Passam hoje 75 anos sobre a estreia no New Yorker American Journal das tiras diárias de The Phantom, popularizado em Portugal como Fantasma. Seria no entanto necessário aguardar uma semana para conhecer o primeiro herói dos quadradinhos com identidade secreta, oculta por uma máscara nos olhos, um fato justo de cor roxa e as cuecas por fora.
Apesar disso, o Fantasma não tinha super-poderes, que entrariam na BD apenas um par de anos mais tarde com o Superman, servindo-se da força, da agilidade física e do seu aspecto amedrontador para derrotar gangsters e tiranos, que marcava para sempre com o seu anel da caveira. E ainda da lenda que o afirmava imortal, contando mais de 400 anos, sendo por isso conhecido como “o espírito que caminha” ou “o homem que nunca morre”.
Na verdade, este Fantasma inicial era apenas o 21º de uma longa linha sucessória, iniciada em 1526 por um aristocrata inglês que, naufragado na costa africana na sequência de um ataque de piratas Singh, jurou consagrar a sua vida e a dos seus descendentes a combatê-los.
Imaginado por Lee Falk, que dois anos antes criara o mágico Mandrake, o Fantasma inicialmente foi desenhado por Ray Moore, sucedendo-lhe Wilson McCoy e Sy Barry. À tira diária juntar-se-ia uma prancha dominical colorida, em Maio de 1939, ano em que também se estreou em revista autónoma. Actualmente, as tiras diárias são escritas por DePaul e desenhadas por Paul Ryan.
Na sua primeira aparição o Fantasma salvava de apuros a bela Diana Palmer, que seria sua noiva durante mais de meio século, até finalmente casarem, em 1977. Guran, chefe dos pigmeus Bandar, Diabo, o cão-lobo, Herói, o cavalo branco e a Patrulha da Selva, são outras personagens recorrentes desta banda desenhada.
O Fantasma habita a Caverna da Caveira, na fictícia selva de Bengala, de onde parte para os mais exóticos destinos para combater o crime e a opressão, tendo mesmo participado na II Guerra Mundial, contra invasores japoneses.
O sucesso da BD, fez com que fosse levada ao cinema em 1943, com Tom Tyler como protagonista, papel que coube a Billy Zane, num filme de má memória de 1996. Na televisão apareceu em 1986, numa série animada futurista, integrando os Defensores da Terra, juntamente com Flash Gordon, Mandrake e os respectivos filhos (!). No ano passado, uma mini-série interpretada por Ryan Carnes, narrou a iniciação do 22º Fantasma.
Em Portugal, a estreia do herói deu-se em 1952, na revista Condor, tendo depois passado pelo Mundo de Aventuras, Audácia, Jornal do Cuto e até por títulos próprios. A título de curiosidade, refira-se que foi desenhado pelo português Eliseu Gouveia (Zeu), nos números #20 e #26 da edição da Moonstone Books, em 2007/08.
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O Regresso dos Clássicos: Rip Kirby e Quim e Manecas
Aqueles que nas décadas de 50, 60, 70 ou mesmo 80, foram leitores regulares (ou não) especialmente do Mundo de Aventuras ou de outros títulos da Agência Portuguesa de Revistas, de certeza que guardam na memória o nome do detective Rip Kirby. Que muitos até podem ter conhecido sobre o (estranho) nome de Rúben Quirino, na fase em que as revistas infanto-juvenis rebaptizavam os heróis dos quadradinhos para os transformar em heróis lusos.
É especialmente para esses leitores a edição que a Bonecos Rebeldes acaba de colocar nas livrarias, o primeiro volume daquela que pretende ser a reedição integral das tiras de jornal desenhadas por Alex Raymond que criou o detective após ter participado na
Segunda Guerra Mundial.
Movendo-se no meio da alta burguesia norte-americana, Rip (aliás Remington) Kirby, de óculos no nariz e cachimbo na boca, apreciador de música clássica e de conhaque, era fleumático, inteligente e ponderado, e privilegiava o raciocínio à acção, embora fosse capaz de recorrer aos punhos ou às armas quando necessário. Ao seu lado estavam sempre o fiel e impassível mordomo Desmond e belas e sensuais mulheres. A sua estreia nos jornais norte-americanos deu-se a 4 de Março de 1946, tendo demorado apenas três anos a chegar a Portugal, como um dos protagonistas do número inaugural do Mundo de Aventuras, com a história “O caso de Medellon Bell”.
Raymond, também criador de Flash Gordon, desenharia o detective durante dez anos, até à sua morte trágica num acidente de automóvel. John Prentice prosseguiria com as suas aventuras, de forma talentosa, até 1999, data em que desenhador e herói se reformaram definitivamente.
A actual edição foi preparada em Portugal, não seguindo a reedição integral mais luxuosa que a IDW Publishing está a levar a cabo nos Estados Unidos.
Quim e Manecas em antologia
Entretanto, na sequência da exposição que esteve patente no 21º Amadora BD 2010 e ainda integrada na comemoração dos 100 anos da República em Outubro último, está também já disponível a reedição dos melhores episódios da série “Quim e Manecas”.
Trata-se de um volume com cerca de duas centenas de pranchas com as aventuras e traquinices de dois miúdos lisboetas, os primeiros verdadeiros heróis da BD nacional, que foram animados por Stuart Carvalhais entre 1915 e 1918, nas páginas d’O Século Cómico.
Da responsabilidade da Tinta da China, esta edição cartonada de grande formato, tem prefácio e coordenação de João Paulo Paiva Boléo, um dos maiores especialistas em BD portuguesa, que apresenta Quim e Manecas como “uma das grandes obras da arte portuguesa do século xx”, considerando-a “uma das matrizes fundadoras da BD”, de uma qualidade “rara ou mesmo única na Europa do seu tempo” graças ao traço fácil e expressivo, à modernidade do ritmo, à harmonia estética e cromática de muitas páginas, ao humor que transparece não só do texto mas das próprias personagens e situações e à ternura das figuras principais”.
A Lua em (todos os) quadradinhos
Musa inspiradora de poetas e escritores, pintores e escultores, a Lua também não deixou indiferente os criadores de banda desenhada, tendo alguns enviado até lá os seus heróis de papel.
O mais célebre de todos os astronautas da banda desenhada é, com certeza, Tintin que por lá andou quase 20 anos antes de Neil Armstrong, no diptíco “Rumo à Lua”/”Explorando a Lua” começado a publicar a 30 de Março de 1950. Partindo da imaginária Sildávia, num foguetão concebido pelo Professor Tournesol, numa viagem com imensas semelhanças com aquela que a NASA organizou em 1969, Tintin, Haddock, Milu e os Dupont foram até ao satélite da Terra numa aventura que, se se enquadra no tom aventuroso normal da série, é também bastante plausível do ponto de vista científico, graças à profunda investigação que Hergé levou a cabo antes de a iniciar. Mais tarde, o autor voltaria ao tema, narrando, numa BD de apenas quatro páginas, a aventura vivida por Armstrong.
À mesma Lua, por diversas vezes, foram os heróis Disney. Numa das mais famosas, “The Loony Lunar Gold Race“, escrita pelo “homem dos patos”, Carl Barks, em 1964, Donald e Patinhas procuram lá ouro, mas Mickey e Pateta também foram astronautas mais do que uma vez, como agora, na recém-editada “Topolino e il guardiano lunare”, que assinala os 40 anos da chegada do homem à Lua. Claro está, nunca se cruzaram com o solitário Astronauta, de Maurício de Sousa, que percorre o espaço na sua nave esférica, nem com o Spirit de Will Eisner e Wally Wood, que também lá foi, em perseguição de um criminoso, no ano de 1952, em “Outer Space”. E se os heróis Disney, mais do que uma vez encontraram selenitas, no insuspeito policial Dick Tracy, criação célebre de Chester Gould, o filho do protagonista desposava uma bela… lunática. Da Lua provinha também a pedra que dava super-poderes à Moon Girl, uma super-heroína dos anos 40, criada por Max Gaines, Gradner Fox e Sheldon Moldoff, com vários pontos de contacto com a Mulher Maravilha, bem como o broche que transforma Usagi Tsukino na bela Sailor Moon, reencarnação de uma guerreira lunar e protagonista do manga a que dá título.
A adaptação do sucesso televisivo “Espaço 1999”, que teve edição portuguesa, mostrou o nosso satélite como base de naves espaciais, ideia usada em muitas outras histórias aos quadradinhos de ficção-científica, como é o caso de “Nathan Never”, um polícia que vive 200 anos no futuro, originário da Casa das Ideias Bonelli, imaginado por Medda, Serra e Vigna em 1988.
Para além disso, essa mesma Lua, onde o trapalhão Gaston Lagaffe, de Franquin, tem permanentemente a cabeça, testemunhou alguns dos banquetes de Astérix, Obélix e dos outros gauleses irredutíveis, assistiu aos oníricos passeios na cama andante do Little Nemo, de Winsor McKay, e foi companhia dos devaneios do errante Corto Maltese, de Hugo Pratt.
A terminar, duas curiosidades: em “Carson de Vénus”, que o Mundo de Aventuras publicou há cerca de um quarto de século, uma novela de Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan, adaptada aos quadradinhos por Mike Kaluta, o herói, após meses de exaustivos preparativos, parte rumo a Marte, acabando por chegar a Vénus… por se ter esquecido da Lua nos seus cálculos! E dez anos antes de Armstrong descer na Lua, numa tira diária publicada no jornal inglês “Daily Express” de 21 de Novembro de 1959, Jeff Hawke, herói de ficção-científica criado por Sydney Jordan, para assinalar a sua presença no satélite terrestre, colocava uma placa na qual se lia esta previsão quase exacta: “A 4 de Agosto do ano terrestre de 1969, o primeiro ser pisou a Lua. Chamava-se Homo sapiens”!
Escrito Por
F. Cleto e Pina
Publicação
Jornal de Notícias