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“Humanidade” é o tema do Amadora BD 2024

O Amadora BD – Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora já revelou o cartaz da edição de 2024, as respectivas datas e algumas dos seus conteúdos.
De 17 a 27 de Outubro de 2024, o evento regressa ao Ski Skate Amadora Park, onde ficará o Núcleo Central, a Zona de Gamming e a Zona Comercial, que no total ocuparão cerca de 2100 m2. Como habitualmente, a Bedeteca da Amadora e a Galeria Municipal Artur Bual também receberão algumas das 14 exposições que o evento tem previstas.
O tema escolhido para esta edição foi “Humanidade”, num ano em que o Festival celebra os 50 anos do 25 de Abril, com diversas mostras que exaltam valores da democracia como liberdade, justiça e igualdade.
Está já confirmada a exposição individual de Paulo J. Mendes, vencedor do prémio de Melhor Obra de BD de Autor Português nos Prémios de Banda Desenhada da Amadora (PBDA) em 2023, com “Elviro”, sendo por isso dele a imagem que serve de base ao cartaz.
A organização confirmou também que a Mafalda, Naruto e Daredevil terão mostras no núcleo central, sendo que a dedicada a este último, o super-herói cego da Marvel, será a primeira exposição sensorial e inclusiva apresentada no Amadora BD que assim reforça o seu compromisso de ser um Festival para todos.
Como habitualmente, terão lugar o Concurso Municipal de Banda Desenhada da Amadora, dirigido à comunidade escolar, sob o tema ‘Uma reflexão sobre a “liberdade”, e o Concurso de Banda Desenhada da Amadora, vocacionado para novos jovens autores, que terão de cumprir o mote “25 de abril sempre!”.
O Amadora BD’24 culmina com a habitual cerimónia de entrega dos PBDA, que mais uma vez atribui um prémio pecuniário no valor de €5.000, à Melhor Obra de Banda Desenhada de Autor Português.


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F. Cleto e Pina

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Bedeteca mostra os seus fanzines

A Bedeteca, biblioteca de banda desenhada a funcionar no Centro Comercial Brasília, no Porto, inaugura amanhã, dia 6 de Abril, na Galeria de Ilustração e Banda Desenhada Mundo Fantasma, a exposição “Os Fanzines em Portugal: Anos 70, 80 e 90”.
Segundo a organização, “a palavra fanático não é uma palavra com boa reputação” mas o termo “fanzine” que deriva dela tem “uma aura mítica e positiva”. A explicação surge de seguida: “o “magazine de fanáticos”, que deu origem ao neologismo ‘Fanzine’, é feito por alguém que ama intensamente o tema a que se dedica” e que através da publicação, geralmente artesanal e de tiragem curta, “partilha com os outros essa sua paixão”.
Surgindo associado a publicações na área da ficção-científica, os fanzines rapidamente passaram a abordar outras temáticas da cultura popular, como o cinema, a música, a literatura ou a banda desenhada.
Nesta última área, as primeiras publicações em Portugal surgiram nos anos 1970, tendo a publicação de fanzines sido consistente e constante até ao final do século passado.
A Bedeteca, inaugurada no novo espaço em Fevereiro último, tem uma coleção significativa e representativa destas publicações, que atravessa as três derradeiras décadas do século XX.
A partir de dia 6 de Abril, com inauguração às 16 horas, será possível descobrir títulos como “Argon” (um dos primeiros), “Comicarte”, “Ritmo”, “Quadrado”, “Protótipo”, “Boletim do CPBD” e muitos outros que de alguma forma marcaram a publicação de autores portugueses naquele período. Na inauguração estarão presentes Telmo Quadros Ferreira, Pedro Rocha Nogueira e Ágata Moreira, para mostrarem alguns dos trabalho que então publicaram naqueles suportes e para falar dos meandros dessas edições.


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F. Cleto e Pina

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A acção por detrás das câmaras e das luzes

Quentin Tarantino segundo ele próprio. Obra de Amazing Ameziane é um tributo ao realizador e ao seu tributo à 7.ª arte.

Se começou por ser cómica, daí a sua designação americana, e se se expandiu ao vestir traço realista para narrar todo o género de aventuras, a banda desenhada, que aos poucos assumiu também o género histórico e a adaptação de romances e filmes, em décadas recentes tem demonstrado à exaustão a sua capacidade para servir todas as temáticas. A autobiografia, por exemplo ou, mais além e ousadamente, a reportagem ou reflexões sobre a sociedade, o nosso mundo, a sua viabilidade e o seu futuro, têm comprovado a pluralidade e todo o potencial de uma forma narrativa que durante muitos anos foi considerada por muitos “para as crianças”.
“Quentin por Tarantino”, que em boa hora a ASA disponibilizou em edição portuguesa, é mais um exemplo, que explora de forma bastante feliz o género biográfico, mas fugindo ao que seria o estereótipo mais óbvio: a dramatização linear da vida do realizador.
Aproveitando a sua faceta provocadora e pretensiosa – alguns dirão a consciência do seu valor e capacidades – o autor, o francês Amazing Ameziane, fez da obra um longo monólogo do próprio Tarantino que, dessa forma, nos conduz num passeio pelo cinema, por alguma da sua História, a dos filmes B e de (algum) cinema de autor, mas, principalmente pela sua própria obra. E apesar de ser uma biografia escrita por outrem, o livro funciona como um discurso na primeira pessoa do realizador norte-americano que vai desfiando as suas memórias, histórias e pequenas anedotas, a forma como contratou estrelas caídas em desgraça ou fez outras, desfila opções, devaneios, sonhos e desilusões. Em resumo, expõe abertamente a sua forma singular de pensar e viver os filmes, funcionando o todo como um enorme tributo ao seu tributo à 7.ª arte.
Apesar do protagonismo absoluto na primeira pessoa, “Quentin por Tarantino” é formalmente uma boa banda desenhada, pela forma como Ameziane consegue ritmar, dar fluidez narrativa e sequência gráfica ao livro, através de uma planificação variada, que alterna grandes planos, cenas e cartazes de filmes que (re)conhecemos ou sequências mais tradicionais no que à BD concerne.
Ideal para quem conhece bem os filmes marcantes que Tarantino escreveu e realizou, “Quentin por Tarantino” é também para todos aqueles que gostam de cinema e de saber o que está por detrás das câmaras e das luzes.

Quentin por Tarantino
Amazing Ameziane
ASA
248 p., 29,90 €


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F. Cleto e Pina

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Academia Nacional das Belas Artes à descoberta da banda desenhada

Mostra “Desenho, Palavra e Sequência” para ver até final de Maio

“Desenho, Palavra e Sequência – Banda Desenhada, a 9ªarte” é o título da exposição que a Academia Nacional das Belas Artes (ANBA) propõe a partir de amanhã, dia 26 de Março, com a inauguração agendada para as 15 horas.
Esta iniciativa surge após a ANBA ter reconhecido, em Outubro último, pela primeira vez, a Banda Desenhada como forma superior de expressão cultural, juntamente com o Cinema e a Dança, acentuando a ideia de que a arte é um conceito em permanente evolução. Na altura, teve lugar uma sessão solene presidida pelo Ministro da Cultura, Dr. Pedro Adão e Silva, que serviu também para receber como novos académicos ligados à BD, Penim Loureiro (arquitecto e autor de “Umbigo do Mundo”) e Paulo Monteiro (responsável pela Bedeteca e pelo Festival Internacional de BD de Beja e autor de “O Amor infinito que te tenho e outras histórias”).
A mostra funciona como introdução de um conjunto de novos eventos que irão decorrer no seio da comunidade das Belas Artes (Academia e Faculdade) em torno da banda desenhada, considerada a 9.ª arte, termo este cunhado por Claude Baylic, em 1964, no artigo “La Bande Desinée est-elle an art?”.
A exposição, contempla uma pluralidade de estilos e, apoiando-se em pranchas de diferentes autores portugueses contemporâneos como André Lima Araújo, António Jorge Gonçalves, Bernardo Majer, Filipe Andrade, Joana Afonso, Jorge Coelho, Luís Louro, Marco Mendes, Mosi, Nuno Saraiva, Osvaldo Medina ou Riuta Alfaiate, evidencia os paradigmas da estrutura da linguagem da BD, do argumento até à composição final de todos os componentes da prancha, reforçando o pressuposto de que a simultaneidade e interligação de “Desenho, Palavra e Sequência” é constante e inseparável.
Do programa fazem igualmente parte três conferências: “Tradição e Rutura” (12 de Abril); “Arquitetura e Banda Desenhada” (3 de Maio) e “A Escrita na Banda Desenhada” (17 de Maio), que assumirão a forma de conversas com alguns dos autores nacionais representados na mostra, patente até 29 de Maio e com entrada livre.


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O lado sério da vida universitária

Retrato jovem e com humor das últimas décadas do século passado. Dos jornais e fanzines ao livro colorido, obra também ilustra percurso pessoal de Derradé.

Quem viveu por dentro do mundo da banda desenhada nos anos 1980 e 1990, antes do aparecimento das tecnologias que revolucionaram também a impressão, e tinha aspirações a ser autor, inevitavelmente pelos fanzines, ou seja pelas edições amadoras.
É o caso de Dário Duarte, aliás Derradé que, entre os jornais em que colaborou, os fanzines que auto-editou e algumas edições um pouco mais profissionalizadas em que publicou, foi traçando um retrato do mundo jovem e universitário em que vivia então, que obviamente era também um retrato de um certo Portugal. Entre as suas criações da época, destaca-se Bubas, um adolescente tardio em que se adivinham apontamentos auto-biográficos, perdido num mundo ao qual apontava mais defeitos do que qualidades, e que procurava em muito álcool, pouca droga, algum romance e quase nenhum sexo, respostas para a vida que, afinal, surgiam principalmente nas amizades.
São essas histórias, primeiro no formato de tira de jornal e mais tarde como histórias curtas, que foram agora compiladas no volume “Bubas – Addicted to love”, pela Polvo. Como sinal dos tempos, evidentes também na progressão da personagem, as aventuras e desventuras de Bubas surgem agora coloridas por Beatriz Duarte, filha de Derradé, num convite a voltar ao passado, mas revisto agora com um olhar diferente, costuma dizer-se mais maduro, para redescobrir um Portugal ainda mal refeito e ciente das possibilidades que Abril abriu, mas em que então, como agora, os jovens viam principalmente pontos de interrogação, dúvidas e incertezas no seu futuro.
Como em todas as suas obras, o olhar que Derradé propõe vem filtrado por um humor cáustico para com a sociedade, impiedoso para si próprio e muitas vezes desencantado, mas que ajuda a moderar a sua visão de uma época e das vivências que narra.
Se na primeira parte deste “Bubas – Addicted to love”, correspondente às tiras, impera o humor, a segunda parte revela um autor mais completo e consciente da especificidade da narrativa em BD que, sem alterar a temática de base, ao focar o quotidiano de Bubas na questão da sempre adiada primeira relação com a namorada, que quer esperar pelo momento certo, permite uma leitura mais adulta e estimulante que, depois de seduzir o leitor, o deixa pendurado perante um final em aberto que pede uma continuação.

Bubas – adicted to love
Derradé com Beatriz Duarte
Polvo
68 p., 13,90 €


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F. Cleto e Pina

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LouriBD enche a Lourinhã de banda desenhada

Italiano Andrea Ferraris é o cabeça de cartaz do evento

A segunda edição do LouriBD – Festival de Banda Desenhada da Lourinhã, uma parceria entre o município local e a editora local Escorpião Azul, com o apoio da Antena 1, abre portas segunda-feira, 18 de Março, e promete uma semana repleta de actividades em torno da chamada 9.ª arte, até dia 24.
Sediado no Centro Cultura da Lourinhã e também com atividades na Biblioteca Muncipal, o evento pretende tornar acessível a banda desenhada e aproximar dela pessoas de todas as idades, afirmando este género literário como único e dotado de um enorme potencial artístico e cultural. Para isso, propõe, diariamente, nos dias de semana, workshops direccionados para alunos de todas os níveis de ensino, com a formação a cargo de diferentes autores portugueses.
De segunda a quinta, a partir das 17 horas, terá lugar uma conversa seguida de sessão de autógrafos com um criador diferente cada dia, respectivamente Filipe Duarte, João Amaral, Sharon Mendes e Joana Geraldes.
Apostando este ano na temática monstros, o LouriBD dedica-lhes uma exposição, sejam eles oriundos da arte popular, das lendas e mitologias, da imaginação ou da investigação científica de fauna e flora, entre vários outros universos. Apesar de ter actividades a partir de dia 18, a inauguração oficial do certame será dia 22, com uma visita guiada, às 18h30, e exibição da primeira longa-metragem de animação portuguesa feita em stop-motion, “Os Demónios do Meu Avô”, seguida de uma conversa com o realizador Nuno Beato.
No fim-de-semana multiplicar-se-ão os workshops e as conversas em torno dos diferentes aspectos da banda desenhada, da criação à edição e divulgação, estando prevista a presença de muitos autores nacionais, entre os quais Paulo J. Mendes (autor de “Elviro”, distinguido como Melhor Álbum de Autor Português no Amadora BD 2023), Álvaro Santos (“Porra… voltei!”), Duarte e Henrique Gandum (“Congo”), Luís Louro (“Corvo”), Paulo Monteiro (“O amor infinito que te tenho e outras histórias”) ou Rita Alfaiate (“Neon”). Estarão também presentes André Mateus e Filipe Duarte, para lançamento do seu livro “E Depois do Abril”, cujos originais podem ser vistos no local.
O principal destaque, no entanto, vai para a presença de Andrea Ferraris, autor italiano, nascido em Génova, em 1966, que tem editadas em português duas obras pela Escorpião Azul: “A Cicatriz”, sobre os dramas que se vivem a cada instante na fronteira entre o México e os Estados Unidos, e “Churubusco”, que aborda a trágica história do Batalhão São Patrício e a sua deserção, a favor do México, durante uma guerra desigual (1846-1848) contra os Estados Unidos.
Do programa do LouriBD, cuja entrada é livre, constam igualmente uma feira do livro e fanzines, um concerto ilustrado e exposições de peças de arte.


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F. Cleto e Pina

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Contar sempre a mesma história

O eterno triângulo amoroso, com novas roupagens. Mestria gráfica de Marini faz a diferença em “Noir Burlesc.

Há quem defenda que só existe um punhado de histórias para contar e o que varia são as épocas, os locais e as roupagens com que são vestidas as personagens que as vão interpretar. E acima de tudo, a forma como são (re)contadas.
Por essa ordem de ideias, “Noir Burlesco” é (mais) uma variação de uma temática tantas vezes abordada, aquela que tem por base o eterno triângulo amoroso.
Apertando a grelha, desta vez, Marini, o seu autor, localiza a acção nos Estados Unidos pós-II Guerra Mundial – mais precisamente em 1950, em Filadélfia – e entrega o protagonismo a um trio: Terry Slick, um bandido que gosta de trabalhar sozinho, segundo o seu próprio código de honra, de regresso à cidade após ter sido desmobilizado; Rex, um dos chefes mafiosos locais, com quem Slick tem contas a ajustar, a mais recente das quais ele ter noivado com a sua ex-namorada; e esta última, a bela e sensual Deb Caprice, que deixa os leitores a suspirar, de olhos esbugalhados, e se revela capaz de tudo para servir os seus próprios propósitos. A par deles, passa perante os nossos olhos uma forte galeria de personagens secundárias, que se revelam fundamentais para o desenvolvimento do relato e para dar diversidade, maior conteúdo e consistência ao todo.
Uma das principais diferenças na narrativa de Marini, é a mestria gráfica com que dá vida à sua narrativa, com um traço realista e credível, que representa na perfeição os cenários urbanos, os automóveis de época ou a figura humana, tudo pintado com uma variada gama de tons de cinzento e aplicações pontuais de vermelho vivo que tanto podem destacar buracos de bala ensanguentados como os lábios sensuais de Caprice.
Para além disso, Marini deixa que a imagem prevaleça sobre o texto, reduzindo este aos diálogos essenciais, curtos, assertivos e acutilantes, aqui e ali com uma pitada de humor negro, inevitável num registo policial do mesmo tom, duro e violento quanto baste, com algumas surpresas no percurso.

A edição do segundo tomo deste díptico, de novo em co-edição entre a Arte de Autor e A Seita, permite que a leitura das 240 páginas da história seja feita como ela pede: de seguida, sem paragens nem interrupções, para a fruirmos completamente outra vez, mas pela primeira vez.

Noir Burlesco 2
Marini
Arte de Autor/A Seita
136p., 29,50€


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F. Cleto e Pina

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A corrida energética contra o relógio

Exposição divertida sobre as questões climáticas sedutora para todos os leitores. “O Mundo sem Fim” foi o livro mais vendido em França em 2002, considerando todos os géneros.

Dentro do novo paradigma da banda desenhada em Portugal, que passa por mais editoras a apostar no género e por uma maior diversidade temática, “O Mundo sem Fim”, edição recente da Ala dos Livros, é uma das apostas mais arrojadas.
Afirmá-lo não questiona a qualidade intrínseca da obra, a sua actualidade ou interesse, mas destaca a sua temática, pois aborda questões como as alterações climáticas, os vários tipos de energia, os mais aconselháveis e as limitações dos recursos energéticos, que muitos não esperariam ver tratados em banda desenhada.
Com mais de um milhão de exemplares já vendidos em França, onde foi o livro mais vendido em 2022, considerando todos os géneros e não apenas a BD, tem por base uma longa conversa entre Jean-Marc Jancovici, um renomado especialista em questões energéticas e alterações climáticas, e Christophe Blain, responsável, por exemplo, pelas versões de autor de Lucky Luke.
Se o tema se poderia ter tornado maçador, pesado e até desinteressante, Blain conseguiu transformar a exposição numa narrativa viva e dinâmica, com pequenos apontamentos de humor gráfico, referências que todos podem compreender e uma capacidade de expor graficamente perante os olhos do leitor as questões tratadas, proporcionando uma leitura fluída e apaixonante que custa interromper. Para aqueles que gostam de apontar a banda desenhada como modelo de virtudes didáticas, este é um exemplo concreto, tanto capaz de seduzir os que já lêem esta arte regularmente, quanto os que muitas vezes ainda continuam a olhá-la de soslaio.
Em “O Mundo sem fim”, somos confrontados com problemas incontroláveis, questões inadiáveis, soluções aparentemente miraculosas que não o são, a ilusão das energias renováveis ou daquelas que hoje parecem o truque de magia saído da manga, questões que são polémicas, assustam e obrigam a pensar sobre o rumo que queremos tomar.
Num tom que não é catastrofista, mas apenas profundamente realista e não tem medo de expressar opiniões fortes e pouco consensuais, este livro mostra claramente que, ao contrário do que o seu título parece indicar, não vivemos num mundo sem fim; tem limitações e recursos finitos e, em nome da nossa sobrevivência, convém estarmos alertados e tomarmos medidas, mesmo que incómodas, para não termos de assistir ao seu ocaso.

O Mundo sem Fim
Jancovici e Blain
Ala dos Livros
196p., 35,00€


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F. Cleto e Pina

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Criador de “O Expresso do Amanhã” regressa com nova história de superação

Confronto entre um pastor e um lobo, nos Alpes franceses, é o tema da obra

Em Portugal, Jean-Marc Rochette é conhecido como autor dos dois volumes de “O Expresso do Amanhã” (Levoir, 2020), a banda desenhada que esteve na origem da série homónima da Netflix, uma história de sobrevivência de uns quantos eleitos ou privilegiados, transformada em luta de classes no interior de um extenso comboio, que circula a grande velocidade, numa viagem interminável pela superfície coberta de neve do planeta Terra.
Revelado na época áurea da mítica revista “(À Suivre)”, Rochette tem agora editado pela Arte de Autor “O Lobo” que, curiosamente, é também uma história de sobrevivência, de novo numa paisagem regularmente coberta de neve, os Alpes franceses.
Desta vez, são só duas as personagens no terreno, um pastor e um lobo, que as circunstâncias específicas – a ocupação de um e o instinto de outro – e os acasos provocados pela natureza colocam violentamente em lados opostos, num crescendo natural mas bizarro, que culminará numa longa, arriscada e potencialmente mortal perseguição.
Como elementos adicionais à trama, surgem a solidão do homem, traumatizado por em pouco tempo ter perdido o filho, na guerra, e a mulher, como consequência, a dívida de gratidão do animal para com ele, por ter sido poupado quando ainda era uma cria, e o facto de os lobos serem uma espécie protegida no parque natural alpino em que decorre a acção.
Com a imponência dos contrafortes rochosos como cenário, o traço de Rochette revela-se mais duro, agreste e conscientemente impreciso do que é habitual, retratando de forma muito realista as dificuldades de vida e deslocação, o lado selvagem do animal e as belezas naturais que são simultaneamente perigosas armadilhas.
Alternando sequências mudas, que pontuam os ciclos naturais e evidenciam como nascimento e morte fazem parte da mesma realidade, com monólogos do protagonista e narrativa em off impessoal, que reforça e se sobrepõe ao que as imagens transmitem, para acentuar a mensagem, Rochette proporciona-nos uma leitura intensa e de certa forma dolorosa, por nos sentirmos divididos entre o homem e o lobo, afinal apenas seres vivos a tentarem sobreviver, cujo final nunca é evidente, até ao desfecho em que a aparente pacificação contrasta com o trágico pormenor evidenciado.

O Lobo
Jean-Marie Rochette
Arte de Autor
112p., 25,00€


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F. Cleto e Pina

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Dois anos de vida num mundo de homens

Solidão e frustração como caminho para resolver situação financeira, “Patos” foi distinguido com dois Eisner, um dos mais prestigiados prémios para a BD do mercado norte-americano

A mudança de paradigma em relação à banda desenhada, em Portugal, nos últimos anos, é evidente e só isso explica, por um lado, a multiplicação de edições que fogem à oferta mais óbvia e, por outro, a aposta neste género por parte de editoras que ainda há poucos anos não a incluíam nos seus catálogos.
“Patos”. de Kate Beaton, é um dos exemplos recentes disto. Distinguida com dois Eisner, um dos prémios para a BD mais prestigiados nos EUA, é uma obra autobiográfica que, ao longo de mais de 400 pranchas conta a experiência vivida pela autora nas areias petrolíferas canadianas.
Passo a contextualizar: terminados os estudos numa área artística, Kate Beaton teve de encontrar um emprego bem pago para fazer face aos pesados encargos do seu empréstimo de estudante. Na época, em 2005, para uma jovem da pequena localidade de Cabo Bretão, a zona das areias petrolíferas de Alberta soava como o Eldorado, pois os empregos, nos armazéns de ferramentas, a conduzir maquinaria pesada ou na exploração das minas, eram pagos bem acima da média.
No reverso da medalha, implicava viver num local que, pelo seu isolamento natural, funcionava quase como uma prisão, para mais num mundo maioritariamente de homens – em média cinquenta para cada mulher – com todo o tipo de consequências imagináveis, do assédio ligeiro e bem intencionado, se é que tal existe, até à violação.
Entre a necessidade de resolver o seu problema financeiro, com o inevitável excesso de horas de trabalho, a solidão implícita num local de onde raramente se sai, as muitas frustrações experimentadas, os equívocos, a vontade cíclica de deixar tudo, a falta de distracções e o sentimento de culpa por algumas das decisões tomadas, Kate Beaton narra de forma contida, sem intenção panfletário, de modo quase sistemático, com um certo desprendimento que funciona como defesa e até a compreensão de quem consegue avaliar os vários pontos da questão, os dois anos que passou em diversas explorações de petróleo.
O traço utilizado para o fazer é algo simplista e caricatural, o que ajuda a atenuar a carga dramática da obra, mas eficaz em termos narrativos e foi mesmo através da banda desenhada que a autora encontrou o equilíbrio necessário e a forma de combater e ultrapassar os efeitos nefastos que aquele tipo de vida provoca.

Patos
Kate Beaton
Relógio D’Água
440 p., 26,00€


Escrito Por

F. Cleto e Pina

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