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O homem mais inteligente do mundo

Richard Feynman: músico, arrombador de cofres, PrémioNobel
Obra em BD transmite com fluidez vida exuberante e complexa

Um dos melhores exemplos do potencial que a banda desenhada tem, é a forma como, em tempos recentes, tem abordado duas temáticas que durante anos foram marginalizadas pelos seus leitores: a adaptação de romances e a biografia.
E tem-no feito, não enumerando dados biográficos à exaustão ou ilustrando longos excertos de obras, mas apostando nas virtudes da narrativa sequencial, no equilibro entre texto e desenho e na noção fundamental da interpretação pelo leitor do espaço branco entre as vinhetas.
“Feynman”, edição recente da Gradiva, exemplifica-o de forma conseguida na evocação da vida de uma personalidades de eleição, Richard P. Feynman (1918-1988) que, para além de ter sido músico, desenhador, arrombador de cofres e contador de histórias, trabalhou no desenvolvimento da bomba atómica lançada em Hiroshima, foi laureado com o Prémio Nobel da Física, inovou no domínio da Electrodinâmica Quântica e fez parte da equipa que investigou as origens da explosão do vaivém Challenger.
A sua vida plena, sempre atento às pequenas coisas que, em conjunto, originam os grandes fenómenos, e apostado em falar sobre eles de forma a torná-los simples e acessíveis ao maior número, é o tema deste romance gráfico com quase três centenas de pranchas.
Narrado na primeira pessoa, revela uma invulgar fluidez, tendo em conta a imensa quantidade de informação transmitida e também a enorme complexidade de muita dela, conseguindo seduzir o leitor e levá-lo página após página na peugada de um homem extremamente inteligentea.
O traço simples, mas dinâmico e expressivo, uma boa utilização da cor para evitar a queda na monotonia na sucessão das páginas e, principalmente, o recurso a diálogos equilibrados, assertivos e estimulantes, com o todo combinado num relato ritmado que nos deixa recorrentemente em suspenso sobre o que se seguirá, mesmo tratando-se de uma biografia, fazem deste um livro a ler de forma apaixonada, sim, mas também uma obra sobre um homem exuberante, que ao contrário do que assevera o ditado, tinha muito de sábio e muito de louco, e que nos leva a pensar e reflectir sobre a simplicidade dos fenómenos complexos que nos rodeiam e gerem o nosso mundo.

Feynman
Jim Ottaviani, Lelland Myrick e Hilary Sycamore
Gradiva
272 p., 25,50 €


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F. Cleto e Pina

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Final da viagem no ponto de partida

“Lendas japonesas” adaptam em BD obra de Wenceslau de Moraes
Obra póstuma de José Ruy é homenagem justa e merecida

Raramente a vida permite que assim aconteça mas a verdade é que com estas “Lendas japonesas”, que a editora Polvo acaba de fazer chegar às livrarias, José Ruy (1930-2022) de alguma forma terminou a sua vida onde a tinha começado ou para definir melhor, teve na sua última obra publicada um regresso ao momento onde tudo praticamente começou. E, relembro, tudo é uma carreira notável, uma vida inteiramente dedicada aos quadradinhos, que começou a desenhar aos 14 aos anos e só a morte foi capaz de interromper aos 92, em finais do ano passado.
As onze histórias curtas que compõem este álbum, são outras tantas adaptações de lendas recolhidas no Japão pelo escritor e diplomata Wenceslau de Moraes nos primeiros anos do século XX. Trata-se de histórias singulares que, segundo o próprio José Ruy, o deixaram “apaixonado pelo tema” quando as descobriu, em 1949, tendo originado nove adaptações em “O Papagaio”, então suplemento infantil da revista “Flama”. Três dessas lendas seriam recuperadas no número inaugural dos semi-profissionais “Cadernos da Banda Desenhada” (1987) e José Ruy regressaria ao tema, na mudança do século, desta vez com duas lendas desenhadas de origem para as “Selecções BD”.
Estas narrativas, de cunho fantástico, têm como protagonistas deuses com os defeitos dos homens ou homens que querem ser como os deuses e uma delas, muito curiosa, rãs antropomorfizadas. Possuem propósitos morais, educativos ou com indicações valiosas para o dia-a-dia e, graças à capa dos hábitos e costumes nipónicos, ganham contornos misteriosos e estimulantes que ajudam a perceber a paixão que provocaram no desenhador português.
Aliás, quer nas páginas mais clássicas e elegantes das primeiras versões, mostradas no texto com que José Ruy introduz o leitor na temática, quer nas narrativas inseridas neste volume, é notório o cuidado e apuro gráfico que foi colocado na sua realização, cumprindo o desejo de aproximação do registo desenhado ao espírito dos originais.
Esta edição, cuidada e com bons acabamentos, que fecha com a biografia de Wenceslau de Moraes em BD, esteve agendado para o ano passado mas, por razões diversas, só agora ficou disponível. E se certamente José Ruy teria gostado muito de a ter segurado nas suas mãos, acaba por constituir uma muito justa e merecida homenagem póstuma.

Lendas Japonesas
José Ruy
Polvo
64 p., 16,90 €


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F. Cleto e Pina

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Francisco Ibañez faleceu aos 87 anos

Criador de “Mortadelo y Filemón” foi possivelmente o autor mais influente da BD espanhola

Natural de Barcelona, onde nasceu em 1936, no seio de uma família de classe média, Francisco Ibáñez Talavera, criador da dupla “Mortadelo y Filemón” (“Salamão e Mortadela” na versão portuguesa), faleceu aos 87 anos.
Descobriu cedo a sua vocação e aos 11 anos, o envio de um desenho para a revista “Chicos” resultou no seu primeiro trabalho pago. Estudos de Contabilidade levaram-no a trabalhar como paquete num banco aos 14 anos, mas em paralelo desenhava para diversas publicações. Em 1957, a percepção de que ganhava mais a desenhar do que a trabalhar como bancário, levou-o a tentar a sua sorte, começando a colaborar com a editora Bruguera, a mais importante do país vizinho na época.
Um ano depois, a mítica revista espanhola “Pulgarcito” publicava, ainda a preto e branco. a primeira página de “Mortadelo y Filémon, agencia de información”, uma sátira à dupla Sherlock Holmes/Dr. Watson e também à CIA, protagonizada por duas personagens com nome de carne de porco, das mais atrapalhadas e perigosas que a BD conheceu.
As histórias longas a cores de Mortadelo y Filémon chegariam na década seguinte, fazendo explodir o êxito da dupla e obrigando o autor a assegurar uma produção insana, forçada pela mercantilização e industrialização das suas personagens. Isso obrigou ao recurso a colaboradores, o que Ibañez negou durante décadas e a quem nunca concedeu o devido crédito, e mesmo à “clonagem” de personagens e séries do mercado franco-belga, sendo o caso mais evidente “El botones Sacarino”, cópia descaracterizada de “Spirou”.
Naquelas séries, tal como em “Rompetechos”, “Pepe Gotera y Otilio” ou “13, rue del Percebe”, Ibáñez afirmou-se como génio do gag visual centrado no absurdo e na violência explícita, tudo narrado a ritmo acelerado apesar da multiplicação de diálogos palavrosos e de vinhetas repletas de pormenores, cultivando um traço arredondado, muito ágil e dinâmico, e o recurso frequente a metáforas visuais que se tornaram uma das suas imagens de marca.
Em Portugal foram publicados dezena e meia dos cerca de 200 álbuns originais de “Mortadelo y Filémon”, a maioria deles pela Paralelo Editora na década de 1970, tendo marcado presença também nos catálogos da Meribérica e da ASA.
Polémicas à parte, como herança Francisco Ibáñez deixa 50 mil pranchas de BD, mais de 100 milhões de álbuns vendidos em Portugal, França, Alemanha, Grécia, Suécia, Dinamarca, Itália ou Brasil, e criações que divertiram e distraíram gerações e fizeram dele, possivelmente, o autor mais influente da BD espanhola.


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Quando Marco Polo conta um conto…

Biografia do mercado veneziano narrada com tom surpreendente
Vinhetas de maior tamanho evocam ilustrações orientais, delicadas e imprecisas

Uma das diversas vantagens de ser leitor voraz e insaciável é a possibilidade de podermos ser surpreendidos a cada livro que abrimos, como me aconteceu, mais uma vez, com este “O Livro das Maravilhas” , uma edição recente da Ala dos Livros).
Aproximei-me dele sem referências e vi-me mergulhado, de forma inesperada, nas demandas de Marco Polo, mesmo que evocadas de forma selectiva e cronologicamente algo anárquica.
Até porque, nas primeiras páginas, deparamos apenas com um velho de trajes orientais, acompanhado por um servo que puxa uma carreta com os seus haveres e que em breve o abandonará. Será substituído, quase de imediato, por um rapazinho que, tendo-se aproximado com intenções menos honestas, acaba por se juntar a ele, curioso primeiro, depois maravilhado com o que o homem lhe vai revelando.
Para a agradável surpresa mencionada acima, contribuiu também o estilo gráfico adoptado por Vincent Froissard e a paleta de tons cinza que lhe apôs, como que pedindo ao leitor para dotar de cor na sua própria imaginação as maravilhas narradas. E se para as personagens o desenhador abraçou um traço semi-caricatural, que contrasta com tudo o mais no livro, aos cenários da acção aplicou um estilo mais realista, mas como que desvanecido por uma bruma recorrente e persistente, que obriga a maior concentração do leitor para os desvendar mergulhando neles. Para além disso criou as vinhetas de maior tamanho à imagem de ilustrações orientais, delicadas e imprecisas, mas extremamente interessantes do ponto de vista plástico e narrativo.
Desta forma, conseguiu dotar o argumento de Étienne Le Roux com uma aura de mistério, semeando a dúvida e pontuando-a aqui e ali com elementos fantásticos que deixam o leitor, tanto quanto o jovem, constantemente na dúvida sobre o que realmente aconteceu ou quando o narrador decidiu dourar a sua história.
E sendo verdade que as duas obras contam, substancialmente, o mesmo, será interessante comparar esta biografia, com o díptico “Marco Polo” (edição da Gradiva), de tom e construção mais tradicionais, e verificar como é possível narrar substancialmente o mesmo de modos tão díspares.

O Livro das Maravilhas
Étienne Le Roux e Vincent Froissard
Ala dos Livros
76 páginas, 22,90 €


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O sagrado e o profano perigosamente próximos

Umberto Eco e Milo Manara reunidos na versão em BD de“ O Nome da Rosa”
Quase com 80 anos, o ilustrador italiano continua a ser um mestre do desenho e da composição

“O Nome da Rosa” é uma das surpresas editoriais do ano, e não só em Portugal, onde a Gradiva acompanhou a edição original, devido à junção de dois nomes grandes da narrativa, Umberto Eco, da literatura, e Milo Manara, da banda desenhada. A uni-los, surge o emblemático romance de Eco, publicado pela primeira vez em 1980, que Manara apresenta na sua versão aos quadradinhos.
Escolha inesperada, pode dizer-se, pela fortíssima predominância masculina nos protagonistas e figurantes, uma vez que o ilustrador italiano é mais conhecido pelas suas obras eróticas e pelas belas e sensuais mulheres que nelas sempre desenhou, mas é uma opção em linha com a última proposta de Manar, a biografia de “Caravaggio” (edição Arte de Autor).
Se adaptar um romance em BD nunca é fácil, “O Nome da Rosa” tinha como contra o peso das suas palavras e os diálogos com muitos frases em latim e isso reflecte-se de alguma forma na versão desenhada, com algumas páginas sobrecarregadas de balões para situar o leitor no âmago da intriga. Mas se este relato pode ser classificado como um romance policial no século XIV, centrado numa abadia beneditina isolada no topo de uma montanha, onde os cadáveres começam a multiplicar-se, a verdade é que a investigação levada a cabo pelo inquisidor frei William de Baskerville, vai bem além disso, na forma como é contextualizada histórica e religiosamente a acção que decorre sob a sombra ameaçadora da Inquisição, pela ironia com que que Eco aborda a questão da teoria versus a prática na religião, e ainda pela sólida caracterização dos intervenientes.
Graficamente, a obra assenta em três registos diferentes, consoante o momento da narrativa apresentado e, se a divisão da prancha em vinhetas se apresenta quase sempre demasiado rígida, é quando se liberta desse espartilho que Manara mostra que, quase com 80 anos, continua a ser um mestre na representação do ser humano e na composição de sequências que ficam na retina pela sua beleza plástica.
No final do primeiro dos dois volumes previstos, “O Nome da Rosa” de Milo Manara deixa o leitor em suspenso, com a incerteza de dever atribuir as mortes a desígnios divinos ou à interpretação destes pelos sempre falíveis seres humanos.

O Nome da Rosa I
Milo Manara segundo Umberto Eco
Gradiva
80 p., 24,50 €


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F. Cleto e Pina

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A nova BD infantil

Obras para os mais novos despertam interesse crescente

Adéle, Ariol, Olívia, Bia… são alguns dos heróis e heroínas da nova BD infantil.
Longe vai o tempo em que os mais pequenos começavam pelas revistas Disney ou da Turma da Mônica, que pululavam nos quiosques portugueses. A última experiência com a BD Disney em português terminou em 2018, com a insolvência da editora Goody e, se as revistas de Maurício de Sousa continuam a chegar a Portugal, têm distribuição limitada e os mais novos não se sentem à vontade com a língua brasileira. Por isso, tal como os adultos, os pequenos leitores de BD – ou os pais por eles – têm que recorrer aos álbuns.
Filipa Casqueiro, responsável pela área infanto-juvenil da Penguin Ramdom House portuguesa, lembra que “a banda desenhada sofreu durante muito tempo com o preconceito de ser leitura menor”; com as actuais apostas, a editora pretende “mostrar precisamente o contrário; são leituras divertidas e de qualidade, que podem atrair crianças menos motivadas para a leitura e desenvolver novos leitores”. Rita Moura, da Jacarandá, acrescenta que “as bandas desenhadas para os mais novos têm tido um interesse crescente”, o que é complementado por Ana Pais, da Bertrand, ao afirmar que a editora “tenta acompanhar os sucessos e tendências internacionais nas áreas do livro infanto-juvenil”.
Isso explica a escolha de “A Incrível Adéle”, sucesso de vendas e de público infantil em França, devido ao “perfil irreverente e inovador da sua protagonista”, retrato perfeito da criança terrível e provocadora, sempre à procura do próximo disparate ou da resposta desafiadora seguinte. Noutro registo, ancorado no quotidiano infantil real, com a escola, as amizades, as paixões infantis, os pais divorciados ou as férias, surge “Ariol”, aposta recente da Jacarandá, “uma personagem muito simpática e universal” que, como reflexo da atenção que os mais novos têm no mercado francófono, tem argumento de Emmanuel Guibert, distinguido com o Grande Prémio de Angoulême, em 2020.
Quanto a Olívia, colecção completa em quatro volumes com a chancela da Booksmile, combina o imaginário infantil, animais falantes e magia, com questões mais candentes, como a defesa do planeta ou a união familiar.
Se todas estas propostas são mais vocacionadas para crianças a partir dos 7 anos, tal como “Bia e o Unicórnio”, para referir uma das paixões mais fortes das meninas, ou “Big Nate” e “Loud em Casa”, vocacionadas para rapazes, o catálogo da Penguin Random House também contempla “as primeiras leituras”, lembra Filipa Casqueiro. É o caso de “Narval e Alforreca”, “Flora e Bambu” ou “Raposa e Coelho” que, a par de um grafismo atractivo e uma planificação menos sobrecarregada, propõem histórias com algum humor e argumentos simples e facilmente compreensíveis, revelando-se “ferramentas úteis e valiosas para os primeiros leitores, já que este género pode contar histórias e transmitir valores importantes”.
Na oferta para os mais novos, destacam-se outros títulos, com características diferentes. “Homem-cão”, protagonizado por um ser metade homem, metade cão, que combate o crime, surgido na senda do sucesso do “Capitão Cuecas”, do mesmo autor, Dav Pilkey. Já as aventuras de “Ideiafix e os Irredutíveis”, que colocam o cão gaulês e outros animais, em Lutécia, tentam replicar o sucesso de Astérix e Obélix, piscando assim o olho também aos pais e fazendo a ponte com a versão animada, como tantas vezes acontece com as propostas para estas idades.
Com a certeza de novos volumes de algumas destas séries e de outras novas, nos próximos meses, o importante é manter os mais novos entretidos, com um livro nas mãos.


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Evocar a morte para celebrar a vida

Obra avassaladora do indiano Ram V e do português Filipe Andrade
Nomeada para diversos prémios norte-americanos e francófonos

Nomeado para alguns dos mais relevantes prémios norte-americanos e francófonos, “As muitas mortes de Laila Starr” chegou esta semana às livrarias nacionais numa edição da G. Floy.
Na sua origem, está uma premissa aparente mas erroneamente divertida, mas muito desafiadora: o nascimento de um bebé que irá descobrir a imortalidade, provoca o despedimento da Morte. Sem a sua tarefa milenar, é enviada para a Terra, para assumir uma vida mortal, em Bombaim, na Índia, onde também está o futuro inventor da imortalidade.
O seu primeiro impulso, naturalmente, é tirar a vida àquele bebé, para garantir o seu posto de trabalho, no entanto, na vida como na morte, os planos que fazemos nem sempre se podem concretizar.
O relato aborda de forma muito assertiva o conceito de morte, muito do que ela envolve e rituais e hábitos que ao longo de gerações foram inscritas no mais íntimos dos nossos seres de acordo com a nossa origem cultural e geográfica. Essa abordagem é feita de uma forma tão envolvente quanto natural, mas ao mesmo tempo incómoda, porque faz sentir as nossas limitações enquanto seres humanos. Por isso, se o tempo que temos para viver está contado, o que fazemos com cada pedacinho dessa curta eternidade é da nossa responsabilidade e “…a única coisa que marca uma vida é as memórias deixadas para trás por esta.”
Um outro aspeto que tornava relevante esta edição portuguesa, é o facto do texto incisivo, profundo e muito bem escrito do indiano Ram V, ter sido ilustrado pelo português Filipe Andrade. Desenhador com carreira feita principalmente nos Estados Unidos, na Marvel e fora dela, Andrade utiliza o seu traço personalizado, de formas assumidamente deformadas e muito fluído, para nos conduzir de forma irresistível por uma narrativa que evoca a morte para celebrar a vida.
Em parceria com a também portuguesa Inês Amaro, Andrade aplica ao seu desenho tons suaves a pastel que, nas suas palavras nas páginas finais, em que ele, Ram V e o legendador falam sobre a forma como trabalharam nesta obra, reflectem “a paleta de cores dessa região do nosso planeta [a Índia], incrível e tão intensa, ao ponto de ser avassaladora”, como avassaladora é a experiência de leitura de “As muitas mortes de Laila Starr”.

As muitas mortes de Laila Starr
Ram V. e Filipe Andrade
G. Floy
144 p., 22,00 €


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Tudo o que sempre quiseram saber sobre Tex

Autor português analisa 70 anos do western há mais tempo em publicação
Obra com quase 500 página é um autêntico compêndio sobre o herói

Se em mercados em que a banda desenhada tem maior expressão e indústria são vulgares obras que reflectem sobre ela própria, os autores ou os heróis, devido à pequena dimensão do mercado português são poucas as edições que abordam esta temática.
Uma das excepções – e também uma das mais significativas – é “Tex – Mais que um herói”. uma edição da cooperativa A Seita, com assinatura de Mário João Marques.
Obra monumental, com quase meio milhar de páginas, à dimensão dos mais de 70 anos que o western mais antigo da banda desenhada em publicação ininterrupta justifica, consegue apresentar na sua concepção três facetas que nem sempre andam reunidas, mas que se revelam muito importantes numa obra que se pretende de referência.
Refiro-me a uma aturada pesquisa histórica para garantir a credibilidade do que fica escrito; ao conhecimento profundo – e, com certeza, aprofundado durante a sua escrita – que o autor revela das centenas de histórias protagonizadas por Tex, pela forma como evoca cenas, momentos ou pormenores de várias delas; finalmente e em linha com esta última, é evidente a paixão de quem escreve pela trajetória do ranger, transmitindo ao longo das páginas essa emoção.
Desta forma, Mário João Marques proporciona aos apreciadores de Tex, em particular, e aos interessados pelo western e pela banda desenhada, em geral, um mergulho completo e apaixonado por Tex, em capítulos profusamente ilustrados que abordam o mito, o herói, os companheiros e adversários, a evolução da série ao longo do tempo, as diferentes colecções e edições, as capas – as originais, as brasileiras (das edições em que muitos leitores portugueses descobriram Tex) e as portuguesas… – os ambientes, as histórias mais marcantes e os autores, argumentistas e desenhadores, que fizeram de Tex o que ele ainda é hoje.
Como é evidente, uma obra desta dimensão, que esmiúça e aprofunda até ao seu âmago a série, tem de ser degustado ao ritmo pausado das cavalgadas de Tex e Kit Carson nas primeiras páginas das histórias em que é a aventura que vai ao encontro dos heróis.
E, num mundo ideal, em que o tempo parasse sempre que lêssemos um livro, seriam muitas as aventuras a (re)descobrir estimulados pelo que sobre elas escreve Mário João Marques.

Tex – Mais que um herói
Mário João Marques
A Seita
488 p., 40,00 €


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Filipe Melo: “Temos orgulho no que éramos na altura, mas agora somos melhores”

“Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy” já nas livrarias

Acaba de chegar às livrarias nacionais “As Aventuras Completas de Dog Mendonça e Pizzaboy”, uma paródia aos grandes filmes de aventuras dos anos 1980 e um ‘tijolo’ com mais de 450 páginas de BD que foi o pretexto para uma entrevista com os seus criadores, Filipe Melo e Juan Cavia.
Este volume reúne os três álbuns originais, as histórias curtas publicadas pela primeira vez nos Estados Unidos, um conto inédito, diversos extras e os prefácios assinados por John Landis, Lloyd Kaufman, George A. Romero e Tobe Hooper. Treze anos depois da publicação do primeiro livro, “representa o fim de um logo caminho” diz Filipe Melo, “algo que tínhamos de fazer antes de começar um novo projecto”. Juan Cavia, o desenhador confessa “vergonha em reeditar só o primeiro livro, porque já não nos representa; na época éramos muito jovens.” E assevera: “a pressão de voltar a Dog Mendonça e Pizzaboy estava a esgotar-nos”. Melo complementa: “temos orgulho no que éramos na altura, mas agora já somos melhores do que isto. Por isso, foi incluída uma história nova, protagonizada pela Madame Chen, que representa a visão actual dos autores, o que são hoje”. E explica: “logo na terceira página do argumento, ficou claro que não podíamos seguir o mesmo esquema”, por isso, a solução foi “um conto ilustrado, com um desenho mais livre, mais poético, que encerra o livro e ao mesmo tempo é o início de todas as aventuras”.
Questionados sobre voltarem um dia às personagens, Melo repete que “é um capítulo encerrado, ultra-enterrado e com construções por cima!” Mas entreabre a porta: “Ter uma ideia é difícil… se surgir uma boa ideia, será um crime não a aproveitar”. Cavia reitera por outras palavras: “neste momento não existe vontade, mas não sou fundamentalista… tudo pode acontecer!”.
Inicialmente pensadas como um filme protagonizado por Nicolau Breyner, “As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy”, um detective lobisomen e um entregador de pizzas, auxiliados por um demónio de 6000 anos e a cabeça de uma gárgula, acabaram por ser narradas em banda desenhada, tornando-se um dos maiores sucessos dos quadradinhos nacionais. Melo revela que a partir do segundo álbum começou a escrever “em função do desenho do Juan” e que entre os dois se desenvolveu “uma química perfeita”. Nunca pensou “escrever para outros desenhadores”, pois embora ele e Cavia não sejam “ciumentos”, têm “um casamento artístico muito feliz”.
Em termos de futuro, confessam que ainda não estão a trabalhar num nova obra. Filipe Melo revela até “que conceber este volume integral foi uma forma de fugir ao livro que vem depois do “Balade para Sophie”. O sucesso nacional, em França, Espanha e Estados Unidos, com a nomeação para diferentes prémios, “inconscientemente é um peso e uma responsabilidade extras”, reconhece Juan Cavia. O argumentista contrapõe: “Para mim não; o facto de ter corrido bem, dá margem para fazermos algo que não corra tão bem… mas tem de ser novo, representar uma motivação acrescida”. “Acima de tudo”, conclui Cavia, “tem de ser algo honesto”.
Quando terminaram “Balada para Sophie”, “que saiu durante a pandemia, por isso com padrões distorcidos” recorda Cavia, “havia a noção que era um livro mais tradicional, mais universal, logo mais vendável. Mas também era um livro muito longo, trabalhado durante vários anos. Podia ter corrido mal, mas o que dá mais trabalho, também dá melhores resultados”.


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As últimas horas do Maia BD

Autógrafos e apresentações preenchem o programa de hoje

Após três dias bem preenchidos em torno da banda desenhada e do cinema de animação, a primeira edição do Maia BD, que está a decorrer no Fórum da cidade, encerra hoje ao final do dia.
No local, podem ainda ser visitadas as exposições de Joana Afonso/João Miguel Lameiras, Joana Mosi, Georges Bess, Juan Cavia/Filipe Melo e Marco Mendes, sóbrias na apresentação mas com a mais valia de exibirem apenas originais, que permitem apreciar a arte e a forma de trabalhar de cada um dos autores.
Do programa do dia, entre várias apresentações de algumas das oito novidades editoriais lançadas este fim-se-semana, destaque para a conversa com o francês Georges Bess, às 15h30, em torno da sua versão a preto e branco de “Frankenstein”, que acaba de ter edição portuguesa, para o concurso de Cosplay, a partir das 16 horas, e para a divulgação do projecto “Um site: Uma Cronologia da BD Portuguesa (1972-2023)”, às 17h.
Do dia de ontem, fica a imagem das filas constantes para os autógrafos desenhados. A temperatura amena que tornou muito agradável o espaço exterior junto ao edifício onde eles decorreram, e a presença de Bess, do espanhol Canizales e de muitos dos grandes nomes da BD nacional, mostraram como o público do norte estava sedento de um evento deste género depois de anos sem nada similar. Por isso, foram muitos os que se deslocaram ao Mercado do Livro, a decorrer no local, para comprarem esta ou aquela edição para de seguida irem recolher o seu autógrafo junto do autor.
Essa imagem pode repetir-se hoje, pois para além dos dois artistas estrangeiros, a partir das 15 horas marcarão presença do Maia BD Luís Louro, André Lima Araújo, Joana Mosi, Filipe Abranches ou Filipe Andrade, entre outros.
As opiniões até agora recolhidas, junto de autores, livreiros ou simples visitantes apontam como muito positiva esta iniciativa da Câmara Municipal da Maia, com organização da cooperativa editorial A Seita, acentuando o facto de não existir nenhum certame relevante no Norte do país desde o final do Salão Internacional de BD do Porto há mais de duas décadas.


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