu lançamento é um dos momentos altos do Salão do Livro de Paris.
Para além de “Maus”, que o ocupou durante 13 anos, uma biografia ficcionada da experiência vivida pelo seu pai nos campos de concentração nazis e da forma como ela afectou profundamente a relação entre os dois, Spiegelman, nascido a 15 de Fevereiro de 1948, um dos mais influentes criadores de BD da actualidade, é autor também de “In the Shadow of No Tower”, no qual narra como viveu o 11 de Setembro de 2001, a poucas centanas de metros das Torres Gémeas, em que crítica a política dos EUA e pisca o olho aos pioneiros norte-americanos de BD, para além de ter dirigido a revista experimental “Raw” e de ter sido ilustrador do “The New Yorker” entre 1993 e 2002.


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F. Cleto e Pina

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Por detrás das vinhetas desenhadas

Colectânea de entrevistas com autores portugueses actuais
Conhecer melhor as pessoas possibilita uma nova abordagem às obras que criam

A conhecida expressão “espaço branco [ou vazio] entre as vinhetas” define de forma extremamente feliz a magia desta arte narrativa que, na sua essência, vive da forma como o leitor preenche mentalmente esse espaço para sequenciar a narrativa, ‘adivinhando’ o que que decorre entre cada duas vinhetas.
Tentando fazer uma transposição do conceito, posso escrever que o livro “Conversas de Banda Desenhada” tenta preencher o que existe por detrás das vinhetas, ou seja, dar a conhecer um pouco de quem são os criadores de histórias aos quadradinhos.
Não sendo caso único nem original – são famosas, por exemplo, as longas conversas de Numa Sadoul com Hergé ou Franquin – é uma das primeiras vezes que tal é feito de forma continuada com autores portugueses, não em conversas muito extensas, como no caso dos livros de Sadoul, mas transcrevendo em duas ou três dezenas de páginas encontros relativamente breves, mas ricos na abordagem ao quotidiano e ao processo criativo de alguns dos mais marcantes autores nacionais de banda desenhada da actualidade.
A iniciativa partiu de João Miguel Lameiras e Carina Correia, que conversaram com Filipe Melo/Juan Cavia, Joana Afonso, Jorge Coelho, Luís Louro, Marco Mendes, Nuno Saraiva, Osvaldo Medina e Paulo Monteiro.
O que os atraiu para a banda desenhada, o seu posicionamento em relação a esta arte e à realidade portuguesa, o local, horário e forma de trabalhar, as suas influências, a génese das obras mais significativas, os projectos em mão e diversas curiosidades, têm agora resposta, nalguns casos permitindo até uma nova abordagem ou visão das obras já lidas e tornando mais reais e humanos os nomes que nos habituámos a ver impressos nos livros, mas que soavam impessoais e distantes pelo total desconhecimento que temos das pessoas.
Esta edição de A Seita, co-financiada pelos programas Compete 2020, Portugal 2020 e o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, inclui igualmente reproduções de pranchas dos diversos entrevistados e ilustrações, nalguns casos inéditas, como é o caso dos desenhos feitos por cada autor, representando-se a si próprio e aos entrevistadores, de alguma forma, passando-os e também a si próprios para ‘o lado de cá’ das vinhetas.

Conversas de Banda Desenhada
Carina Correia e João Miguel Lameiras
A Seita
184 p., 17,90 €


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F. Cleto e Pina

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“Guerra Civil” chega a Portugal

Maior evento Marvel de 2007 pôs super-heróis uns contra os outros

Durante a próxima semana chega às bancas portuguesas “Guerra Civil” #1, a primeira das sete partes que constituem a base do maior evento dos quadradinhos Marvel de 2007. Trata-se da versão brasileira que, tal como diversos outros títulos da Marvel e da DC, têm vindo a ser distribuídos em Portugal desde há quase um ano.
Na origem da saga, está uma lei promulgada pelo Senado norte-americano que obriga os super-heróis a registarem-se, revelando a sua identidade secreta, como forma de lhes poderem ser pedidas contas de eventuais destruições ou mortes por eles causadas. A consequência imediata foi a divisão dos super-heróis por dois campos, um, favorável ao registo, com o Homem de Ferro à cabeça; outro, chefiado pelo Capitão América, opondo-se à nova lei, obrigado a refugiar-se na clandestinidade. Ao longo da saga, multiplicam-se os confrontos e as baixas, uma das quais o Capitão América, cuja morte, quase no final, teve grandes repercurssões na imprensa generalista. Mas que já foi resolvida, com a sua substituição recente por um antigo companheiro.
Como é normal nas grandes sagas de super-heróis, a “Guerra Civil” estendeu-se por diversas publicações, entre as quais as revistas mensais (edição brasileira) “Os Novos Vingadores”, “X-Men” e “Homem-Aranha”, que também têm distribuição portuguesa. Aliás, no nº 68 desta última, também nas bancas este mês, tem lugar outros dos grandes momentos da saga: a revelação por parte do herói aracnídeo de que a sua identidade secreta é Peter Parker.
Escrita por Mark Millar, de forma envolvente e pormenorizada. e desenhada por Steve McNiven, com um traço realista clássico, “Guerra Civil” foi bastante bem recebida pela crítica, com excepção do seu final, que não podia fugir a alguma previsibilidade.


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F. Cleto e Pina

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José Carlos Fernandes traduzido na Polónia

“A Pior Banda do Mundo” lançada este fim-de-semana nos Encontros de Banda Desenhada de Varsóvia; Autor presente para autógrafos e encontros com artistas locais

O autor português de banda desenhada, José Carlos Fernandes, está a partir de hoje – e até dia 19 – na Polónia, para promover a edição local de “A Pior Banda do Mundo”. Da responsabilidade da editora Taurus Media (que tem também em agenda “Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos”, de Pedro Brito e João Fazenda, recentemente editado em França), o primeiro tomo de “Najgorsza Kapela Swiata”, corresponde aos dois primeiros dos seis volumes já lançados pela Devir, devendo o seguinte sair em Outubro próximo. Esta edição surgiu “por acaso, pois foi um polaco que ensina português lá que gostou tanto de “A Pior Banda do Mundo” que a traduziu, fotocopiou e enviou para vários editores”, revelou o autor.
Fernandes vai participar nos Encontros de Banda Desenhada de Varsóvia, deslocando-se igualmente a Cracóvia. Do seu programa fazem parte sessões de autógrafos em diversas livrarias, encontros com leitores e autores locais, entrevistas na rádio e aos jornais e uma ida à Universidade de Varsóvia para dialogar com os estudantes do Curso de Licenciatura em Estudos Portugueses, sobre a BD nacional.
Apreciador da “poesia de Wislawa Szymborska, Zbigniew Herbert e Czeslaw Milosz e da música de Karol Szymanowski e Krzysztof Penderecki”, JCF confessa não conhecer a BD local mas espera que “os polacos encontrem afinidades nas minhas histórias”. Mas, sendo “a primeira vez que um livro meu é lançado num mercado realmente estrangeiro (Brasil e Espanha são territórios que comunicam naturalmente com Portugal), isso é sempre excitante”.
Premiada várias vezes no Festival de BD da Amadora, “A Pior Banda do Mundo” parte de um quarteto de músicos ineptos, moradores numa cidade anónima onde se cruzam anacronicamente referências arquitectónicas, literárias, musicais e de design, para narrar histórias curtas e auto-conclusivas que, no seu conjunto, traçam uma crítica feroz e contundente de uma sociedade que, aparentemente longínqua, espelha bem a nossa.


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Super-heróis recriam Peter Pan pelo lápis de João Lemos

Autor português assina nova série que recria contos tradicionais infantis protagonizados por heróis Marvel; Nuno Plati e Ricardo Tércio também participam no projecto; Livro deverá chegar a Portugal no final do mês

É lançado hoje nos Estados Unidos o primeiro número de “Avengers Fairy Tales”, um projecto que cruza contos tradicionais infantis e super-heróis do universo Marvel. Este número inicial, que revisita o Peter Pan de J.M. Barrie, tem o Capitão América no lugar do herói tradicional, Thor e o Homem-de-Ferro como dois dos Meninos perdidos, a Vespa como a fada Sininho, e é desenhado pelo português João Lemos. Há semanas, C. B. Cebulski, argumentista e editor da casa das Ideias, apresentava-o “como um livro único, dos mais belos que a Marvel tem lançado”.
Ao JN, João Lemos, nascido em 1977, com formação em Animação e BD, conta que esta aventura começou “em 2005, quando encontrei, por acaso, Joe Quesada, director da Marvel, no Festival de BD de Angoulême, e lhe entreguei o meu portfolio”, para ter “umas dicas dele enquanto desenhador”. Depois, “num suspeito 1 de Abril, recebo um mail do Cebulski a perguntar-me se estaria interessado em trabalhar com ele”. Admitindo influências de “Jeffrey Jones, Claire Wendling (que assina a capa), Mike Mignola, Hugo Pratt, Kent Williams ou Jon J. Muth, entre tantos outros”, percebeu que o seu traço “não se enquadrava na actual tendência da Marvel, pelo que começámos a trabalhar em “Shiki”, uma série de fantasia e tom ecológico, para a Image Comics. Só com o aparecimento da linha fairy-tales é surgiu o convite para a Marvel”.
Não adiantando muito da história – o vilão que encarna o Capitão Gancho foi mantido em segredo até hoje – avisa os fãs de Peter Pan que os “Avengers Fairy Tales” partem de “premissas com qualquer coisa de herético, pelo que deverão avançar com a noção de que não é nem uma adaptação rigorosa nem mais uma visita ao universo Marvel, apesar de piscar os olhos a ambos”. Mas acrescenta que enquanto “fã da peça e do romance originais (mais densos que a adaptação Disney), dei por mim a desenhar como que citações ao longo da história”. Esta, foi trabalhada de “um modo bastante orgânico, numa relação de ping-pong que preveniu grande parte das eventuais correcções, pois todas as partes estavam, mais do que a par dos avanços dos outros, envolvidos nos mesmos desde o início”.
Responsável pelo desenho a lápis e pela arte-final, Lemos, embora conhecedor que “Cebulski deposita uma esperança imensa na reacção do público”, sabe “que vai haver bastantes gregos a odiar o resultado”, restando saber “quantos troianos lhe mostram os dentes”.
Se o projecto – sem perspectiva de edição em Portugal – foi financeiramente compensador, “a título artístico foi uma experiência única”, sendo o “desenhar um comic um sonho concretizado”. Agora, vai “retomar a produção de “Shiki”, a par de uma série de outros projectos”.
E olhando para a actual “invasão” do mercado de comics pelos autores portugueses (ver caixa), realça que “ao passarmos de zero para meia-dúzia, damos por nós não só a saber que é possível lá chegar como também a constatar o facto de que não estamos forçosamente perante um momento pontual e aberrante”, sendo antes o reconhecimento de que “há talento extraordinário em Portugal”.

[Caixa 1]

Outros autores portugueses a trabalhar para os EUA

Dos contos de fadas ao Fantasma

Nuno “Plati” “finalizava a última prancha” de “Avengers Fairy Tales #2”, baseado em Pinóquio, anunciado para 9 de Abril, quando o JN o contactou. O quarto e último volume da série, em Junho, inspirado em “O Feiticeiro de Oz”, terá a assinatura de Ricardo Tércio, facto ainda ignorado pelos fóruns especializados norte-americanos.
Os dois têm em fase embrionária outros projectos com Cebulski, para a Image, tal como Ricardo Venâncio, que já desenhou “seis pranchas de “No Quarter”, uma BD de ficção-científica passada numa base lunar, nas horas que antecedem um grande confronto”.
De Miguel Montenegro, já “veterano” no mercado norte-americano, estreia este mês “Army of Darkness/Xena”, “da Dynamite Entertainment, uma mini-série em quatro números que estou a finalizar” e, em Abril, “termina “Red Prophet”, na Marvel”.
Eliseu Gouveia, aliás “Zeu”, também com um currículo apreciável, entregou “a capa de “The Phantom” #20”, o clássico Fantasma criado em 1936 por Lee Falk e Ray Moore, “a distribuir pela Moonstone Books em Julho”, para além de ter “em curso diversos projectos para o mercado indie”.

[Caixa 2]

Em Portugal no fim do mês

“Avengers Fairy Tales #1” chegará às lojas portuguesas especializadas em BD no fim do mês. Em Lisboa, na BDMania – onde João Lemos já trabalhou – “quem pré-encomendar o comic até dia 22, recebê-lo-à autografado”, diz Pedro Silva, que revela ter já “70 exemplares reservados”.
A Kingpin of Comics, de Mário Freitas, encomendou “20 exemplares, tal como do “Spider-Man Fairy Tales #1”, de Tércio”. Também na capital, a Mongorhead Comics, “reservou 50 exemplares”, informa Tiago Sério, que não exclui uma futura sessão promocional, uma vez que “há autores nacionais envolvidos”.
Na Dr. Kartoon, em Coimbra, onde a principal aposta é a BD franco-belga, João Lameiras adianta que quando sair a série encadernada, pensa organizar uma sessão de autógrafos com “os portugueses que trabalharam em “Avengers Fairy Tales”.


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Regresso ao Congo em edição definitiva

Exotismo e dinossauros em selva africana
Primeiro álbum da saga criada por Duarte e Henrique Gandum foi totalmente redesenhado e planificado

Congo, 1880. Uma expedição portuguesa percorre as selvas inexploradas daquele país, com o objectivo de cartografar uma das regiões mais inóspitas e desconhecidas do continente africano. Nomeado pelo monarca português, Afonso Ferreira, explorador de renome, chefia a expedição – também com o objectivo secreto de tentar conquistar algum terreno ao reino da Bélgica – mas nem mesmo ele estava preparado para o que ia encontrar: cenários dantescos, povoados por dinossauros, que se transformam na antecâmara de uma experiência de puro terror.
Este é um breve resumo desta saga com assinatura de dois irmãos portugueses Duarte e Henrique Gandum, iniciada em “Congo, um mundo esquecido” (2018), que agora ganha nova actualidade pela chegada às livrarias da “Edição definitiva”, da editora Mudnag. Que é como quem diz, uma versão completamente redesenhada, com as 89 pranchas iniciais reduzidas às 56 actuais, devido à nova planificação, para uniformizar a série.
A primeira constatação, evidente, é que a obra ganha visualmente. Os irmãos Gandum – já com mais dois volumes da saga publicados, “No caminho das Trevas” (2019) e “Amélia” (2021) – apresentam hoje outro traquejo gráfico: a redução do tamanho das vinhetas disfarça pormenores menos conseguidos, o desenho ganha em definição e qualidade e há uma nova luminosidade do colorido que torna as cenas mais legíveis. A um outro nível, a nova planificação e os ajustes feitos ao nível dos diálogos, mais naturais, vivos e assertivos e reduzindo os arcaísmos que os aproximavam do português falado no final do século XVIII, contribuem para a introdução de um ritmo mais condizente com o tom de aventura fantástica que a obra apresenta.
Para além da anomalia anacrónica em termos de fauna, francamente atractiva e com grande potencial dramático, que lhe serve de base, o argumento explora igualmente o lado humano, assente no clima de tensão e medo que as situações vividas implicam e nos inevitáveis choques que os confrontos com as enormes bestas e as perdas de vidas provocam entre os membros da expedição, bem como da relação destes com os habitantes locais, num todo de tom violento e trágico.

Congo: Um mundo esquecido – Edição definitiva
Henrique e Duarte Gandum
Mudnag
64 p., 15,00 €


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F. Cleto e Pina

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BD portuguesa em destaque no Louri’BD

Evento assinala 10 anos da editora Escorpião Azul

De 11 a 19 de Março próximos, vai ter lugar o Louri’BD – 1.º Festival de Banda Desenhada da Lourinhã, no Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, promovido pelo município da Lourinhã e a Editora Escorpião Azul, com o apoio da Antena 1.
O intuito da autarquia é “difundir, junto da comunidade, aquilo que é a banda desenhada, tornando-a acessível e próxima de todos os leitores, independentemente da idade ou da literacia de cada um, e afirmar o enorme potencial pedagógico, artístico e cultural, que tanto enriquece e singulariza este género”.
O prato forte do festival é a exposição “10 Anos de Histórias aos Quadradinhos”, com pranchas de quase duas dezenas de autores nacionais publicados ao longo de uma década pela editora Escorpião Azul, cujo catálogo é quase exclusivamente preenchido com obras de autores portugueses. “58 edições num total de 68 editadas”, frisou ao Jornal de Notícias, Jorge Deodato, fundador da editora. E prossegue: “fundador das edições Polvo, com o Rui Brito e o Pedro Brito, em 1997, desde a minha saída em 2007, que tinha em mente realizar um projecto pessoal”. Quando a oportunidade surgiu, deu largas “à vontade insaciável de criar uma casa editorial que se dedicasse em exclusivo à edição de banda desenhada, a que se juntou em 2013 a criatividade da Sharon Mendes”, autora do cartaz do Louri’BD.
O principal objectivo da Escorpião Azul, designação escolhida “por apreciar animais exóticos e porque o escorpião é um animal resiliente”, era “dar ‘voz’ aos autores portugueses, algo que na altura era quase residual por parte das editoras no activo”. E conclui: “aparecemos para dar alma e coração à banda desenhada que se faz por cá no burgo; os nossos autores sabem que não é fácil editar no nosso pais e correm o risco connosco. Felizmente, os frutos desta parceria vão aparecendo”.
Para além daquela exposição, o Louri’BD terá um Mercado do Livro de BD e apresentação de projectos, lançamento de livros, conversas com autores, workshops, sessões de autógrafos e exibição de curtas metragens de animação, durante todos os dias do evento. Durante o festival estarão presentes, entre outros, Álvaro, Derradé, João Amaral, Luís Louro, Paulo J. Mendes, Paulo Monteiro, Pepedelrey e Rita Alfaiate.
Estão também agendados dois concertos ilustrados: na noite de 11 de Março, Rita Alfaiate desenhará durante um concerto da cantora Rita Sousa, fazendo Paulo J. Mendes outro tanto durante um espectáculo de Brani, no dia 19.
A entrada é livre e a programação completa pode ser consultada nos canais digitais do município da Lourinhã.


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Viver em função da vingança

Duplo regresso de Yslaire e de “Sambre”
História de amor trágica, narrada em tons sépia com pinceladas de vermelho vivo

Os acasos – editoriais – têm destas coisas e, 20 anos depois, Yslaire ressurge no mercado português em dose dupla: com “Menina Baudelaire” (edição da Ala dos Livros), uma biografia do poeta maldito sobre que escrevi aqui na semana passada, e com este “Sambre V/VI” (Arte de Autor), outro regresso pois, na mudança do século, o primeiro ciclo desta série foi editado em português. Trata-se de uma trágica história de amor entre Bernard Sambre, filho de uma família da província abastada e Julie, uma rapariga do povo, contrariada pela família dele, devido aos olhos vermelhos da jovem, supostamente portadores de uma maldição. Com a revolução de 1848, que conduziu à Segunda República Francesa, como pano de fundo, este ciclo correspondente à “Segunda geração” – que a Arte de Autor vai reeditar em breve – revelava-se uma história forte e violenta, de desfecho trágico, sedutora também pelas pinceladas de vermelho vivo que pintam os olhos de Julie, o cabelo de Bernard e alguns pormenores, por entre o tom sépia dominante.
Agora, reencontramos Julie, 11 anos mais tarde, presa nas cadeias do império francês pela sua participação na revolta, e descobrimos o destino dos seus filhos, uma vez que estava grávida no final do primeiro ciclo.
Se há uma evidente mudança de cenário e o centrar absoluto da trama em Julie, o lado trágico desta série, com o contraste entre ódios profundos e paixões arrebatadas, e o retrato cru e realista da podridão moral de quem detinha o poder e, agora, o sistema prisional francês, profundamente opressivo, desumano e violento, continua a tornar a saga dos Sambre uma narrativa apaixonante e o reencontro com Julie não se faz sem emoção.
Mesmo que se trate de uma nova Julie, desenganada com a vida, desejando a morte que não se atreve a provocar para se reencontrar com Bernard, cujo fantasma nunca a deixou, e vivendo apenas para se vingar.
Deportada à força, supostamente para refazer a vida numa colónia longínqua – mas na prática afastada pelo poder político e a família que continua a odiá-la e a atormentá-la – Julie sofrerá um naufrágio que, parecendo uma tragédia, lhe poderá proporcionar uma nova vida. Resta saber se estará disposta a entreabrir o seu coração ou se a amargura e o ódio acumulados a levarão – de novo – ao abismo.

Sambre V/VI
Yslaire
Arte de Autor
104 p., 27,00 €


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F. Cleto e Pina

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Biografia ousada do poeta maldito

Charles Baudelaire revisitado em BD
De regresso ao mercado português, Yslaire conta a sua vida pelos olhos da sua amante

O tema não era fácil nem a obra poderia ser ligeira, mas biografar Charles Baudelaire em banda desenhada comportava riscos óbvios. Bernard Yslaire, que assim regressa ao mercado português com este “Menina Baudelaire”, sai-se muito bem da tarefa a que se propôs, reflectindo a vida atribulada e a inquietação permanente em que viveu o autor de “As flores do mal”.
Partindo da sua morte, em 1867, Yslaire retrocede mais de meio século, até à sua infância, partindo daí para traçar um retrato vigoroso da forma como Baudelaire viveu. Fá-lo, no entanto, por interposta pessoa, especificamente Jeanne Duval, a sua amante, a sua Vénus negra, a sua única e verdadeiro paixão, aquela que o acompanhou enquanto ele quis e que a ele sempre voltou, em especial nos momentos de desânimo, de perda ou de desequilíbrio. É ela que, numa longa missiva dirigida à progenitora do poeta, a quem tenta explicar a intensidade da relação que mantiveram, partilha com os leitores os extremos que balizaram a vida de Baudelaire, entre a boémia a criação frenética, as dívidas constantes e os pedidos de crédito, a companhia de outros criadores – Delacroix, Banville, Nadar… – a pesada herança da sífilis e os efeitos devastadores da medicação com que a combatia que contribuíram decisivamente para a sua decadência acelerada.
Mais do que a biografia única do poeta, bem pode dizer-se que Yslaire traça uma dupla biografia, a dele e de Jeanne, de tal forma em tantas ocasiões foram um só ou se submeteram um ao outro, com um traço realista solto e desenvolto, pontualmente atravessado pelo imaginário dele… e dela, em visões avassaladoras ou pesadelos tornados realidade, que contribuem para tornar mais tortuoso e incómodo um retrato que, aqui e ali, inevitavelmente, roça a provocação e a vontade de chocar, espelhando assim a vida libertina do poeta maldito, cuja obra só pode ser publicada integral e livremente, quase um século após a sua morte.
É a realidade dos tempos que correm – os anos recentes – mas nem por isso se deve passar ao lado. As edições portuguesas apresentam hoje a mesma qualidade superior em termos de papel, impressão ou encadernação, que em tempos invejávamos às originais francófonas , e chegam aos leitores nacionais com pouco ou nenhum atraso em relação a elas, como acontece com, este “Menina Baudelaire”, mais uma belíssima edição da Ala dos Livros que potencia e exibe como merece a obra de Yslaire.

Menina Baudelaire
Yslaire
Ala dos Livros
160 p., 32,00 €


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F. Cleto e Pina

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“Elviro” apresentado no Porto este sábado

O autor Paulo J. Mendes estará presente e falou com o JN sobre o livro

A cafetaria com livros Dona Mira acolhe este sábado, dia 11, às 17 horas, o autor Paulo J. Mendes e o editor da Escorpião Azul, Jorge Deodato, para a apresentação do romance gráfico “Elviro”.
Lançado em Outubro último no Amadora BD, “Elviro” fala-nos da extinção de uma linha de eléctricos na pequena localidade balnear de Nalgas de Mar, dos problemas conjugais entre o protagonista e a esposa, de um encontro de amigos dos transportes ferroviários e um congresso de mirones.
Aproveitando este ‘regresso’ a casa do autor, o Jornal de Notícias conversou com ele, para tentar perceber quem é afinal o protagonista. Segundo Paulo J. Mendes, “Elviro é uma pessoa simples, um normal cidadão de meia-idade a quem aconteceu ter uma paixão por velhos veículos de transporte público, sobretudo eléctricos, provavelmente resultante de viagens e experiências na infância, e que é o seu hobby e o tempero dos seus dias”.
Dias que passa dividido entre os eléctricos e a mulher, pois “gosta de ambos, mas de maneira diferente” diz o autor. E esclarece: “enquanto a paixão pela mulher se dilui na rotina dos dias, a dos eléctricos é constantemente avivada pela novidade, sobretudo na época de grandes mudanças em que a história se situa. Claro que uma ‘balança comercial’ tão desequilibrada não poderia senão originar uma postura reclamante e impaciente do lado matrimonial e a conflitualidade daí resultante”.
A banda desenhada, bem disposta e recheada de surpresas, começa quando ambos chegam a Nalgas de Mar, a tempo de Elviro participar na última viagem do último eléctrico. O detalhe e rigor expressos na narrativa, não surpreendem, sabendo-se que a história se baseia num “episódio que ocorreu em Espanha no início dos anos sessenta, quando aquele país importou troleicarros que Londres estava a descartar, para distribuir por várias cidades, nalguns casos substituindo pitorescas linhas de eléctricos”. E prossegue, confessando que “o facto de partilhar com o Elviro muito do interesse por este tema acaba por funcionar como elo de ligação entre Nalgas e o Porto”, pois “na época em questão e nas décadas que se seguiram ocorreram extinções de linhas de eléctricos um pouco por todo o mundo, sendo que podemos estabelecer algum paralelismo com o caso do Porto, que ainda vivenciei, e o de outras cidades portuguesas”.
Para além da afluência dos apreciadores de eléctricos e comboios, Paulo J. Mendes agenda para a mesma altura, com resultados muito divertidos, um Congresso de Mirones, “ideia inspirada numa cena de “Nem Guerra nem Paz”, um filme de Woody Allen, em que numa malaposta viaja o tolo da aldeia que vai participar num congresso de tolos…”
Depois de em “O Penteador”, livro de estreia de Paulo J. Mendes, os protagonistas passarem o tempo entre jantaradas e corridas nus pela pacífica localidade de Poço Redondo, em “Elviro” voltamos a encontrar muitas refeições em grupo e convívios entre amigos. O desenhador nega que isso “seja um reflexo, pelo menos consciente, do tempo de pandemia”, até porque “o primeiro livro foi dado à estampa uma semana antes de nos mandarem para casa”, mas reconhece que criar “Elviro” ocupou “boa parte do tempo de clausura”, o que se reflecte “no ambiente de sol e praia, algo que ansiava fervorosamente nesses dias cinzentos”.
E depois de Poço Redondo e de Nalgas de Mar, onde nos vais levar o autor? Sem levantar muito o véu, adianta estar “com dois projectos de registos diferentes, um deles com argumento de um amigo” e que ambos estão já “na fase de storyboard”. O primeiro “por se situar em cenários reais, obriga a um planeamento e pesquisa mais cuidados e demorados, pelo que avança mais devagar do que o segundo”. Este último “tem um pouco dos ingredientes e humor dos trabalhos anteriores, quiçá um pouco mais negro e cruel aqui e ali. Vai-nos levar a uma vila do interior e haverá incursões ao passado, velhas casas cheias de memórias, centros comerciais decrépitos, empreiteiros gananciosos e homofóbicos, uma arte marcial absolutamente inovadora e…”
E o resto fica para outra vez, pois Paulo J., Mendes confessa ainda não saber “como vai acabar esta autêntica bandonovela” nem quando estará pronta, embora tema “que decorrerá muito tempo até podermos ler as duas histórias”.
Este sábado, a partir das 17 horas, estará no Dona Mira, na Rua Duque de Saldanha, 431, para mostrar os originais de “Elviro”, conversar com os seus leitores e para uma sessão de autógrafos.


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F. Cleto e Pina

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